Sitges 2003
Fórum: "Coreia, Cinema Explosivo"
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Darcy Paquet (à direita), a figura central do fórum, apresentado por Ricardo Reperaz.
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Nas actividades programadas para o Dia da Coreia incluiu-se o fórum “Coreia, Cinema Explosivo”, com Darcy Paquet, um dos três membros do júri Orient Express deste ano e correspondente, na Coreia do Sul, da revista Screen International. O evento arrancou pouco depois das 16 horas, no confortável e acolhedor espaço do átrio do Hotel Melià. Normalmente destinado a vários intervenientes e à participação da audiência, o fórum acabou por se consubstanciar numa entrevista a Darcy Paquet, conduzida por Ricardo Reperaz (que, além de trabalhar para o festival, é webmaster do site, em língua espanhola, Hellnation).
Apesar do fórum não atrair tantos interessados como aquele que contou com os realizadores japoneses Miike Takashi e Lida Joji, acabou por ser uma fonte de informação mais rica do que a conferência de imprensa realizada mais cedo, neste mesmo dia, e que, naturalmente, suscitou outra atenção, dada a presença de três cineastas e do embaixador da Coreia do Sul. As razões para este juízo prendem-se com o facto de Reperaz ter seleccionado as perguntas essenciais sobre o estado actual da cinematografia em análise e de Paquet fornecer respostas precisas, concisas e esclarecedoras. Assim, num espaço de tempo relativamente curto, foi possível aceder a um precioso conjunto de informação, reforçada pelas opiniões e comentários de alguém que segue, in loco, o evoluir da conjuntura.
Ricardo Reperaz esclareceu que o título do fórum não pretendia isolar um género particular de cinema (ou seja, acção), mas sim exprimir o actual dinamismo do cinema da Coreia do Sul.
Darcy Paquet começou por abordar o excelente comportamento do cinema coreano nas bilheteiras locais. Em 2003, estiveram 8 filmes coreanos no top 10, com a sequela de «The Matrix» a ocupar a terceira posição, abaixo de «Memories of Murder» e «My Tutor Friend» [a tradutora sugeriu o divertido título «Mi Amigo Tudor»] — um cenário que surpreendeu muito os próprios coreanos. Depois de «Shiri» (1999), seguiram-se muitos outros êxitos de bilheteira com as produções locais. No ano em que o filme de Kang Je-kyu foi lançado, a penetração do cinema coreano subiu até aos 35 ou 36% e em 2001 esse valor chegou aos 45%, com o cinema de Hollywood a ocupar uma faixa de 40% do mercado.
A grande popularidade dos actores contribui muito para uma indústria onde os estúdios mais fortes são coreanos, por semelhança a outros territórios asiáticos, como Hong Kong e o Japão, onde os estúdios locais também dominam a produção. De acordo com Paquet, "a população gosta muito do cinema local e suporta-o. Este apoio sustém-se, em larga medida no star system: muitos dos actores são já populares em séries de TV e, quando transitam para o cinema, atraem os espectadores que já os conhecem do pequeno ecrã."
Darcy Paquet prosseguiu, afirmando a existência de um desejo genérico de apoiar o cinema local: "Isto pode ser ilustrado pelo modo como as pessoas encaram a pirataria, que tem aumentado também na Coreia do Sul. Para suportar a indústria local, era frequente que os utilizadores da Internet sugerissem que se efectuasse o download de filmes de Hollywood, mas que, por outro lado, se comprassem cópias originais de filmes coreanos. Tal atitute está patente em fóruns de discussão online."
Um importante vector de crescimento do cinema local é o Festival Internacional de Cinema de Pusan, que arrancou em 1996, e ao qual está associado o Pusan Promotian Plan, um plano de suporte à produção de cinema asiático. O PPP funciona como um local de reunião entre cineastas e investidores, onde os primeiros tentam convencer os segundos a financiar os seus projectos. O filme «Into the Mirror», foi o exemplo dado de um filme que conseguiu o seu financiamento através do PPP. Antes de Pusan não existiam festivais com dimensão relevante; a promoção dos filmes coreanos tinha de ser efectuada em festivais estrangeiros. Pusan veio permitir mostrar o cinema Coreano, localmente e, indirectamente, em outros países.
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"Na Coreia, os utilizadores da Internet sugerem que se façam downloads ilegais de filmes de Hollywood, mas que se comprem cópias originais dos filmes coreanos."
