Chang Sung-min (Ahn) é perseguido pela polícia, depois de ser considerado o suspeito principal de um assassinato, ligado ao tráfico de droga. Uma divisão de homicídios da polícia, comandada pelo detective Woo (Park), segue as pistas que apontam para o paradeiro do criminoso. Na sequência de investigações e denúncias, obtidas através de métodos nem sempre conformes com as normas de procedimento policial, os polícias encontram Kim Ju-yon (Choi), a namorada de Chang, e tentam usá-la para chegar ao traficante-homicida.
«Nowhere to Hide» adquiriu a reputação, em alguns círculos, de ser um dos filmes mais inovadores dos últimos anos e uma dos melhores exemplos da vivacidade do moderno cinema sul-coreano. O realizador Lee Myeong-se afirmou desejar construir uma obra puramente visual, baseada no movimento da acção central e das personagens. O guião é simples e directo, levando as personagens de um ponto A a um ponto B, na prossecução de um único objectivo que é a captura de um perigoso criminoso, sem perdas de tempo com linhas narrativas paralelas. Lee – citado em Koreanfilm.org – dá como exemplo uma pintura de Monet, onde o artista não estaria interessado no objecto, senão como veículo para aplicação de determinadas técnicas ou para a reprodução do modo como a luz lhe incide. Nestes termos, pensaríamos estar perante uma obra superficial e fútil, onde a forma se sobrepõe ao conteúdo. Mas é bem mais do que isso: em «Nowhere to Hide» a forma é o conteúdo.
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O assassino (Anh) e a brigada de homicídios, encabeçada por Kim (Chang Dong-gun, de «Friend» e «2009 Lost Memories»). |
Este não é um filme que deva ser apreciado por quem procure simples entretenimento, nem, por outro lado, um filme que convença os que procuram a arte pela arte ou venerem o Guião, enquanto supremo ponto de partida para bom cinema. Apesar de ser visualmente fascinante, a acção não é aparatosa e intricada ao estilo de Hong Kong. Mas as imagens são, inegavelmente, de rara beleza. Lee Myeong-se usa o ecrã de cinema como uma verdadeira tela – bem, o ecrã é mesmo uma tela, fora do plano metafórico, mas acho que percebem o que quero dizer... –, havendo momentos em que a imagem se transforma literalmente numa pintura ou em que uma cena de acção é visualizada através de sombras.
Os momentos altos do filme são o homicídio nos “40 Degraus” e o conflito final, que opõe polícia e criminoso. A primeira cena desenrola-se ao som de “Holiday” dos Beegee's, à chuva, com um tratamento de cor deslumbrante e uma excelente utilização da câmara lenta. A composição, a montagem e o uso de uma canção “romântica” conferem a esta sequência um pender hipnótico, embalando-se o espectador ao longo de um assassinato brutal, mas filmado sem grande violência gráfica e onde o sangue quase passa por tinta a escorrer pela tela do artista abaixo. Os nossos sentidos ficam deslumbrados e confusos perante uma execução filmada com tal beleza e pela música que a acompanha, mais esperada numa “cena de amor”. Na segunda sequência, volta-se a usar a chuva – os elementos ajudam à composição cénica – mas também a lama, como a “tinta” que compõe a tela de Lee. Novamente a violência é habilmente transformada em poesia visual, com recurso a variações na velocidade da imagem ou à remoção de fotogramas, para criar um movimento fluido, mas, ao mesmo tempo, irreal, enquanto os dois oponentes procuram eliminar-se mutuamente.
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É curioso ler alguns textos críticos, onde a base para refutar esta obra seja, por exemplo, que o realizador “não sabe contar uma história”, quando se torna óbvio que o filme não esteve interessado em desenvolver a componente narrativa, mas antes em explorar novos campos na experimentação visual – uma motivação patente também no cinema de Tsui Hark –, bem como ao nível de montagem ou na utilização do som (há uma faixa de rock coreano que também é usada com grande eficácia, ilustrando explosões de energia e adrenalina). Em suma, Lee procura fazer cinema, uma arte que, destituída de artifícios cénicos cai no risco de se reduzir a “teatro filmado”.
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Ju-yon, o isco (Choi Ji-woo).
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Apesar dos comentários e do que anteriormente se referiu, não é verdade que «Nowhere to Hide» redunde numa nulidade dramática. O filme continua a funcionar narrativamente, a um nível visceral, apresentando personagens interessantes (mesmo que sejam um grupo de polícias armados com tacos de baseball e que mais parecem rufias do que agentes da lei) e tem vários momentos em que os actores são mais do que “lírios de Monet”, como a breve visita de Woo à sua família ou a sua interacção com Ju-yon, a namorada do vilão. À actriz Choi Ji-woo, aliás, cabem algumas cenas dramaticamente pungentes, levando-nos a tentar compreender como é que uma jovem com uma vida aparentemente normal, tipo “girl next door”, se consegue relacionar com um homem que sabe ser um assassino impiedoso. O guião não dá grandes elementos de exposição, não a vemos a justificar-se ou a dizer o que sente por Chang Sung-min, mas Lee consegue ainda assim, filmando apenas o seu rosto e as suas reacções, transmitir e explicar tudo sem que as palavras sejam necessárias.
Ainda que «Nowhere to Hide» seja sobretudo fruto de experimentação visual e recorra a uma história linear que é toda ela um McGuffin, um jarro de flores que serve apenas para mostrar como lhe assentam a luz e as sombras, os elementos visuais e sonoros não anulam a existência das personagens. Hitchcock é também citado pelo realizador, ainda que possa não ser muita clara essa influência, aparte uma cena num comboio. Próximo do final, é «O Terceiro Homem» (1949), de Carol Reed, que recebe uma piscadela de olho.
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