Gutseeora Geumsuna [Saving My Hubby]
굳세어라 금순아
Realizado por Hyum Nam-sub
Coreia do Sul, 2002 Cor – 92 min.
Com: Bae Du-na, Kim Tae-woo, Lee Chan-min, Ju Hyeon, Ra Gyeong-deok, Kim Hae-gon, Jang Se-jin, Lee In-cheol, Kim Seon-hwa, Go Du-sim
drama comédia
Poster
Geum-soon (Bae), 20 anos, foi uma estrela do voleibol até uma lesão a obrigar a abandonar a carreira. Joon-tae (Kim Tae-woo), um fervoroso fã, estava por perto e deu-lhe apoio. Esse apoio sincero resultou numa gravidez que, por sua vez, precipitou o casamento. No primeiro dia no emprego de Joon-tae as coisas começam a correr mal quando a única camisa que ele considera adequada para a ocasião fica danificada pela inépcia enquanto fada-do-lar da sua jovem esposa. Mas as coisas pioram substancialmente: os sogros de Geum-soon anunciam uma visita (com chegada às 5 da manhã!), que a coloca em polvorosa; a casa está tão desarrumada e quais são os pratos favoritos deles? Como se tal não fosse suficiente, a festa de iniciação de Joon-tae inclui por concursos de ingestão de álcool em bares de karaoke, com o patrão e os colegas. Quando estava apenas preocupada com a visita dos sogros, Geum-soon recebe um pedido de resgate do dono de um bar que alega que o marido despejou um conteúdo substancial das suas reservas de álcool, apresentando uma conta astronómica.

«Saving My Hubby» não funcionou muito bem nas bilheteiras sul-coreanas, algo, infelizmente, comum a outros filmes que contaram com a presença de Bae Du-na num papel principal, como os excelentes «Pellandaseu-ui Gae» [«Barking Dogs Never Bite»] ou «Boksuneum Naui Geot» [«Sympathy for Mr. Vengeance»]. O talento e a qualidade não são o principal ingrediente para um filme fazer dinheiro: tal não sucede obviamente nos EUA e a Coreia do Sul não é excepção, ainda que não seja difícil encontrar obras dignas da nossa atenção nos Top 10 anuais de filmes sul-coreanos («Tell me Something», «Nowhere to Hide», «Happy End», «Joint Security Area», «Ditto», «Lies», «Friend» ou «My Sassy Girl» deram bons resultados de bilheteira).

«Gutseula Geumsoona» — ou qualquer coisa como “força, Geum-soon”, dizeres que havemos de ver escritos nos peitos de jovens semi-vestidos — é a primeira obra de Hyum Nam-sub, o argumentista de «2009 – Memórias Perdidas» e tem sido descrito como um «Nova Iorque Fora de Horas/After Hours» (1985) coreano, pois, tal como a personagem de Griffin Dunne, no filme de Martin Scorsese, Geum-soon embarca num percurso aparentemente interminável, por ruas que se tornam desconhecidas e perigosas com o cair da noite, envolvendo-se com uma diversificada galeria de personagens, curiosas ou perigosas, mas, de um modo geral, divertidas. O registo humorístico dos dois filmes não podia ser mais distante, pois aqui não estamos no campo da comédia negra. O filme de Hyum é ligeiro mas sincero, conseguindo funcionar como um bom feelgood movie, bem movimentado e com momentos de acção mais ou menos cartoonesca, quando a nossa heroína aplica o seu poderoso “spike” naqueles que se atravessam no seu caminho.

As personagens que recheiam «Saving My Hubby» não ocupam muito tempo de ecrã, mas são relativamente convincentes, em parte devido ao facto de se basearem em clichés do cinema de gangsters (jopok). Temos, assim, os líderes de gang, rivais, mas que não deixam de se respeitar, onde se destaca Cobra Branca, para quem o bom aspecto e o aprumo são essenciais, e que tem mais do que uma fixação pela cor que adoptou no nome (veste-se de branco, da cabeça aos pés), os típicos lugares-tenente, e os seus subalternos mais trapalhões. Geum-soon vai-se cruzar também com um simpático casal que explora um bar-tenda, a igualmente simpática e prestável funcionária de uma loja de conveniência e um misterioso desconhecido, algo ameaçador, trajado de negro.

