Love Letter
Letters of Love, When I Close my Eyes (EUA)
ラブレター
Realizado por Iwai Shunji
Japão, 1995 Cor – 116 min. Anamórfico.
Com: Nakayama Miho, Toyokawa Etsushi, Han Bunjaku, Shinohara Katsuyuki, Sakai Miki, Kashiwabara Takashi, Kaga Mariko, Suzuki Keiichi, Suzuki Ranran, Nakamura Kumi
drama romance
Poster
Fujii Itsuki morreu num acidente, enquanto escalava uma montanha com amigos, há dois anos atrás. Watanabe Hiroko (Nakayama) era a sua namorada. Apesar de manter agora uma relação com Akiba (Toyokawa), um dos amigos do falecido, que o acompanhava na altura da morte, Hiroko não conseguiu ainda cicatrizar as feridas, para poder prosseguir com a sua vida de forma normal. Um dia, encontra o endereço onde Fujii residia quando estudava no liceu – e que já não existe, desde que construíram uma estrada sobre o local – decidindo escrever-lhe para essa morada. Para sua surpresa, recebe uma resposta, assinada Fujii Itsuki. À medida que novas cartas se vão cruzando, alguns flashbacks levam o espectador aos tempos de liceu de Fujii e Hiroko começa a ver sob outro ângulo a natureza de uma relação que terminou tragicamente.

«Love Letter» desenvolve a sua narrativa sobre mecanismos de coincidência; duas situações algo improváveis, que são o motor do drama e que potenciam um processo de descoberta paralelo, por parte de duas personagens afastadas fisicamente, uma em Kobe, no oeste do Japão, outra em Otaru, no norte do país, mas com uma ligação muito forte entre elas. Evitando passar metade do tempo a regurgitar tal mecanismo e a atirá-lo à cara da audiência (com diálogos do género "quais as probabilidades de tal coisa suceder?!", entre muitas risadinhas e piscares de olho, denunciando uma artificialidade assumida), o texto limita-se a usar essa premissa como ponto de partida, tratando o material e as personagens com toda a seriedade possível, construindo-se assim um drama "pós-romântico", que dificilmente deixará de deixar marca nos apreciadores do género, ou mesmo no público em geral, que não veja cinema com os pés em cima da cadeira, a urrar e a esmagar latas de cerveja na testa.

Toyokawa, Nakayama
Akiba quer ajudar Hiroko a descobrir o verdadeiro Fujii Itsuki.
O rótulo, algo tolo, colado a este filme, no final do parágrafo anterior, e que poderá ter provocado um torcer do nariz a alguns leitores, tem a sua razão de ser. Rótulos costumam ser redutores e, muitas vezes, preferimos usá-los com total ausência de seriedade. «Love Letter» insere-se num género de cinema marcadamente asiático, que vive em torno de personagens e de relações amorosas, mas sem que essas relações sejam o cerne narrativo ou, pelo menos, sem respeitar as estruturas a que estamos habituados, i.e., conhecem-se, apaixonam-se, passam por uma série de problemas, até que o final resolve a situação para um ou para o outro (sai um por cada lado do ecrã ou olham para os créditos finais de mão dada). A pateta denominação "pós-romântico" não se aplicaria tanto a uma nova concepção do Filme Romântico, mas tão simplesmente ao particular conteúdo da história que se nos apresenta: a relação actual não parece estar posta em causa e o filme preocupa-se tão somente em desvendar, pouco a pouco, o que aconteceu no passado, ajudando as personagens, no presente, a entenderem os fundamentos de situações e as motivações por detrás de actos e escolhas. Ou seja, aqui é completamente irrelevante se "eles" vão ficar ou não juntos no final. O caminho trilhado não é de consumação, mas de revelação.

Sakai
Nakayama
Sakai Miki (acima) e Nakayama Miho (abaixo).
As coincidências, referidas no início deste texto, muito facilmente serão pormenorizadamente descritas em qualquer análise crítica, que o leitor encontre on ou offline. Não serão, talvez, as revelações mais danosas para a apreciação do filme que poderiam ser feitas, até porque cedo se apresentam e o maior desenvolvimento surge depois de as conhecermos e aceitarmos. Mas, ainda assim, entendo que o leitor, enquanto potencial espectador desta obra, melhor a apreciará através de uma descoberta gradual, de acordo com a cadência escolhida pelo realizador. Aliás, o momento em que a carta de Hiroko é lida ilustra-o perfeitamente: foi cuidadosamente elaborado para evitar um contacto súbito com uma dessas questões. Não cumpre, do meu ponto de vista, a quem escreve sobre cinema perguntar-se se deve mencionar factos e situações depois de verificar se ocorrem aos 12 ou aos 37 minutos do filme. A sensibilidade para tais questões terá necessariamente que variar, daí que uns textos sejam mais vagos ou abstractos (e tentem sobretudo expressar uma apreciação sobre uma obra) e outros sejam mais detalhados e encham 90% do espaço disponível, com uma descrição do argumento, algo mais natural no resumo de um guião do que de numa análise crítica.

Escrito e realizado por Iwai, «Love Letter» é um belo filme sem efeitos, sem redundâncias e que não sente, de todo, a necessidade de provar algo à audiência. Com uma singular sensibilidade no texto e nas interpretações, com um óbvio destaque para Nakayama Miho, estamos perante uma obra japonesa que merecia maior notoriedade nos circuitos de distribuição ocidentais, mas, infelizmente, a tendência actual mais facilmente apontaria para um remake americano (isto se o filme tivesse conhecido outro nível de popularidade).

Dormindo na Neve
Poderemos identificar alguma influência de «Love Letter» em obras coreanas posteriores, como no momento em que Jeon Jy-yuon e Cha Tae-hyun sobem a uma montanha em «My Sassy Girl» (2001), existindo outras semelhanças com «Ditto» e «Il Mare» (ambos 2001), mas com uma utilização diferente do elemento de ligação entre as personagens afastadas, mas o filme japonês – sem querer inferiorizar as obras citadas, em particular o genial «My Sassy Girl» – será o mais subtil e natural, pelo modo como procura sobretudo desenvolver pequenas coisas que normalmente não têm espaço num ecrã de cinema, onde se desenrolam histórias de amor.

5

A melhor opção para visionamento caseiro deverá ser o DVD Coreano (Saerom, R3) que apresenta o filme numa óptima transferência em formato original (2.35:1), anamórfico, Dolby 2.0. Inclui um CD áudio (num "flip" dentro da caixa normal) com a banda sonora, três postais, trailers e algum texto em coreano. (N.B.: A edição posterior, vendida a preço promocional, já não inclui o CD.)

publicado online em 1/12/02

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