Udine 2005
Encontro: Cinema Filipino
Com Joyce Bernal e Chito S. Roño. Quinta-feira, 28.
No final da semana do FEFF7, realizou-se um encontro com dois cineastas que representaram uma das cinematografias com menos títulos presentes no festival, virtualmente desconhecida no Ocidente: as Filipinas. Joyce Bernal, realizadora de palavras breves, certeiras e repletas de ironia, foi a Udine apresentar «Mr. Suave» e Chito S. Roño dirigiu o melhor filme integrado no Horror Day: «Feng Shui». A coordenação esteve a cargo de Roger Garcia, programador dos títulos filipinos, mas também cineasta, acompanhado pelo crítico italiano Pier Maria Bocchi.
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Da esquerda para a direita: Pier Maria Bocchi, Chito S. Roño, Joyce Bernal e Roger Garcia. |
Chito S. Roño começou no cinema independente, passou pela TV e trabalhou para muitos estúdios de cinema desde meados dos anos 80, dedicando-se sobretudo a dramas, mas não deixando de dirigir horror, um musical e comédias de aventuras. Esteve ao leme de uma franchise popular, «Spirit Warriors», da qual se produziram vários filmes ao longo de um período de nove anos. Um dos seus projectos futuros é a realização de um musical digno desse nome (1). Roño é também agente do grupo pop Street Boys, desde há 12 anos. Um dos boys é Vhong Navarro — estrela de «Gagamboy» e «Mr. Suave».
Joyce Bernal iniciou a carreira como montadora de filmes de acção, trabalhando ao lado de realizadores de renome. Antes de dirigir filmes, dedicou-se exclusivamente a essa actividade durante quatro anos, confessando preferir montar filmes a realizá-los. O “patrão”, no entanto, diz-lhe que dirigir filmes lhe permite “expandir os horizontes”.
O cinema filipino está a atravessar uma séria crise, com a estreia de cerca de um terço dos filmes que podiam ser vistos localmente, nas salas de cinema, há alguns anos. Hoje em dia, produzem-se entre 40 a 50 títulos por ano, por oposição à centena e meia de outros tempos. “Costumava realizar dois filmes por ano e começar um terceiro antes de terminar o ano”, disse Bernal. “Nos tempos que correm, apenas termino um a cada dois anos.”
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Joyce Bernal, realizadora de «Mr. Suave». |
A crise tem levado ao encerramento de laboratórios de revelação de película nas Filipinas e, paralelamente, tem havido um acréscimo de produções em DV. A necessidade de revelar o filme no estrangeiro leva ao aumento dos orçamentos das produções locais. Joyce Bernal não é uma entusiasta do formato digital, como alternativa à película: “não gosto de DV; nem vejo os meus próprios filmes realizados no formato”.
Chito S. Roño traçou um perfil muito negativo do estado actual da indústria filipina, em parte devido à forte concorrência por parte das cadeias de televisão, mas não só.
“As networks agarram até os actores de cinema mais caros. Para quê ir ao cinema? Mas esses rostos acabam por perder a magia que lhes está associada, quando os podemos ver todas as noites na TV. A guerra entre as estações de televisão veio assim a afectar a magia do cinema.” Roño acrescenta outros factores que retiram espectadores às salas de cinema: o cabo, a Internet, os telefones celulares ou o mau estado da economia, que leva ao corte dos orçamentos dos filmes. “Muitas pessoas preferem ir à casa de um amigo ver um DVD ou VCD pirata do que pagar para ver o mesmo filme no cinema.”
Roño afirmou que, anos atrás, os lucros das bilheteiras aumentavam com as sessões nocturnas, mas, actualmente, a situação inverteu-se, porque o público prefere ir para casa ver as telenovelas da noite. Nem tudo são más notícias, pois têm surgido pontuais grandes êxitos no cinema, que podem permitir olhar para o futuro com uma réstia de optimismo.
“Bons filmes, bem promovidos, fazem dinheiro”, disse Roño. “A questão é que há uns anos também os filmes assim-assim e mesmo os maus eram lucrativos. O público de hoje só vai ao cinema para ver os filmes bons ou os muito populares.”
Joyce Bernal referiu que um dos aspectos mais negativos dos tempos recentes foi a decisão do segundo maior estúdio filipino, Viva, de abandonar a produção de cinema. Roño prosseguiu: “Todos atravessam uma má situação; técnicos e actores. Todos têm de pensar o que é que vão fazer no próximo ano. Se o estúdio Viva deixar de produzir filmes, quantas famílias ficarão sem trabalho? Temos de pensar em fazer bons filmes, filmes que funcionem nas bilheteiras; temos de afirmar que o cinema tem de continuar, mas temos também de ter uma perspectiva realista em relação ao nosso mercado. Não podemos pensar que ainda estamos nos anos 70, altura em que bastava ter uma estrela qualquer no poster para que o filme atraísse público.”
A situação, no entanto, é má também para os filmes de Hollywood. Ainda segundo Roño, apenas as produções excepcionalmente grandes, como «O Senhor dos Anéis» ou «Homem-Aranha», conseguem bons resultados no box-office.
