Jong-gu (Seol) sai da prisão e regressa ao lar. Apesar de ter quase trinta anos, é imaturo e irresponsável e visto como um embaraço por todos os membros da família, que, notoriamente, preferiam que ele não tivesse regressado. Sempre sem pensar muito no modo como os outros encaram os seus actos, o ex-presidiário de ideias simples decide visitar a família do homem cujo atropelamento mortal o levou à cadeia, levando-lhes um presente e os seus cumprimentos. Antes de ser escorraçado, conhece Gong-ju (Moon), uma jovem que padece de paralisia cerebral. De modo algo paralelo com o que sucede a Jong-gu, a família dela coloca-a aparte, abandonando-a sozinha no apartamento e preferindo pagar aos vizinhos para olhem por ela. Jong-gu decide voltar...
Multi-premiado em Veneza: Lee Chang-dong recebeu um Prémio Especial de Realização, Moon So-ri foi galardoada com o Prémio Marcello Mastroiani (para melhor jovem actor ou actriz), aos quais se adicionaram três prémios não oficiais.
«Oasis» voltou a reunir Seol Gyeong-gu e Moon So-ri com o realizador Lee Chang-dong, depois de «Peppermint Candy» (2000), e poderemos pressupor que a cumplicidade pré-existente entre os três potenciou o impressionante trabalho dos dois actores. Sendo certo que o filme ficará associado à representação de Moon, é impossível não reconhecer o talento de Seol, actor multifacetado que pode ser visto em outras obras, como «I Wish I had a Wife» (2001) ou «Public Enemy» (2002). É claro que a produção de «Oasis» foi muito mais exigente com Moon So-ri, que teve de encarnar uma mulher seriamente afectada por paralisia cerebral, que se move com muita dificuldade e se expressa lentamente e com grande esforço, passando quase todo o tempo do filme com o corpo retorcido, do rosto aos pés. As imagens dos bastidores mostram Moon So-ri em lágrimas, entre takes, o que é um sinal da dificuldade do papel e da entrega da actriz à personagem.
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"A Princesa" e o "General".
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«Oasis» não é um filme fácil de digerir, desde logo porque é, formalmente, um drama romântico – a clássica história do casal que não pode ser feliz devido às pressões da família e da sociedade –, mas com duas personagens principais que não são exactamente aquelas com que o público se gosta de “identificar”, sendo antes indivíduos que normalmente provocam nos outros – os “normais” – um desviar da cara para o lado. Mas, mesmo não tendo em comum com as personagens aquilo que mais poderá chamar a atenção para o filme – a deficiência dela e a idiotice dele –, o essencial da história pode tocar qualquer um de nós, uma vez que o tema de um amor impossível, ou em luta contra barreiras incessantes ou aparentemente intransponíveis, é uma referência literária e cinematográfica incontornável e insubstituível, e permanentemente revista e vestida em trajes diferentes.
Mas este não é propriamente um “Romeu e Julieta” revisitado, antes o percurso de duas pessoas que mais não querem do que uma vida normal. Constituindo um incómodo para as respectivas famílias, procuram apoiar-se um no outro, caminhando para que se tornem os melhores (provavelmente únicos) amigos e, porque não?, amantes. Não há aqui um intuito de ilustrar uma típica moralidade sobre a beleza interna, mais importante que o aspecto exterior e yadda yadda yadda, até porque o filme de Lee – filmado com câmara ao ombro, em estilo mais realista, quase “docu-drama”, sugerindo espontaneidade, improviso – envereda por um distanciamento dramático do seu objecto. Isto é, os artifícios cinematográficos não são empregues para ajudar a criar no espectador respostas emocionais à encenação. Neste tópico, veja-se, por referência, os bons resultados num filme como «Sympathy for Mr. Vengeance» (2002), os maus em «In the Bedroom» (2001) e os assim-assim em «O Quarto do Filho» (2002). Sem querer sugerir que tal só funciona na Coreia do Sul ou na Ásia, acrescento as minhas reacções, do tépido ao frio, a «Sorum» (2001) e a «Plataforma» (2000), outro par de títulos de visionamento recente – e com temáticas muito díspares, note-se – igualmente filmados sob o olho do que se poderá apelidar de realizador imparcial ou passivo.
«Oasis» viu-se envolto em alguma polémica na Coreia do Sul, devido a uma determinada cena e aos acontecimentos que se sugere surgirem como sua consequência directa, que gerou protestos por parte de associações de defesa dos direitos de cidadãos deficientes. Este género de protestos, a meu ver, raramente são justificados, pois os cineastas não procuram necessariamente “afirmar” algo sobre uma classe, um grupo de pessoas, uma etnia, etc. Levando o raciocínio às últimas consequências, poderíamos imaginar uma associação de Homens Brancos Heterossexuais dos 24 aos 45 anos a emitir comunicados furiosos sempre que um indivíduo com tais características fosse “mal representado” num filme. É fácil entender a preocupação dessa ou dessas associações, mas o filme apresenta a história de personagens específicas e bem delineadas e não de representantes oficiais de determinada minoria. Acresce que está bem vincado em «Oasis» que o verdadeiro problema é o comportamento e a recusa da aceitação das diferenças por parte das pessoas ditas “normais”.
A contenção espartana no modo de filmar não impede que a rotina seja trespassada por pequenos episódios oníricos (sem que, no entanto, existam alterações formais), que ilustram visões de “normalidade” aos olhos de Gong-ju, na forma de pequenos comportamentos ou diálogos banais (mas por ela irrealizáveis). Em última análise, podemos subsumir estes episódios no conceito mais genérico do oásis representado na tapeçaria da parede, símbolo de fuga e de tudo aquilo que parece estar ao alcance de Gong-ju apenas em sonhos. Estes momentos cobrem «Oasis» com um fino manto de poesia, reforçado com a identificação de pontos de transição do seu conteúdo, que evoluem, ou se alteram radicalmente, com o seu encontro com Jong-gu e à medida que dele se vai sentindo mais próxima: quando somos apresentados à personagem de Moon So-ri, materializam-se etéreos pássaros ou borboletas em seu redor; mais tarde, ela imagina-se ao lado de Jong-gu, a caminhar ou a cantar; posteriormente, está pronta a enfrentar a incontornável realidade, acreditando que há momentos de felicidade a abraçar fora do mundo dos sonhos. O inferno, são os outros.
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