Um confronto entre forças das duas coreias, na fronteira em Panmunjeom, leva a uma investigação independente sob o comando da entidade neutral constituída por militares da Suiça e da Suécia. A morte de dois soldados norte-coreanos esteve na origem da troca de tiros. O soldado sul-coreano Lee Soo-hyeok (Lee Byeong-heon), afirma ter sido raptado por soldados inimigos, tendo conseguido escapar depois de disparar contra os seus captores. A história contada pelo Sargento Oh (Song), o sobrevivente do outro lado da fronteira, é radicalmente diferente: o inimigo entrou pelas instalações adentro, alvejando aqueles que aí se encontravam. A Major Sophie E. Lang (Lee Young-ae), uma oficial suíça de origem coreana, é escolhida para liderar a investigação, mas nenhuma das partes parece interessada em apurar a verdade dos factos.
«Joint Security Area» tem sido superficialmente comparado a «Swiri», também com Song Kang-Ho, uma vez que ambas as obras focam as tensas relações entre as duas coreias, numa altura em que a reunificação parece cada vez mais próxima. Mas «Swiri» é um filme de acção, com uma componente romântica não muito bem sucedida, e «JSA» é um filme sério, coerente, e que consegue percorrer habilidosamente a via da ambiguidade, evitando sempre apontar bons e maus. Em «Swiri», todos os coreanos são tendencialmente bons, e os maus da fita são um grupo de rebeldes do norte, descontente com a política do seu estado – um expediente não raro em certos filmes de Hollywood, como modo de apresentar um inimigo estrangeiro sem marginalizar o povo e a nação de onde são originários.
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A Major Sophie E. Lang inicia uma complicada investigação.
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O filme tem uma história para contar e fá-lo sem artifícios, narrativos ou formais, o que, nos dias que correm, é extremamente raro. O recurso a breves cenas de extrema violência afere-se como necessário ao relatar da história (há um momento de censura óptica para cobrir a zona púbica de um cadáver, mas a sangria não sofre desse problema, o que não invalida possíveis cortes impostos pelos censores). Este nível de compromisso do cineasta com a sua própria obra não pode deixar de nos surpreender. O recurso a uma estrutura de flashbacks e de múltiplos pontos de vista, que se apresentam sem que existam indicações de quando se trata da verdade ou de mais uma versão, e a controlada revelação de mais pormenores, nunca opta por uma atitude de atirar à cara do espectador mais uma “grande surpresa”, nem assenta no choque pelo choque. As personagens principais, os dois soldados e a investigadora, são lenta e cuidadosamente desenvolvidos. Convencem-nos e tornam a história convincente, por muito improvável que possa soar. Aliás, um grupo de soldados veteranos invadiu os escritórios da produtora, insistindo num pedido de desculpas público e na inserção de avisos em futuras cópias do filme explicitando que a narrativa era pura ficção. De acordo com Koreanfilm.org, a manobra persuasiva estaria para a dar resultados.
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Song Kang-ho e Lee Byeong-heon.
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Há em «JSA» aquilo a que se pode chamar de mensagem socio-política positiva, sendo fácil de entender porque é que o filme foi um esmagador sucesso no seu país de origem, destronando «Swiri» da primeira posição do top de bilheteira na Coreia do Sul (onde se aguentaria até à estreia de «Friend»). No entanto, parece-me desnecessário desenvolver o tema, já que isso implicava descrever as ramificações do guião, a partir da premissa inicial. Não existindo propriamente um final “feliz” – a ambiguidade chega a esse ponto –, no meio das desgraças, infortúnios e mortes, subsiste uma certa satisfação com o desenrolar dos acontecimentos, mais substanciada numa certa esperança para o futuro, do que em noutra coisa qualquer.
Há dois elementos no filme que merecerão um destaque final. O primeiro é o trabalho dos dois actores principais, Song Kang-ho e Lee Byeong-heon. Song voltou a protagonizar um filme de Park Chan-uk, «Sympathy for Mr. Vengeance», onde tem uma interpretação ainda mais marcante, novamente ao lado de Shin Ha-gyun (o soldado nortecoreano que o acompanha em «JSA»). A segunda nota digna de registo é o facto do filme ter como personagem central uma mulher atraente que não é usada como “interesse romântico”. Não há, sequer, referências relevantes directamente relacionadas com o seu género – i.e., a personagem podia ser do sexo masculino, sem que fosse necessário alterar uma linha do guião.
Este foi o primeiro de três filmes exibido na Cinemateca Portuguesa, no âmbito das comemorações dos 40 anos do estabelecimento de relações diplomáticas entre Portugal e a República da Coreia, tendo contado com a presença do embaixador daquele país em Portugal, bem como outras individualidades, incluindo o embaixador do (agora amigo) estado indonésio. Antes da projecção, e precedendo uma curta apresentação pelo embaixador coreano, o presidente da Cinemateca fez um resumo do panorama do cinema coreano mais recente. Foram posteriormente apresentados «Misulgwan-yeob Dongmul-won» [Art Museum by the Zoo] e «Jeong» [My Heart]
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