| 2. Curtas |
2.1 Profissional
Durante o SICAF concentrei-me nas sessões competitivas principais e foi possível ver todas as 38 curtas sob o rótulo “profissional”.
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História Trágica com Final Feliz. |
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Stuart. |
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Goodbye Mr. Chu. |
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Ichtys. |
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Pale Cocoon. |
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Brothers Bearhearts. |
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Otomi. |
Aqui se incluíam dois títulos fortes da animação portuguesa recente: «História Trágica com Final Feliz», de Regina Pessoa, e «Stuart», de Zepe. O primeiro viria a obter, merecidamente, o prémio principal para esta categoria — já havia ganho o Cinanima, vindo posteriormente a vencer Annecy, onde a organização decidiu simplificar a sua origem para um “produit de France” —, mas conseguimos apurar que «Stuart» foi também apreciado pelo júri internacional.
Na verdade, ainda que o filme de Regina Pessoa tivesse sido o meu favorito da sessão onde foi projectado, no meio de sete outros títulos, e o considere perfeito no equilíbrio entre texto/poesia, animação, música e narração, fui surpreendido ao ouvir, durante a sessão de encerramento, os apresentadores a anunciarem Poreutugal. Isto devido ao punhado de títulos de grande qualidade que concorriam com «História Trágica».
Entre os melhores títulos encontrava-se «Rabbit» (Reino Unido, 8' 30”), de Run Wrake, uma fábula surreal e algo cruel, num contínuo de situações que arranca quando duas crianças matam um coelho e encontram no seu interior um ídolo, com poderes para transformar objectos comuns em riquezas. Tem um ritmo perfeito e um design gráfico sugestivo, onde cada elemento animado é acompanhado por um rótulo.
Outro título com uma interessante exploração estética foi «Goodbye Mr. Chu» (França, 15'), de Stephanie Lansaque e François Leroy, que viria a merecer um prémio especial do júri. Combina várias técnicas, desde animação a imagem real e fotografia trabalhadas e integradas no design global, com uma história melancólica passada no Vietname sobre uma personagem misteriosa.
«Ichtys» (Polónia, 16' 41”), animação de volumes, cria uma atmosfera estranha, num mundo desolado, onde um homem rema até um restaurante, situado numa ilha isolada. Na ementa há peixe, como não podia deixar de ser, mas o empregado terá primeiro de pescá-lo. É mais um caso em que o design é a componente mais forte, com personagens e elementos cuja caracterização remete, em certa medida, para o cinema de horror.
Alguns títulos com duração acima da média, com mais de 20 minutos, conseguiram sustentar histórias interessantes ou propostas gráficas válidas.
«Elegant» (Luxemburgo, 29') destacava-se dos restantes trabalhos pois recorreu a stop-motion integrado no que é, fundamentalmente, um filme de imagem real. O texto é refrescante e original, envolvendo um homem (o actor francês Denis Lavant) que se muda para um apartamento velho, habitado por luvas, das quais se torna amigo, e que o ajudarão a tornar-se pianista. Luvas de trabalho, de cozinha e também uma “sensual” luva de veludo. Provavelmente o melhor filme jamais feito com um triângulo amoroso entre um homem e um par de luvas.
Outra proposta interessante foi «Pale Cocoon» (Japão, 22' 53”), num estilo de animação caracteristicamente japonês e com uma temática que também não é estranha à anime: no futuro, uma equipa de arqueólogos reconstrói histórias e memórias do passado, com base em registos áudio e vídeo.
Da Estónia, veio o imaginativo «Brothers Bearhearts» (21'), com um ponto de partida curioso: a mãe urso pinta uma tela com os seus três filhos e um caçador não só a mata como se apropria da autoria da obra de arte. Mais tarde, os ursos aparecem em Paris e movem-se no campo das artes, com os nomes Henry, Vicent e August...
«Tears in the Wind» (20') é uma co-produção entre a República Checa e o Japão, sobre um rapaz da cidade que passa férias numa cabana isolada nas montanhas, na companhia de um pintor amigo dos pais. Drama contido e pausado sobre descobertas e choques no processo crescimento de uma criança. Animação de marionetas, falado em checo.
«Otomi» (14' 30”) passa-se no Japão do Século XIX, apesar de ser uma produção Belga. Assenta no encontro entre um vagabundo e uma jovem num bairro evacuado, precedendo o confronto entre o exército e rebeldes. Mais uma vez, a animação mais tradicional e orgânica — marionetas — ao serviço de um drama low profile mas eficiente.
Ainda em marionetas, «A Captain's Daughter» (28' 25), da Rússia, propôs-se adaptar um romance de Alexander Pushkin. Se por um lado se sente que haveria muito por desenvolver, as elipses e os flashbacks estão bem integrados na estrutura. Mais um drama eficaz assente nesta técnica de animação.
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Fumi and the Bad Luck Foot. |
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Cleverman. |
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Apple Pie. |
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Moongirl. |
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Carnivore Reflux. |
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Wolf Daddy. |
Houve um conjunto de filmes mais curtos, sustidos no humor do texto e/ou em conceitos visuais. Por vezes surgem verdadeiras pérolas, mas alguns apenas provocam o riso e esquecem-se pouco depois.
