3. Japão
A selecção japonesa voltou a ser bastante diversificada no que toca a registos, do sério ao extravagante, do drama ao blockbuster de acção. Esta edição foi enriquecida com uma retrospectiva Nikkatsu, que apresentou um total de 16 filmes, alguns em cópias novas feitas especificamente para a ocasião. Estiveram presentes no Teatro Nuovo os veteranos Masuda Toshio, realizador, e Shishido Jo, actor — dois nomes associados a diversos títulos projectados. Infelizmente, foi apenas possível assistir a três filmes, por duas razões: o início das projecções, às 10 da manhã e no Teatro Visionario — a uns 20 minutos da sala principal do festival — e a necessidade de sacrificar outros filmes, projectados à mesma hora.
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«Black Tight Killers», com Kobayashi Akira e Matsubara Chieko (não é a senhora à direita na imagem). |
O catálogo Nikkatsu é referido como fonte de inspiração de Tarantino, mas também encontramos sinais na obra de Woo. Por sua vez, alguns destes filmes são inspirados no trabalho de realizadores europeus, como Goddard e Melville, e em personagens interpretadas por Belmondo e Delon.
«Kurenai no Nagareboshi» [«The Velvet Hustler»] (1967) foi um dos dois títulos que passaram no Teatro Nuovo, no dia dedicado à retrospectiva — Masuda e Shishido subiram ao palco e, nessa tarde, participaram num encontro. O filme acompanha o percurso de um assassino que deixa Tóquio para Kobe, depois de completar um serviço. Mas o gang rival não se esqueceu dele e envia alguém para o matar. O protagonista é Watari Tetsuya e Shishido interpreta o assassino (o outro).
«Burai Yori Daikanbu» [«Gangster VIP»] (1968) é uma história clássica de honra e traição entre yakuza, com a “nobreza” dos gangsters a tentar resistir às manipulações dos líderes. Tal como «The Velvet Hustler», é dirigido por Masuda Toshio e protagonizado por Watari (1).
No seio desta retrospectiva, «Ore ni Sawaru to Abunai ze» [«Black Tight Killers»] (1966) foi o mais divertido dos Nikkatsu que visionámos. O título não engana: as figuras centrais são um grupo de assassinas que vestem collants negros. Treinadas como ninjas, recorrem a armas pouco usuais, incluindo pastilha elástica e discos de vinil. O herói, interpretado por Kobayashi Akira, procura salvar uma assistente de bordo, raptada pouco depois dele a conhecer. É um filme de puro divertimento pop que se ri de si mesmo, como na cena em que uma menina moribunda não deixa de se preocupar em cobrir a sua nudez frente à câmara.
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Shishido Jo e Masuda Toshio, acompanhados por Mark Schilling, no palco do Teatro Nuovo. À direita, o filme que se seguiu: «Gangster VIP», realizado por Masuda, com Watari Tetsuya e Matsubara Chieko (é a senhora à direita na imagem). |
Foram apresentados dois filmes do realizador Nanahara Shun, «Ichigo no Kakera» [«Ichigo.Chips»] e «Sakura no Sono» [«The Cherry Orchard»] (1990). O primeiro estava em competição e o segundo, numa louvável opção de programação, foi projectado na sessão imediatamente antes, para "contextualização". Isto porque o argumento de «Ichigo.Chips», sobre uma autora de manga em crise criativa, foi escrito por duas actrizes de «The Cherry Orchard» que procuraram Nanahara para dirigir o filme, o qual acabou por ser co-realizado com o mangaka Takahashi Tsutomu. Apesar do registo dos dois filmes ser similar, o mais recente tem maior dificuldade em cativar-nos e a horrível “fotografia” DV não ajuda. A particularidade de «The Cherry Orchard» é a sua narrativa que decorre em tempo real, num liceu feminino, horas antes da apresentação (ou não) da peça de Anton Chekhov que dá o título ao filme.
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A equipa de «Lorelei» na apresentação do filme. |
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Flashback: «Crying Out Love in the Center of the World». |
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Barroque and rococo Louis XIV: «Kamikaze Girls». |
«Lorelei» [«Lorelei: The Witch of the Pacific Ocean»] contém ingredientes de alguma manga, no modo como insere elementos de fantasia numa história passada na Segunda Guerra Mundial; um cenário alternativo em que os EUA se preparam para lançar uma terceira bomba atómica, sobre Tóquio, e um submarino high-tech, oferecido pela Alemanha no final da guerra, que surge como única esperança de impedir a catástrofe. Produzido com um grande orçamento, pelos padrões nipónicos, onde o CGI nem sempre convence. Em todo o caso, foi construída uma réplica de um submarino, para assegurar o realismo nos interiores. Apesar de já termos visto bem pior, os actores ocidentais são mal dirigidos como é norma em filmes asiáticos.
