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1. China
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Retratos de uma China moderna: Ge You em «Cell Phone» e Jiang Wen e Zhao Wei em «Green Tea». |
A China está em mudança, desde há alguns anos para esta parte, e o cinema não poderia ser excepção. A forte censura e controle por parte das autoridades têm sido, em boa parte, responsáveis para que a diversidade de títulos e de géneros produzidos no continente não seja surpreendente. Com o sobrenatural (a "superstição") como um dos tabus, não é de esperar que um cineasta opte por fazer um filme de horror. E a exigência de que os criminosos paguem pelos seus actos também não sugestiona a produção de policiais (pelo menos não é possível estragar o fim a ninguém). Por outro lado, no que toca a certas temáticas, tem havido mais alguma tolerância e muitos cineastas que trabalhavam fora do sistema estão agora a conseguir ver os seus filmes aprovados para exibição local. As obras em DV, formato que pela sua flexibilidade e economia tem sido muito usado pela nova geração de realizadores, começaram igualmente a ser "oficiais".
Há bem pouco tempo, a representação do adultério no cinema era completamente proibida. «Zhou Yu de Huoche» [«Zhou Yu's Train»], por exemplo, foi remontado para que duas ligações amorosas de uma personagem feminina deixassem de ser simultâneas. Dos quatro títulos novos apresentados no festival, dois deles assentavam directamente numa história de adultério: «Shouji» [«Cell Phone»] e «Dongzhi» [«The Coldest Day»]. O primeiro filme, realizado por Feng Xiaogang, apresenta o contraste entre a velha e a nova China, o velho e o novo cinema, com a transição do campo para a cidade. No seu prólogo, vemos a personagem principal em adolescente, na sua aldeia natal, quando toda a comunidade celebra a chegada do primeiro telefone e faz filas para o utilizar. No presente, Yan Shouyi é um apresentador de TV famoso, que conduz o seu carro topo de gama e anda sempre acompanhado de um telefone celular de última geração. Este aparelho, que dá o título ao filme, será o elemento que dificulta a mentira e que permite que a mulher se vá apercebendo que Shouyi nem sempre está em reunião ou a fazer horas extraordinárias. O telefone celular pode ser uma praga, mas o problema não é a tecnologia em si, mas a utilização que fazemos dela — e uma sala de cinema é o cenário perfeito para ilustrar isto, como, infelizmente, todos sabemos; se os toques se tornaram raros os flashs luminosos vão-se tornando demasiado frequentes.
«Shouji» acaba por se concentrar demasiado no papel do telefone, revelando um ensejo pelo documental e pela observação social, em detrimento da boa ficção: são os toques que interrompem continuamente as reuniões, o rebuscar de mensagens antigas e registos de chamadas para apanhar alguém em falta, a dificuldade de quem atende mentir sobre o local onde se encontra, as mentiras com a falta de rede ou bateria gasta, etc. Fica a faltar o desenvolvimento das relações entre personagens que nos fizesse entender melhor aquilo que impele Shouyi para a infidelidade ou porque é que, tão naturalmente, mantém a amante como amante quando troca de mulher “legítima”.
A modernidade na China dos dias de hoje era também tema em «Lian'ai Zhong de Baobei» [«Baober in Love»], com a estrela Zhou Xun, que esteve presente em Udine, acompanhada pela realizadora Li Shaohong [vd. texto].
Baober (Zhou Xun) cresceu com a modernização da China; o seu corpo é de um adulto, mas a sua mente e espírito continuam erradicados na infância. É uma menina em corpo de mulher, alienando-se para um mundo de sonhos e fantasia onde não cabem graúdos. Baober foge frequentemente da casa dos pais, apenas como forma de escapismo e processo de procura da felicidade. Baober precisa de um “pai” – encontra-o quando conhece um professor aposentado que lhe mostra os clássicos da literatura.
Certo dia, em plena via pública, Baober encontra um home video de um homem desencantado com o seu casamento. Leva-a para casa e descobre o seu príncipe encantado, Huang Jie (Liu Zhi). A partir daí decide persegui-lo e exprimir-lhe o seu amor. Eventualmente, Huang Jie apaixona-se por Baober, abandonando a mulher. Mas nem tudo são rosas neste conto de fadas, à medida que vão surgindo diversos dilemas, como a recusa dele em libertar-se da vida materialista ou os traumas de infância que perseguem Baober.
Dirigido pela realizadora Li Shaohong (a única mulher da famosa 5ª geração), «Baober in Love» é uma fábula surrealista de amor “fou” e os problemas psicológicos causados pela modernização urbana. O que encanta aqui é a abordagem formal e visual impressa na película, dinamizada pelos efeitos especiais criados em França, efeitos de câmara inovadores e uma fotografia belíssima da autoria do marido da realizadora. Tem uma aura que recorda «Chungking Express» e imagens visuais fortíssimas (alguém o chamou o «Amélie» chinês). HFG. |
Zhang Yuan teve direito a um tributo, com a exibição dos seus três filmes mais recentes: «Wo Ai Ni» [«I Love You»] , «Lu Cha» [«Green Tea»] e «Jiang Jie». O primeiro já foi abordado nestas páginas a propósito de Deauville 2003. «Jiang Jie», que à data da projecção no festival não havia ainda sido estreado na China, é um produto radicalmente fora do seu tempo, mesmo — arriscaríamos dizê-lo — para as audiências chinesas: uma ópera revolucionária, com base na vida de uma heroína, símbolo da luta comunista contra as forças nacionalistas, que se sacrifica em nome da revolução. A encenação é teatral: dois ou três cenários sobre um vasto palco, "portas" abertas em pantomima, etc. Zhang chama a atenção para o facto de não existirem relações temáticas entre os seus filmes e «Chá Verde» não contraria essa tendência para fugir à repetição.
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O realizador chinês Zhang Yuan esteve presente em Udine.
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Chen Minglian (Jiang Wen) e Wu Fang (Vicki Zhao) planeiam um encontro fortuito, um “blind date” à antiga. Não há química que resista ao reduzido charme de Jiang perante o “allure” ofuscante de Zhao, mas a personagem persiste fleumaticamente em agendar encontros rotineiros. Ela beberica um chá verde, ele prefere o café. Certo dia, num clube nocturno, Chen conhece Lang, uma pianista “fatale” que partilha de inúmeras semelhanças físicas com Wu. James Stewart encontra Wong Faye?
O conceito interessante de «Green Tea» dilui-se em 15 minutos pelo esgotamento do seu próprio modelo de “mise-en-scène”. A atmosfera urbana e pós-moderna, fotografada pelo olhar virtuoso do director de fotografia de Wong Kar-Wai (o australiano Chris Doyle), é explorada até à exaustão, mas são meros efeitos “clever” obnubilados pelas variações intermináveis de temas similares: a incapacidade de comunicar entre dois adultos, a solidão e o isolamento crescente. HFG |
Continua
2ª Parte: Hong Kong
7/06/04
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