Sitges 2003
Fórum: "O Cinema Japonês Contemporâneo"
O fórum "Cinema Japonês Contemporâneo" teve lugar no átrio do Hotel Melià, no dia 4 de Dezembro, pelas 19 horas. Os realizadores intervenientes foram Miike Takashi e Iida Joji (por vezes referido como George Iida) — o primeiro presente na vila catalã para a promoção de «Gozu» e o último para apresentar «Dragonhead». Naturalmente, foi a presença de Miike que atraiu mais pessoas ao fórum, mas Iida não deixou de dar contributos válidos para a discussão, ainda que o moderador, Domingos Lopez, não se tenha esforçado particularmente por dividir o tempo disponível pelos dois realizadores. O espaço limitado do átrio estava relativamente preenchido, com algumas pessoas sentadas, inclusive, no chão.
O fórum foi inaugurado pelo director do festival, Ángel Sala, que passou o testemunho para Domingo Lopez, o qual, depois de uma breve apresentação dos dois realizadores, onde classificou Miike como um “anarquista visual, um transgressor que revolucionou o novo cinema japonês”, perguntou ao realizador de «Gozu», qual a razão que leva a que tantos realizadores japoneses, nos dias que correm, optem por trabalhar para o mercado vídeo. Miike afirmou que há um mercado forte para os OVs e que “essas obras permitem muita liberdade, sem tempos mortos no processo de produção, o qual é muito rápido e não está dependente das leis do mercado”. Tal só é possível devido aos baixos orçamentos.
|
"Se o texto é violento, tenho de mostrar a violência".
|
Questionado sobre as dificuldades de adaptar e filmar manga — como «Ichi the Killer» ou «Gozu» — Miike Takashi afirmou que, no que toca à transposição da obra para o cinema, não se preocupa em ser “literal”: “Posso fazer a minha própria interpretação, continuando a ser fiel à obra original. Em geral gosto de manga, mas tudo depende do projecto em causa. Não basta gostar de uma determinada história em manga, para me decidir fazer o filme; é preciso visualizar a ligação entre os dois meios e estar seguro que a fonte poderá dar um bom filme”.
Por seu lado, Iida disse que a manga original onde se baseou «Dragonhead» é muito extensa, mas pegou no projecto com a adaptação já feita para um filme de duas horas, pelo que, pessoalmente, não sentiu as dificuldades desse processo. Acrescentou que durante a produção nunca soube se o resultado final viria a ser satisfatório. Sobre o cinema fantástico, o realizador afirmou que “pessoalmente, gosto muito do género. «Dragonhead» foi difícil de fazer, mas, ao mesmo tempo, muito divertido. Gostava de fazer mais cinema fantástico no futuro”. Miike, algo sarcasticamente, disse que não liga a géneros e que, em seguida, gostaria de fazer um tipo de filme mais “pacífico”. Lopez tentou polemizar a discussão, afirmando que os títulos mais famosos de Miike fazem a “apologia descarada da violência”, ao que o realizador respondeu: “O meu trabalho é dirigir. Se o texto original é violento tenho de filmar a violência.” Repetindo, em certa medida, aquilo que já havia afirmado na conferência de imprensa do dia anterior, disse que o seu cinema reflecte, em grande medida, a realidade e na vida há situações de comédia, terror, violência, etc.
Respondendo a uma questão sobre as suas produções para o mercado OV, Miike afirmou que tem em conta a possibilidade dessas obras terem um destino diverso do inicialmente previsto, isto é, admite que possam vir a ser projectadas em salas de cinema ou festivais. “No Japão, há uma espécie de classificação que divide os realizadores entre os que fazem filmes de grande orçamento e os que trabalham para o mercado vídeo. Isto parece-me discriminatório, mas a mim não me afecta. O que importa realmente é fazer um bom trabalho, ter ou não capacidade para conseguir levar o projecto a bom termo, independentemente de ser um OV ou um filme de grande orçamento.”
