4. Coreia do Sul
Por comparação com o ano passado, que deixou a sensação de que a selecção necessitou de recorrer a muitas segundas escolhas, este ano o conjunto de filmes oriundos da Coreia do Sul foi de uma elevada qualidade média. Com a popularidade do cinema local e de alguns dos seus nomes, há filmes que ficam reservados para festivais mais mediáticos e outros há que, já adquiridos para o mercado italiano, os distribuidores preferem não ante-estrear no FEFF.
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«A Family». |
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Byeon Yeong-ju (passe com o rato sobre a imagem) apresentou «Flying Boys». |
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«Someone Special», o filme coreano mais votado pelo público. |
O foco sobre directores de fotografia permitiu (re)ver duas excelentes obras fotografadas por Park Hyeong-gu — «Salineui Chueok» [«Memories of Murder»], de Bong Jun-ho, e «Bakha Satang» [«Peppermint Candy»], de Lee Chang-dong. Sobre o primeiro já escrevemos anteriormente — foi programado para o Festival de Sitges, em 2003. A obra de Lee, que conseguiu fazer-nos entrar numa sala de cinema às 9h30 da manhã, acabaria por ser o melhor filme que vimos neste FEFF. Começa com Seol Gyeong-gu desesperado, sobre uma linha de comboio, depois de deambular por uma reunião de antigos colegas de liceu. Retrocede vários anos no passado, segmento a segmento, acompanhando a história recente da Coreia do Sul e estabelecendo um paralelo com a desintegração moral e psicológica do protagonista. Uma obra-prima assinada em 2000, pelo actual Ministro da Cultura da Coreia do Sul.
A família foi um tópico presente em alguns do títulos coreanos em competição, desde logo em «Gajok» [«A Family»]. Uma jovem sai da prisão e tenta reintegrar-se no lar, com o pai e o irmão mais novo. A relação com o patriarca é muito má, mas ela terá problemas piores. Passou pela prisão devido às suas ligações com um gangster que não só não se mostra agradecido como ainda lhe vai fazer a vida num inferno. «A Family» é um bom drama familiar, servido por óptimos desempenhos de todo o elenco.
«Nuguna Bimileun Itta» [«Everybody Has Secrets»], um remake do filme irlandês «About Adam» (2000), aborda outro tipo de harmonia familiar, a partir das personagens de três irmãs: uma casada, uma mais tímida e recatada, tipo bibliotecária (um tremendo cliché, na verdade) e uma terceira, mais desinibida e uma verdadeira quebra-corações. O novo namorado desta última virá a ser tomado pelo homem perfeito pelas outras duas. Narrativas paralelas vão levar-nos a reinterpretar os acontecimentos. Em última análise, trata-se de um filme ligeiro, com momentos divertidos, mas com uma conclusão um tanto ou quanto débil.
«Gil» [«Road»] marca o regresso do realizador de «Jeong» [«My Heart»], Bae Chang-ho, que esteve presente em Udine. Se na referida obra a protagonista foi interpretada pela sua mulher, Kim Yu-mi, aqui é o próprio Bae quem lidera o elenco. A sua personagem é um ferreiro, simples e honesto, que viaja de mercado em mercado para vender os seus produtos. Sempre disposto a ajudar os outros, vai ser vítima das suas virtudes, perdendo os bens e cumprindo uma pena de prisão. No tempo presente, vemo-lo a regressar à terra natal, conhecendo uma adolescente que voltou da cidade para o funeral do pai. Os pontos de contacto com «My Heart» são evidentes, mas o mais importante é a grande sensibilidade e sinceridade com que Bae impregna as personagens, num filme que se recusa a acompanhar as modas e a ser "moderno".
O protagonista de «Balle Gyoseubso» [«Flying Boys»] vive sozinho com o pai e a relação dele com a família é um tema central ao filme. Outros jovens, finalistas do ensino secundário, têm problemas paralelos, sobretudo por questionarem as orientações dos progenitores sobre o rumo das suas vidas. O ponto de passagem das personagens principais é uma aula de ballet, que poucos frequentam de livre vontade. «Flying Boys», da realizadora de «Ardor», Byen Yeong-ju, presente em Udine, fala também sobre discriminação, social e com base na orientação sexual.
«Sseom» [«Some»], de Jang Yun-hyeon, realizador de «Tell Me Something», foi o filme que encerrou o festival. A história tem pouco de original, mas a particular abordagem de Jang, recusando-se a simplificar a sua digestão, contribui para a criação de uma boa atmosfera de inquietude. A regular intriga do thriller, que envolve corrupção na polícia e a procura por um leitor de Mp3, com provas que incriminam ou inocentam uma personagem, é enriquecida com as inexplicáveis visões da protagonista feminina que sente já ter vivido aquele dia e pode assim tentar evitar o rumo — a repetição? — dos acontecimentos.
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«Green Chair» foi apresentado pelo realizador Park Cheol-su. |
«Noksaek Uija» [«Green Chair»], do veterano Park Cheol-su, começa com uma mulher de 30 anos a ter de cumprir uma breve pena de prisão, depois convertida em serviço comunitário, por ter tido relações sexuais com um jovem de 19 — menor, de acordo com a lei sul-coreana. O segmento inicial do filme é de soft-core desinibido, quando os protagonistas de fecham num motel e não ligam a televisão durante vários dias, mas Park está interessado em mais do que isso, elaborando um excelente ensaio sobre relações sociais, com um grande final que recupera muitas das personagens que desfilaram até então. Intelectualiza-se, mas também há espaço para momentos de humor mordaz. Não podemos deixar de ficar estupefactos perante o facto do distribuidor ter engavetado este filme, um dos melhores do FEFF, durante um ano e meio, até ser resgatado por Sundance, passando posteriormente por Berlim e por Udine. Deverá estrear na Coreia do Sul, por fim, a 10 de Junho. Não admira que Park se queixe contra o domínio da mentalidade mainstream no cinema coreano.
«Aneun Yeoja» [«Someone Special»] foi o filme sul-coreano mais bem recebido pelo público. Comédia romântica atípica, com um protagonista que foge ao cliché do jovenzinho bem parecido — a interpretação é de Jeong Jae-yeong, conhecido como homem de acção, de «No Blood No Tears» (2002) ou de «Silmido» (2003) —, assenta em duas personagens interessantes e inverte os mecanismos melodramáticos que tendem a encerrar as obras do género (uma tragédia no final, fica sempre bem). Inclui também um delirante filme-dentro-do-filme, a gozar com os dramas românticos e, em certa medida, consigo mesmo.
[vd. Encontro Cinema Coreano]
Continua
5ª Parte: Tailândia, Filipinas, Malásia
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