Cho (Han), um detective do departamento de homicídios, enfrenta acusações de corrupção. Entretanto, é-lhe dada uma oportunidade de limpar a ficha, na forma de um novo caso de contornos macabros: uma série de corpos despedaçados começam a aparecer dentro de discretos sacos pretos. Os restos mortais pertencem a pessoas diferentes e a equipa policial tem de iniciar a construção de um puzzle grotesco, tentando descobrir a motivação e apurar identidade do assassino. A investigação vai chegar a Chae Su-yeon (Shim), uma artista que trabalha como restauradora num museu, e que parece ter tido uma relações amorosas com todas as vítimas.
Definido como “hard-gore thriller”, «Tell me Something» assume-se como um policial negro pós-«Se7en», à beira do final do milénio. Ou seja, já não basta arranjar um crime, definir o autor e empatar a audiência durante duas horas até que o mesmo se apresente. Jang Yun-hyeon, que também assina o argumento, preocupa-se com a composição, com a montagem e sobretudo com a atmosfera criada, a qual integra muitas cenas de noite à chuva, mas não a sustém apenas nesses mecanismos. Colocam-se muitas pistas perante os nossos olhos, algumas hipóteses, mas, no fundo, acaba por não ser muito importante saber quem é o criminoso, já que o percurso até aí chegar, por si só, segue-se com prazer. Aquilo que trará mais dificuldades – e tem dado azo a infindáveis discussões – é a motivação das personagens, e o que é que significa isto ou aquilo. Chang deixa muita coisa em aberto, para o espectador preencher, se quiser, o que também pode constituir uma forma de contrariar a enumeração de erros ou buracos narrativos, por parte dos espectadores mais atentos e minuciosos.
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O Detective Cho (Han) escolta Su-yeon (Shim).
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Shim Eun-ha («Art Museum by the Zoo», 1998) e Han Seok-kyu («Swiri», 1999), já haviam contracenado no popular drama romântico «Christmas in August» (1998), onde desempenham personagens radicalmente diferentes das que encontramos neste «Tell me Something». Shim parece ajustar-se melhor aos papéis de jovem recatada e inocente, do que à personagem que aqui encontramos – uma mulher mais madura, com um passado traumático –, já que passa o filme todo quase sempre com a mesma expressão de desamparo ou de sono. Por outro lado, tal aparente unidimensionalidade não deixa de se ajustar a uma personagem que parece recusar-se a reavivar o passado e a tomar decisões importantes para o presente. Uma sessão dupla com «Tell me Something» e «Christmas in August» poderia ser interessante, só pelas composições dos dois actores e pela interacção entre as suas personagens, excepto para quem prefira algo mais animador, já que nenhum dos filmes se preocupa exactamente em fazer-nos lembrar oh, como a vida é bela.
O detective Cho não é uma personagem particularmente original: caído em desgraça, luta para salvar a sua carreira. E como é também frequente no film noir, lá se vai aproximando da mulher que tem de proteger – sem que nos afundemos totalmente nos pântanos do déjà vu do género – à medida que parece, cada vez mais, irremediavelmente perdido. Os problemas de Cho contribuem para o ambiente negativo e pessimista do filme. A atmosfera opressiva é pincelada – a arte é aqui um elemento importante – com os segmentos da descoberta dos corpos que, quase invariavelmente, acabam com jorros de sangue em lugares públicos. Há alguma imaginação (ou requintes de sadismo?) no modo como estas cenas são concebidas, afastando-se daquilo a que estamos habituados, i.e., lá vem o detective com uma chávena de café na mão, a dirigir-se para a margem do rio, onde foi encontrado um corpo por um sem-abrigo, já lá está a equipa toda, etc. (ilustrado magistralmente na série de TV “Naked Gun”: “o meu chefe já lá estava”)
Não deixamos de encontrar elementos típicos do género – quase toda a gente bebe café, em horrendos copos de cartão, em algum momento das suas vidas, e os actores ficam melhor com qualquer coisa nas mãos em cenas de diálogos, sem acção –, mas bem integrados na narrativa, sem que nunca se faça sentir o efeito do mesmo-do-costume, mantendo o nosso interesse em alta, mesmo até ao final. Pelo menos, o médico-legista não come sanduíches enquanto trabalha, nem diz graçolas, enquanto se debruça sobre os cadáveres.
«Tell me Something» não passa uma hora a desenvolver uma história, a empurrar algumas personagens para mais perto dos seus infernos e a oferecer um conjunto de quadros violentos – chocantes, para alguns espectadores mais sensíveis – com a ideia de recompensar a audiência com o final. Não só Chang, como acima foi dito, prefere não resolver demasiado as coisas, como não parece absolutamente nada interessado em qualquer forma de compensação pelas boas ou pelas más acções dos vários peões deste jogo sangrento. Depois de rever o filme algumas vezes sente-se que se poderiam ter misturado mais alguns ingredientes, mas, mesmo não sendo o melhor thriller da história do cinema, é uma proposta irrecusável para quem gosta de emoções fortes, tramas minimamente intrincadas, sem cair na artificialidade, nem com a presença de vilões de Hollywood, dos que fazem uma pausa no final, para nos explicarem pacientemente a sua história e para serem eliminados quando terminam e se preparam para, finalmente, abater o herói.
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