Domingos Lopez levantou a questão da actual popularidade do cinema de horror japonês no Ocidente, nomeadamente nos EUA e o facto de Hollywood estar interessado em fazer remakes. “Os filmes de horror japoneses têm uma originalidade que não se encontra noutros países”, afirmou Iida. “O cinema americano está há vários anos falido de ideias e os estúdios procuram, no exterior, projectos interessantes ou que tiveram resultados particularmente bons nas bilheteiras de outros países. Para tudo existe uma causa e depois expande-se, como no caso de «Ring», um fenómeno de popularidade que suscitou o interesse dos americanos. A maioria das coisas que saem de Hollywood são previsíveis e chatas. Em todo o caso, estou contente que os filmes japoneses sejam conhecidos fora das fronteiras do país.” Ainda dentro deste tópico, o moderador perguntou a Miike se conhecia a versão taiwanesa de «Ring», que considera semelhante ao seu estilo de “cinema anarquista”, mas a resposta foi negativa.
|
"O cinema americano está falido de ideias".
|
Citando «Kairo», «Godzilla» e «Dragonhead», Lopez direccionou a discussão para a proliferação do cinema apocalíptico no Japão. Iida não confirmou a sua adesão ao subgénero, dizendo que se limitou a pegar num projecto que lhe fora oferecido, mas, no entanto, aproveitou para tentar apresentar a sua visão pessoal do apocalipse. Sobre se o final de um determinado filme de Miike seria uma metáfora ou apenas uma graçola, este respondeu, algo filosoficamente, que “todo o ser humano tem um desejo de destruir para poder começar de novo”. Acrescentou ainda: “Creio que é triste reconduzir o fim do mundo apenas à morte. Na realidade, não é tão fácil destruir-me a mim mesmo para me poder mudar”. Isto é, é mais fácil, num filme, aniquilar toda a raça humana, oferecendo um símbolo de renovação. (A destruição do planeta aconteceu em pelo menos mais um filme presente no festival, cujo título, por razões óbvias, também não iremos revelar, mas aí a intenção não seria exactamente a mesma.)
Na parte final do fórum, o microfone foi passado àqueles que, na assistência, quisessem colocar alguma questão aos realizadores presentes.
P.: Qual o filme que demorou mais tempo a rodar?
Miike: [a tradutora não conheceria o título internacional e tentou provavelmente uma tradução literal do japonês; era definitivamente algo com “soul”, pelo que arriscaríamos] «City of Lost Souls». O filme que mais custou a rodar, pela sua intensidade, foi «The Bird People in China».
De que filme gostou mais?
Miike: Gosto muito de «Gozu», porque quis mostrar tudo o que tinha dentro e voltar ao início. É um filme muito importante para mim.
Considera vir a trabalhar na Europa ou nos EUA?
Miike: É secreto, mas tenho um projecto para trabalhar aqui [Europa, Espanha?] e, se tudo correr bem, dentro de um ano começará a rodagem [ou, talvez, “para o próximo ano”; parece-nos irrealista que Miike tenha projectos em cima da mesa durante tanto tempo]
Iida: Gostaria de trabalhar na Europa ou nos Estados Unidos.
Gostaria de trabalhar num «Zatoichi»?
Miike: Kitano fez um, por isso não creio que o vá fazer. O projecto começou a dois, mas as circunstâncias inviabilizaram a colaboração.
Lopez: E trabalhar futuramente com Kitano?
Miike: Já o fizemos, acabámos a rodagem de um filme juntos. [Não entendemos o nome do filme, mas trata-se de «Izo: Kaosu Mataha Fujôri no Kijin», a estrear no Japão em 2004.]
Qual foi a participação do autor da manga "Dragonhead" no filme?
Iida: Passámos muito tempo juntos. Houve muito debate e discussão que gerou uma vontade mútua de nos livrarmos um do outro.
|
Miike à esquerda e Iida à direita. Entre eles a senhora tradutora, cujo trabalho muito respeitamos apesar de, em algumas ocasiões, termos tido algumas dificuldades em entender as suas construções gramaticais em castelhano.
|
Fotos: Pedro Oliveira
28/12/2003
|