É enquanto tenta encontrar o bar (com um nome estrangeiro impronunciável: “vivre sa vie”), que o caminho da jovem mãe — que tem de levar a bebé consigo, presa às costas — se vai cruzar com os gangsters. Como? Bom, tudo o que pode correr mal, corre mal, e se até ali a sua vida se revelava bastante complicada, agora passa a estar em risco de se extinguir. A perseguição dura quase toda a noite e Geum-soon — felizmente, ainda em grande forma — ainda tem tempo para se lembrar que às 5 da manhã os sogros chegam à sua casa.

Mesmo um espectador pouco familiarizado com a cultura local pode constatar que o filme de Hyum Nam-sub tece algum comentário social, em particular pela apresentação de uma protagonista feminina que tem praticamente de se desenrascar sozinha, em luta contra toda a espécie de personagens ameaçadoras, incluindo o crime (des)organizado. A sociedade coreana não trata propriamente os dois sexos com igual respeito e consideração (mas também poderíamos perguntar-nos qual a sociedade onde há efectiva igualdade de sexos), e uma mulher casada e com filhos é quase considerada um ser à parte. Aliás, tal pode ser ilustrado um pouco pelo modo como a generalidade das actrizes asiáticas tem tendência a retirar-se da indústria mal decide casar. As personagens femininas são, de um modo geral, fortes e resolutas, por contraste com os homens, trapalhões e dependentes. Além da personagem de Bae, temos outra ilustração do domínio feminino na dona do bar, que mostra claramente quem é que veste as calças lá em casa, mas esta evidência não se fica por aqui; a desgraça de Cobra Branca está associada a uma mulher do passado e o líder dos gangsters que perseguem Geum-soon compromete a sua eficiência e despe os trajes de criminoso frio e impiedoso sempre que se aproxima de uma certa menina.

«Saving My Hubby», apresentado nos festivais de Deauville e Udine deste ano, é uma comédia sem pontos baixos, nem alterações de registo ilógicas para satisfazer qualquer espécie de compromissos. Os sorrisos ou gargalhadas que provoca, do início ao fim, são bem recebidos, sem que nos sejam suscitadas reacções de interrogação sobre as opções narrativas onde surgem. Não cria situações elaboradas de surpresa (o argumento não é particularmente complexo, nem precisa), nem ultrapassa os limites do disparate, esforçando-se demasiado por ser engraçado. Apesar de alguns momentos de slapstick, como quando vemos uma figura, desfocada, a correr a grande velocidade pelas ruas, quase invisível para os que a rodeiam, quando entra em cena uma pequena “censura” digital ou quando o explodir de violência por parte da protagonista é ilustrado numa realidade exterior ao filme, o registo de comédia não só funciona como admite a entrada de segmentos mais sérios, até meio comoventes, em particular lá mais para o final do filme. Estamos, pois, perante uma comédia surpreendentemente bem equilibrada, com óptimas representações, em particular de Bae Du-na, que joga um trunfo no cuidado como delineia uma extensa galeria de secundários, todos com um papel de relevo na narrativa.

4
Deauville 2003. Disponível em DVD sul-coreano (EnterOne, R3), que, aparte a imagem de capa algo desajustada (forçosamente “gráfica”) não apresenta defeitos. A transferência (1.85:1 anamórfica) tem boa qualidade (talvez um pouco demasiado escura em alguns momentos), sendo acompanhada por uma faixa Dolby 5.1 mais que competente. Os extras incluem trailers, um vídeo musical e um mais substancial making of (não legendado). O trailer, que não é constituído por uma montagem de cenas do filme, é curioso e apresenta Bae Du-na e a bebé num ringue a serem ameaçadas por um grupo imenso de malfeitores.

publicado online em 4/5/03

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