Ryu (Shin), surdo-mudo, cuida da irmã doente (Lim), que necessita de um transplante de rim para sobreviver. Com o tempo a esgotar-se e sem que apareça um doador compatível, Ryu decide seguir um autocolante de casa de banho e contactar uma família de traficantes de órgãos. O negócio não corre propriamente bem e, junto com a sua namorada, Yeong-mi (Bae), vê-se forçado a procurar um método de obter muito dinheiro rapidamente, considerando o rapto de uma criança (depois de chegarem à conclusão que há bons e maus raptos). O alvo escolhido é a pequena Yo-soon, filha do abastado industrial Park Dong-jin (Song).
Park Chan-uk assinou a realização de «Joint Security Area» em 2000, um filme que focava as relações tensas entre as duas Coreias, através de uma investigação na Zona Desmilitarizada, destinada a apurar as causas da morte de alguns soldados. «JSA» contava, no lado norte-coreano, com as presenças dos actores Song Kang-ho (também conhecido de «Swiri», «The Foul King» ou «Nr. 3») e Shin Ha-gyun. Ambos responderam à chamada de Park para o novo filme, mas este coloca-os agora em campos opostos. «JSA» foi um blockbuster na Coreia do Sul, numa altura em que o cinema coreano estava já a dar luta nas bilheteiras ao cinema de Hollywood. O que começou com «Swiri», a retirar a «Titanic» o título de filme mais lucrativo de sempre nesse mercado, em 1999, chegou a extremos em que um filme de de “arte e ensaio” e orçamento insignificante, com uma criança e a sua avozinha («The Way Home»), fez mais dinheiro que «A Irmandade do Anel», no ano de 2002. Por seu lado, «JSA» trepou até ao cimo do top de bilheteira do ano em que foi estreado, acima de títulos como «Missão Impossível 2» e «Gladiador», batendo, inclusive, a anterior performance de «Swiri», apesar de não manter o estatuto por muito tempo – apenas até à estreia de «Friend», no ano seguinte.
O epíteto “realizador de «Joint Security Area»” acabou por constituir uma espécie de cheque em branco para Park Chan-uk, que poderia agora pegar em qualquer projecto que quisesse levar ao grande ecrã. Certamente seria mais fácil e economicamente compensador tentar um «JSA 2» ou um filme de temática similar, uma vez que era o que quase todos estariam a espera de ver associado ao seu nome. Mas, ao invés de optar pela segurança e pela previsibilidade, Park decidiu pegar neste «Sympathy for Mr. Vengeance», um projecto seu, de meados dos anos 90, que até então não tinha conseguido financiar. Mas o “word-of-mouth” depressa espalhou que o filme era violento, negro e gélido e não tinha nada que ver com «JSA», pelo que os resultados de bilheteira se tornaram deveras decepcionantes (não chegou a entrar no top 10 de filmes Coreanos de 2002 ).
De entre as personagens principais de «Sympathy for Mr. Vengeance», não é possível assinalar aqueles que constituem os “maus” ou os “bons da fita”. De um modo ou de outro, todos têm boas intenções, ainda que levados a cometer actos criminosos e moralmente censuráveis. Os resultados dos seus actos são amplificados por cruéis partidas do destino, que os colocam no caminho das suas respectivas nemesis. A vingança é um tema naturalmente central ao filme. Temos, pelo menos, meia dúzia de actos dessa natureza, consumados ou tentados, raramente motivados por um sentido de “justiça”; apenas surgem como forma de apaziguamento de dor e raiva, como compensação por um acto de valor similar, voluntário ou não. Se há quem possamos considerar criminosos imorais, sem nada que nos convença que não merecem um castigo exemplar, serão os traficantes de órgãos, os quais acabam por ter uma presença muito secundária – mas essencial – na complexa teia de retribuições.
«Sympathy for Mr. Vengeance» é, tal como o anterior «JSA», filmado com extrema atenção estética por parte do seu realizador, que compõe criteriosamente cada enquadramento “scope”. A fotografia é igualmente cuidada, com cores vivas e contrastantes e lentes que distorcem os planos principais e ampliam a profundidade de campo, alternados com planos muito próximos que desfocam todo o campo de visão com excepção de um único elemento que somos forçados a observar, por vezes por períodos de tempo invulgarmente longos, como um rosto desesperado ou uma mão supostamente amigável. O som é bastante activo e dinâmico, recorrendo-se frequentemente aos canais de baixas frequências para ilustrar o mundo silencioso de Ryu.
A bela fotografia e composição dos planos e a câmara quase sempre estática, contribuem para o surrealismo de alguns momentos, em particular quando desponta a mais crua violência, com sangue a espirrar de um lado ao outro do ecrã, ou quando somos forçados a assistir a um acto de tortura que se nos afere como completamente gratuito, mas que acaba por ser “justificado” e subsumido à dor do executor. O espectador não tem qualquer ajuda para valorar moralmente os actos ou para sentir o que quer que seja pelas personagens e a banda sonora não fornece as "cues" esperadas. Somos forçados a fazer os nossos julgamentos desprovidos de ajuda “cinematográfica”, pois a câmara de Park é amoral, fria e meticulosa como um bisturi – operado apenas para mostrar. O julgamento é feito pelos (nossos) olhos, não pelo instrumento.
A frieza de «Sympathy for Mr. Vengeance» pode contribuir para que alguns espectadores permaneçam igualmente frios durante o visionamento, mas este é um filme que exige mais de nós do que seria considerado normal; ou seja que não tenhamos uma atitude meramente passiva. As motivações das personagens, a ligeireza ou a dureza de cada cena pode mais facilmente ser assimilada de forma diferente por cada um de nós, uma vez que o filme, o som, a montagem, não contribuem para filtrar a informação e sugerir o que devemos pensar ou sentir. Da mesma forma, há subtilezas narrativas que só se captarão com alguma atenção ou um segundo visionamento, já que Park não nos mete à frente dos olhos todas as explicações para aquilo que sucede, aparte de uma voz off no final que talvez seja redundante, se bem que não servirá propriamente para “explicar” o que está a acontecer (que é óbvio), constituindo antes o eco de um aviso prévio.
Park Chan-uk não se refreia de iniciar um plano com contornos do que parece humor adolescente de baixo nível, terminando com uma ironia – cruel e violenta, uma vez mais – que podemos receber como uma espécie de bofetada, pelo sorriso que começávamos a esboçar ou por estarmos a contar com tal humor num filme desta natureza. O realizador destrói-nos as expectativas e força-nos continuamente a fazer os nossos próprios juízos morais face ao material apresentado.
«Sympathy for Mr. Vengeance» contém uma narrativa estanque, bem estruturada e desenvolvida, servida por um trio de excelentes actores, de entre os quais será difícil destacar algum em prejuízo dos outros dois. Song e Shin dominam papéis muito diversos daqueles que os juntaram em «JSA» e a jovem Bae Doo-na vem, mais uma vez, confirmar porque é considerada uma das mais promissoras actrizes da nova geração do cinema coreano, adicionando mais um excelente desempenho ao seu currículo, onde já se contam marcantes participações em «Barking Dogs Never Bite» (2000) e «Take Care of My Cat» (2001)
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