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Questionado sobre a utilização do cinema como meio para comentar questões sociais e se tal se verificaria na Coreia do Sul, o mentor do site de referência Koreanfilm.org diria: "«Whispering Corridors», o primeiro filme de Park Ki-hyung, realizador de «Acacia», mostrou a violência, nomeadamente a prática dos castigos físicos, por vezes presente nas escolas da Coreia do Sul, o que veio motivar protestos por parte de muitos professores. O filme permitiu chamar a atenção para esse problema. «Memento Mori» [sequela de «Whispering Corridors», no título original, mas não de facto], centrado em duas personagens gay, veio, paralelamente, levantar questões sociais relevantes, nomeadamente a atitude da sociedade perante a homossexualidade e os homossexuais. Os realizadores sul-coreanos tentam sempre incorporar nos seus filmes estas referências socialmente relevantes."
Em relação à sustentabilidade do sistema de quotas, Paquet esclareceu que as salas de cinema sul-coreanas são obrigadas a mostrar cinema de produção local, entre 106 e 146 dias por ano (uma ocupação de 30 a 40%), com base numa lei que já existe há algum tempo, mas que, no passado, não era imposta com muita convicção. No final dos anos 80, os estúdios de Hollywood começaram a abrir delegações locais e o sistema visou assegurar os investidores e os produtores de que se fizerem o seu filme irão ter um espaço para o mostrar ao público. "O sistema não é certamente perfeito, mas dá essa garantia tanto aos investidores como ao público. Em 1998 houve uma grande pressão por parte de Hollywood para enfraquecer ou abandonar o sistema e todos os anos o assunto vem novamente à baila, com pressão crescente por parte dos EUA. Este ano será crucial, pois decorrem negociações bilaterais comerciais entre os dois países e os EUA dizem que não assinarão um acordo sem que a Coreia do Sul baixe as quotas em 50%. Lee Chang-dong, o realizador de «Oasis» e actual Ministro da Cultura, tem uma posição muito firme no que toca à manutenção do sistema, mas, por ora, não podemos saber se as coisas se manterão exactamente como estão."
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"Lee Chang-dong continua a suster o sistema de quotas e a resistir à pressão dos EUA."
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Em relação às vagas de popularidade que aparentam assentar em determinados géneros (comédias românticas, filmes de gangsters, horror, etc.), e às tendências para o ano que se segue, Darcy Paquet disse ser difícil fazer uma previsão, considerando, simultaneamente, essa mesma dificuldade como um desenvolvimento interessante na evolução do mercado cinematográfico local. Em 2001-2002 as comédias de gangsters dominavam as bilheteiras, apesar da crítica não as apreciar, por serem muito sustidos em fórmulas, "mas este ano", afirmou, "os sucessos têm sido muito inesperados e com filmes difíceis de catalogar, como, por exemplo, «Memories of Murder» ou «Untold Scandal» (baseado nas “Ligações Perigosas”). «Old Boy», o novo filme do realizador de «Sympathy for Mr. Vengeance», é igualmente muito invulgar e está a portar-se muito bem nas bilheteiras. Paquet concluiu dizendo que não há tendências visíveis para os próximos meses, mas que em 2004 talvez venha a surgir a moda de filmes baseados em romances da Internet: “O primeiro foi «My Sassy Girl» e, para o ano, prevêem-se cinco ou seis filmes baseados em romances escritos para a Internet, uma prática a que muitos adolescentes e jovens sul-coreanos se dedicam. Resta saber que êxito terão."
O fórum deu-se por encerrado depois de Reperaz perguntar ao seu interlocutor em que medida considerava que os remakes de Hollywwod poderiam afectar o cinema local. "Hollywood tem um notório interesse pelo cinema asiático que possa fazer muito dinheiro, como o remake de «The Ring»", disse Paquet. "Há interesse por muitos filmes coreanos, mas, até ao momento não entrou nenhum em produção. Quanto aos resultados práticos para a indústria local, as opiniões divergem: uns afirmam que tal é positivo pelo dinheiro imediato conseguido com a venda dos direitos e com a percentagem com base nas receitas de bilheteira; outros simplesmente pensam que é uma moda que não durará; outros ainda limitam-se a perguntar se os remakes ajudam a indústria local ou apenas Hollywood. Pessoalmente, creio que não se produzirão muitos remakes de filmes coreanos e que aqueles que se fizerem em pouco contribuirão para a indústria local."
Fotos: Pedro Oliveira
4/01/2004
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