Com base na repetição e no exagero de algumas situações, «Fumi and the Bad Luck Foot» (EUA, 7' 7”) e «Cleverman» (Austrália, 9' 10”) produzem bons resultados no que toca ao humor. O primeiro segue uma menina cujo pé esquerdo atrai toda a espécie de desastres (que vão atingindo as mais díspares proporções) e o último o vai-e-vem de um homem de sua casa (à direita do cenário), para o trabalho (à esquerda do cenário). Com um ritmo imparável, o filme assiste ao quase colapso da sua personagem devido ao stress da rotina diária. Quem nunca espancou o computador ou a fotocopiadora não deixará de achar graça.
O canadiano «Surly Squirrel» (10' 45”) também não se saiu mal no que toca ao humor, com um pendor mais “comercial”, em forma de filme de acção, com duas situações paralelas: ladrões que assaltam um banco e esquilos que se querem apropriar de pizza sem partilharem com os outros animais do parque. 3D.
«Tadeo Jones» (Espanha, 8') foi outro filme comercial com base em animação 3D (menos marcante, pela sua simplicidade, que a da obra referida anteriormente). Tem alguns momentos de humor e uma punchline que não funciona mal de todo.
Ainda no campo do humor, mas com laivos de tragédia Shakespeariana, «Apple Pie» (Suiça, 9' 50”) podia ser a história simples do amor entre uma padeira e um talhante, mas torna-se uma comédia de enganos, com a entrada em cena de um caçador, um cão e um gato.
«Guide Dog» (EUA 5' 15”), do conhecido Bill Plympton (esteve presente este ano no Fantasporto, para acompanhar uma retrospectiva da sua obra) é uma sequela de outra curta do autor. Um cão cheio de boas intenções oferece os seus préstimos como guia de cegos, mas os resultados são terríveis. O canino continua a apelar por novas oportunidades, apesar de tudo. Divertido.
«Moongirl» (EUA, 8' 40”) é um filme em animação 3D de Henry Selick («A Nightmare Before Christmas»); uma fábula sobre um rapaz que viaja até à lua onde conhece uma menina que protege a luz das investidas de criaturas das trevas.
Em jeito de furioso manifesto vegetariano, «Carnivore Reflux» (Austrália, 7') refere as quantidades de carne que um humano médio consome no seu tempo de vida e ilustra uma orgia alimentar que termina mal, num inferno dantesco de regurgitação (o título não engana). O final resolve-se com uma graça sobre vegetarianos, mas não esconderá as motivações dos cineastas.
Apenas duas entradas coreanas em competição: «Lost and Found» (já abordado a propósito do Festival de Jeonju) e «Wolf Daddy» (10'), de Chang Hyeong-yun, um filme divertido e doce, com um pendor totoresco e que começa quando a personagem central, um grande lobo branco, recebe uma visita de uma ex-namorada que lhe deixa uma menina para tomar conta. Outras mulheres lhe baterão à porta.
2.2 Escolas
O SICAF apresentou também, em competição numa categoria própria, cerca de seis dezenas de curtas produzidas em escolas ou constituindo projectos de final de curso. Em alguns casos, a qualidade dos títulos não ficava atrás de outros apresentados na secção competitiva principal.
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Eels. |
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Sleep with the Fishes. |
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Vaudeville. |
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Those of the Bottle. |
Um filme que se destacou foi «Eels» (16' 55”) da Alemanha, o qual pensei pudesse vir a ganhar alguma distinção. É uma obra com um design cuidado, em 3D e 35mm scope — um deleite visual. O guião é imbuído de algum surrealismo, com um homem vagueando no mar ou em terrenos assolados pela guerra, com a cabeça sempre circundada por estranhas formas transparentes.
Muitas obras assentavam no experimentalismo gráfico, como «Sleep with the Fishes» (RU, 4' 24”), com uma canção dos Tiger Lillies em fundo, «Walking» (França, 5') e «Kashikokimono» (Japão, 8' 50”) — este último vencedor do Prémio Especial do Júri.
«Things that Go Bump in the Night» (EUA) é um pequeno e divertido filme em 3D sobre uma criança que vai descobrir algo pior do que um monstro horrendo a persegui-la no seu próprio quarto.
«Léontine» (França, 6'), também em animação 3D, é uma curiosa aventura repleta de engenhocas mecânicas, com uma avó que defende a sua fábrica de peixe enlatado das investidas de um exército de gatos. O cão, entretanto, anda desaparecido, pelo que é preciso substituir por meios mecânicos o seu poder dissuasor.
Foi possível ver um trio de obras de autores coreanos: «Vaudeville» (Coreia/EUA, 5' 10”), «Heaoosoo» (3' 30) e «Can You Go Through» (6' 15). O primeiro, por Kim Chan-su, em animação tradicional, evoca memórias dos anos 30, na Coreia, por meio de fragmentos visuais e abstracções.
Também interessantes: «The Mirage» (Canadá, 5' 40”), com personagens humanas mas também garrafas antropormofizadas que lutam por ser consumidas, sem entenderem o que as espera no final; «Those of the Bottle» (França, 3' 56”), sobre uma mulher obcecada por germes; «Puss and the Moon» (Holanda, 4' 52”), onde a lua se sente sozinha — todos os humanos dormem quando ela desperta — e inveja o sol; «Smile» (EUA 9' 40”), sobre a luta entre um boneco amarelo sorridente contra um pirata, para proteger um balão com um smiley.
16/07/06
(Continua)
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