Udine 2005
Encontro: Cinema Coreano
Com Bae Chang-ho, Byeun Yeong-ju e Park Cheol-su. Sexta-feira, 29.
O último encontro realizado no âmbito da 7ª edição do Far East Film foi dedicado ao cinema coreano. Este encontro seria um dos mais frequentados, o que decorrerá da popularidade das cinematografias em causa, mas também, diríamos, da superior qualidade dos filmes apresentados, por comparação com o ano anterior. Realizadores convidados (filmes em competição): Bae Chang-ho («Road»), Byeon Yeong-ju («Flying Boys») e Park Cheol-su («Green Chair»). A coordenação esteve a cargo de Darcy Paquet (1), com Pier Maria Bocchi.
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Da esquerda para a direita: Bae Chan-ho, Darcy Paquet, Park Cheol-su (com o microfone), Byeon Yeong-ju e a tradutora. |
Darcy Paquet apresentou os três realizadores presentes no encontro, definindo-os como cineastas que, apesar das suas diferenças, têm em comum serem vozes minoritárias, ignoradas pelo mainstream, e que, nos seus filmes, demonstram grande compaixão pelas personagens. Foi sugerido aos realizadores que definissem o filme que trouxeram a Udine numa única frase, algo que Park Cheol-su simplesmente ignorou, talvez por mau entendimento da tradução.
Bae Chang-ho referiu-se a «Road» como um filme sobre uma vida passada, o remexer de memórias — no fundo, sobre a nostalgia.
Byeon Yeong-ju disse: “C'mon boys, c'mon kids!”
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Park Cheol-su, o realizador de «Green Chair». |
Para Park, o início da sua liberdade criativa deu-se quando deixou de trabalhar para a televisão, pois histórias como a que filma em «Green Chair» não são de todo adequadas a esse meio. “Os filmes falam sobre a vida, morte, uma nova vida materializada no celulóide.” Mostrar “a vida materializada” no cinema não lhe tem trazido grande sucesso junto do público, mas, seguindo o conselho de um amigo realizador, tentou um filme mais comercial baseado em algo que vende sempre: sexo. O seu «Green Chair» seria apresentado em Sundance, Berlim e agora em Udine. “Não sei se será igualmente bem recebido na Coreia do Sul pois não estreou ainda.” (2)
Bae Chang-ho produziu 17 filmes desde 1982 — de entre os quais o título mais conhecido será «Affection/My Heart» —, tendo sido o realizador responsável pelos maiores sucessos de bilheteira na Coreia do Sul na década de 80. Explorou, em todas as obras, o seu interesse pela humanidade, “a nossa humanidade”. Numa carreira que se estende ao longo de mais de 20 anos, a sua abordagem do meio não foi sempre a mesma. Inicialmente, emergia-se em pesquisa de forma “selvagem, violenta”, antes de cada filme. Agora, com mais de 50 anos, afirma sentir “mais profundamente o valor da vida”. “Estou mais maduro e essa maturidade passa também para os meus filmes”. O modo de produzir filmes também mudou muito na Coreia do Sul, ao longo das últimas décadas. “As audiências gostam de filmes sensíveis, ligeiros, mas requerem uma mensagem clara e bem definida.” Bae sente que, por vezes, a relação com a audiência é difícil: por um lado, não é fácil entender o que o público quer ver; por outro, é preciso encontrar a linguagem adequada para que os seus pensamentos sejam correctamente interpretados pela audiência.
Park Cheol-su, que iniciou a sua actividade no cinema no final da década de 70, dirige uma pequena escola de cinema e organiza um festival que, todos os anos, procura dar oportunidade a uma dezena de cineastas inexperientes de mostrarem o seu talento, no formato DV.
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Bae Chang-ho trouxe «Road» a Udine. |
O realizador falou um pouco sobre o seu percurso, no contexto da história recente da Coreia do Sul. Os anos 80 foram uma época em que a censura interferia muito, pelo que Park e outros cineastas da sua geração melhor prezam a liberdade que actualmente detêm para se exprimirem no cinema. A censura política limitava as escolhas dos temas e constringia a rodagem dos filmes, algo que contribuiu, em parte, para o atraso da explosão do cinema comercial na Coreia do Sul, que viria a ocorrer só depois de meados dos anos 90, um considerável atraso em relação a Hong Kong ou ao Japão.
“O ambiente actual é livre, mas sinto-me abandonado, num certo sentido”, afirmou Park, “pois caminhámos para um sistema muito liberal, em termos de produção e investimento, onde imperam valores demasiado comerciais. É difícil produzir cinema com valores culturalmente elevados na Coreia do Sul”. O realizador prosseguiu desenvolvendo as suas preocupações com o sistema actual que, cada vez mais, dificulta a rodagem de filmes que não sigam padrões comerciais. “Claro que filmes comerciais têm de existir sempre, mas precisamos de produzir filmes com outros valores, com conteúdo cultural. Esperemos que haja quem consiga ser bem sucedido contra o actual sistema.”