[vd. Encontro Cinema Japonês]
De entre os filmes japoneses, aqueles que mais gostámos foram «Pacchigi» [«We Shall Overcome Some Day»], «Sekai no Chushin de Ai o Sakebu» [«Crying out Love, in the Center of the World»] e, claro, «Shimotsuma Monogatari» [«Kamikaze Girls»]. O primeiro traça um retrato das atribuladas relações entre estudantes japoneses e coreanos (do norte), durante o tumultuoso ano de 1968. Mark Schilling refere-se-lhe no catálogo como uma história “estilo Romeu e Julieta”, mas o filme tem outros interesses para lá das relações amorosas cruzadas entre personagens de ambas as comunidades, nomeadamente de índole histórico-cultural. Um dos temas mais importantes é o desconhecimento que os japoneses têm da situação dos coreanos e o contributo destes — nem sempre voluntário — para o crescimento do país. Apesar de tematicamente "pesado" e com os seus momentos dramáticos, «Pacchigi» (o título original é em coreano) é também uma comédia, mas a violência — brutal, ainda que pouco levada a sério —, revelou-se difícil de digerir por algumas pessoas na audiência, que libertavam os "córror, córror" da praxe, em mais que uma língua.
«Crying out Love, in the Center of the World» começa quando uma mulher descobre gravações de uma antiga paixão do namorado e parte sem lhe dizer nada. Graças a uma curiosa coincidência, ele descobre para onde ela foi e ambos embarcam, em separado, numa viagem por memórias da adolescência. A estrutura do filme não é muito díspar da de «Love Letter», de Iwai Shunji; em ambos os filmes as relações estão estabelecidas e partimos para o conhecimento de um passado que se requer desvendar para que o presente possa prosseguir com normalidade.
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O clássico «Lady Snowblood» foi projectado no Teatro Visionario, no âmbito do foco sobre directores de fotografia. Devido à procura do público, programou-se uma segunda projecção. |
Momoko (interpretada pela estrela pop Fukada Kyoko, de «Dolls») é uma menina japonesa que saiu de Tóquio com o pai depois do divórcio, para o subúrbio Shimotsuma. Ela não é exactamente uma rapariga moderna; au contraire. A sua época favorita é o Século XVIII francês e o estilo rococó, que a leva a trajar vestidos que estiveram na moda no outro lado do mundo e há algumas centenas de anos. Quando as desculpas para extorquir dinheiro ao pai para comprar roupa começam a escassear, decide vender, via Internet, alguns restos de uma antiga actividade dele — incluindo roupa e acessórios "Versach" — e é assim que conhece Ichigo, de um grupo feminino de motards (de baixa cilindrada). «Kamikaze Girls» cria uma linguagem e um mundo próprio, com cores berrantes e um humor "over-the-top". Imaginativo e extremamente divertido, vive da loucura de algumas situações e do contraste entre as personalidades das duas protagonistas — uma tão, tão sensível e a outra rude, mal-educada e sempre pronta a desferir uma cabeçada em quem a aborrecer.
Havia alguma expectativa em relação a «Kaidan Shinmimibukuro» [«Tales of Terror»], apesar de ser uma produção em vídeo digital — algo que na maior parte dos casos implica, no mínimo, alguns minutos de habituação à imagem limitada em resolução, profundidade e cor. Trata-se de um compêndio de oito pequenas histórias de fantasmas (assinadas por sete realizadores) recolhidas pelos argumentistas, parte de uma série de 84, emitida por um canal via satélite. Os resultados são muito diversos, com alguns segmentos verdadeiramente divertidos, outros inconsequentes e um ou outro sem graça nenhuma. Um dos melhores é mais triste do que aterrorizante, onde uma mãe tem de lidar com a morte recente do filho, directamente com o fantasma. Um outro, parte de uma situação invulgar: um homem fica a tomar conta de um luxuoso apartamento de um tio, que lhe diz apenas para responder sempre que ouvir uma voz a chamar pelo nome dele.
(1) Watari e Shishido são rostos que muitos poderão reconhecer de filmes de Suzuki Seijun.
Continua
4ª Parte: Coreia do Sul
5/06/05
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