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Chito S. Roño, realizador de «Feng Shui». |
Passando aos filmes presentes no festival, Chito S. Roño referiu-se ao que esteve na génese do seu «Feng Shui», nomeadamente o desejo de fazer algo que não fosse demasiado banal no campo do horror. Nas filipinas, o horror tradicional tende a envolver criaturas, monstros ou histórias de fantasmas ou magia negra, assente em mitos locais. Antes deste filme, o realizador dirigiu o remake de outro título do género, «Scare Barbara to Death» — não porque fosse horror, mas apenas “porque gostava do realizador Celso Ad. Castillo, e queria fazer algo a partir do trabalho dele”.(2)
Joyce Bernal teve alguma dificuldade em libertar-se das comédias românticas, depois de uma funcionar bem nas bilheteiras. “Pedia aos estúdios para me deixarem fazer outro género de filmes, mas a resposta era sempre, 'sim, mas primeiro faz esta comédia romântica e depois logo se vê'.” Sobre Hollywood, a realizadora afirmou ver pouco ou nada, para lá de Martin Scorsese. “Ricky Lee, o meu mentor, disse-me para ver todos os filmes filipinos, bons, maus e assim-assim, e é o que tenho feito.”
Nas Filipinas há um sistema de censura bastante rígido, mas, de acordo com Bernal, as coisas estão melhores agora do que há um par de anos. “Com base na minha experiência, são os produtores quem mais censura. Foi o que sucedeu com «Mr. Suave» — obrigaram a alterar diálogos com conotações sexuais. Isto passa-se com a Star Cinema. Quando trabalho com o estúdio Viva, faço aquilo que quero. Há também pressões por parte dos exibidores. Os donos das salas não querem mostrar filmes classificados para maiores de 18 anos se forem eróticos, mas não tem problemas em mostrar filmes com essa classificação se forem de guerra, por exemplo.”
Chito S. Roño não tem tido problemas com a censura, sobretudo por não se dedicar a “sexy movies”, mas contou a história de um realizador seu amigo que teve de fazer 53 cortes num filme, removendo-lhe entre dez a 15 minutos. Há casos em que os realizadores apenas fazem o que os estúdios lhes pedem, mas depois são confrontados com a necessidade efectuar muitos cortes. “Os produtores censuram os filmes com base num entendimento com os censores. Evitam certas coisas que prevêem poder vir a dar problemas. Filmes 'X-Rated' são proibidos, o que constitui um problema sério: há um contrato para exibir o filme, mas se essa classificação é imposta, o filme não pode ser mostrado. Isto obriga a mutilar os filmes para poder ter autorização de exibição.” Roño disse ainda que os seus problemas se limitaram à utilização de palavrões no contexto de um filme de guerra, mas que recorreu e o mesmo passou de 'R' para 'PG-13'. “Tenho-me safado”, concluiu.
Roger Garcia não quis deixar de dar o seu contributo nesta matéria, referindo-se ao caso de um filme tailandês que produziu e que acabou por ser classificado 'X', sem que ele entendesse a razão para tal. “Em festivais normalmente podemos mostrar os filmes com essa classificação, existindo dois locais isentos do visto da censura. No final, o 'X' acabou por constituir boa publicidade para o filme em causa.”
Segundo Joyce Bernal, há alguns anos era costume ludibriar o sistema, repondo as cenas cortadas depois do filme ser aprovado pela censura, e mostrar a versão integral, mais “arrojada”, em certas salas. “Não sei se alguém ainda faz isso...”
Perante o conceito de uma “identidade asiática” que potenciasse co-produções entre vários estados, nenhum dos cineastas se mostrou particularmente receptivo. “Os países europeus são culturalmente diferentes entre si”, disse Roño, “mas os asiáticos são ainda mais díspares do que por cá se pode pensar. Não imagino um japonês a falar filipino em Manila, como Charlotte Rampling a falar francês em «Swimming Pool»”. O realizador deu exemplos de co-produções rodadas nas filipinas, como alguns filmes de Roger Corman ou com Chuck Norris. “É preciso que as histórias se prestem a essa interpenetração... No fim há sempre uma identidade dominante; é um filme filipino, japonês, americano, etc., independentemente de onde é filmado e da composição do elenco.”
Roger Garcia deu vários exemplos de colaborações pan-asiáticas, como a passagem de diversos realizadores coreanos por Hong Kong, o filme sul-coreano «Musa», que contou com a actriz chinesa Zhang Ziyi no elenco, Asano Tadanobu no filme tailandês «Last Life in the Universe» ou os filmes dos irmãos Pang, filmados e/ou produzidos entre Hong Kong, Tailândia e Singapura. O que subjaz a estas co-produções, segundo Garcia, é de onde vem o dinheiro e onde é mais barato filmar. Dentro de certos parâmetros, as produções pan-asiáticas são uma realidade, mas haverão sempre limites culturais. “É difícil conceber Vhong Navarro a falar japonês num filme, excepto se for numa comédia de Joyce Bernal.”
(1) “Full-blown musical”, no original.
(2) De acordo com a IMDb, o título inglês do filme original é «Kill Barbara with Panic» (1974). O remake é de 1995.
22/05/2005
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