A realizadora Byeon Yeong-ju tornou-se conhecida pelos seus documentários sobre “mulheres de conforto”, que recuperaram para os media a discussão sobre factos ocorridos durante a Segunda Guerra Mundial, que continuam a ser minimizados pelo Japão (3). A sua primeira obra de ficção, «Ardor» (2003), foi exibida na secção Forum da Berlinale. Para Byeon, o ambiente de rodagem e a sua abordagem na direcção são idênticos, quer rode ficção ou documentário, destacando dois aspectos importantes no processo de criação: 1) Saber exprimir o conceito essencial do filme e comunicar à audiência as intenções do cineasta; 2) Conseguir encontrar os actores adequados para funcionarem como intermediários entre as ideias do cineasta e o público.
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Byeon Yeong-ju, dirigiu «Flying Boys». |
Byeon disse ter por hábito criar as suas imagens no cinema como se se tratassem de uma pintura impressionista, assente numa luz forte, mas em «Flying Boys» procurou algo diverso, mais “real”, usando poucos contrastes e iluminação directa, convencional. Quis que os actores tivessem os 19 anos que é suposto terem no filme e deu grande importância ao processo de escolha do elenco. A interacção entre realizador e actor é essencial: “Procuro aprofundar a relação com os actores, para encontrar a melhor forma de poderem exprimir, no ecrã, aquilo que sinto”.
Darcy Paquet sugeriu aos realizadores presentes que respondessem apenas com um gesto de polegar (para cima ou para baixo) se estão optimistas em relação ao actual estado da indústria de cinema sul-coreana. Park Cheol-su reagiu com “no no no”, mas acabou por dar o sinal positivo, fazendo a ressalva, na continuidade do que já havia sido dito anteriormente, que a situação está boa, mas isso acontece sobretudo com o cinema mais comercial. Bae Chang-ho começou por meter o polegar de lado, em posição de compromisso, acabando por virá-lo para cima com uma ressalva similar à de Park.
Byeon Yeong-ju fez também o sinal de aprovação, frisando que a pergunta era demasiado complicada para ser abordada em jeito de interruptor. “De um modo geral, o cinema comercial cada vez domina mais o panorama”, disse. “A situação é alarmante e temos de tentar evitar que se vá para lá de certos limites. Resistir ao domínio do cinema comercial é dar força à indústria de cinema coreano.”
Perto do final do encontro, Bae foi solicitado a comentar se se considerava “um realizador antiquado”. O cineasta mencionou a sua experiência recente com «The Last Witness», uma tentativa de enveredar por um tipo de cinema mais comercial (e “moderno”), que acabaria por falhar nas bilheteiras. O aumento do orçamento traz responsabilidades acrescidas ao realizador e ao produtor. Um filme mais modesto, como «My Heart», pode considerar-se bem sucedido ao ser visto pelo mesmo número de pessoas que fariam de uma grande produção um fiasco comercial. A satisfação daí resultante é superior, porque o filme dá lucro e porque se cria algo pessoal ao invés de assinar um produto formatado para o gosto médio.
Em relação a «Road», com alguns aspectos, formais e narrativos, similares a «My Heart», Bae afirmou ter começado pelo título e pelo que evoca, alguém a caminhar numa estrada. Não se baseou em experiências pessoais, mas nas de outros próximos dele, nomeadamente vizinhos de há algumas décadas.
Park referiu-se a diferentes modos de filmar sexo, seguindo o mote “o sexo pode ser um lugar frio?” (4). Depois de dizer que não considera que filma o sexo de modo frio, mencionou os métodos mais directos de filmar os actos sexuais em países como França ou Itália ou mesmo no Japão, e disse ter optado por evitar “detalhes” na filmagem das cenas mais quentes de «Green Chair».
A finalizar, Byeon Yeong-ju falou sobre a abordagem à ficção e ao documentário, dizendo que as diferenças não são tantas quanto as que separam um filme independente de um mainstream. No primeiro contexto, referiu ter trabalhado com uma equipa de seis pessoas, por oposição ao trabalho para um estúdio, com muitas pessoas, “algumas das quais não conheço, nem sei o que fazem”.
“Os meus documentários são como uma carta de amor para as pessoas que mais gosto”, disse Byeon, que dedicou o trabalho sobre as “confort women” às anciãs que entrevistou e pelas quais sentia grande afeição. “Quando começo um novo documentário, procuro um novo tema para amar”.
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(1) Darcy Paquet é consultor de programação do FEFF, correspondente da Screen International e mantém o site de referência Koreanfilm.org.
(2) A estreia previa-se para 10 de Junho na data da escrita do texto.
(3) Mulheres coreanas e chinesas, tornadas escravas sexuais dos soldados japoneses. As recentes tensões entre o Japão e a China — com protestos também da Coreia do Sul — tiveram origem em novos manuais escolares japoneses que douraram os abusos cometidos pelos soldados nipónicos, durante a Segunda Guerra Mundial. Uma das razões de protesto foi a omissão da expressão (equivalente a) "confort women" nos textos escolares.
(4) "A cold place to be", em inglês.
Fotos: Pedro Oliveira
27/05/2005
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