Excerto da vida de um grupo de amigos, membros de um grupo cultural, na China profunda, de 1979 até ao final da década de 80. Terminada a Revolução Cultural em 1976, as suas influências ainda se irão fazer sentir durante alguns anos. Nos anos 80, o regime vai-se abrindo lenta e controladamente ao exterior e a música popular, com origens em territórios asiáticos vizinhos, mas também no ocidente, começa a ouvir-se e a fundir-se com a música de raízes locais.
Jia Zhangke faz parte dos cineastas da chamada 6ª Geração de realizadores chineses, tendo-se apontado uma certa ruptura com a geração anterior, de autores como Zhang Yimou ou Chen Kaige, mais dedicados a produções lustrosas e a temáticas mais tradicionais. Este desejo de renovação, afirmado também por Jia, não parece reflectir-se substancialmente no seu cinema, pelo menos a julgar por este filme, excepto se considerarmos apenas a falta de meios técnicos, o orçamento reduzido ou o desinteresse por qualquer conceito formal – tradicional ou experimental – em termos de fotografia, composição ou design de produção.
Jia filma um grupo "amador", de um modo que também se poderia assim definir. Os formalismos não fazem um filme, mas não são os diálogos, o argumento ou a direcção de actores, que contribuem para fazer desta obra um objecto artístico memorável. A lente da câmara vê as personagens com uma frieza extrema, sempre de longe, em planos gerais e de conjunto, de tal modo que, quando nos aproximamos do final do filme, quase sentimos um choque visual devido a inserção de um ou outro plano mais aproximado, mas sem que nunca se chegue a close-ups de rostos dos actores. Filmam-se as aldeias, os edifícios, as estradas e os autocarros a passarem. E as personagens perdidas no meio, imóveis ou andando de um lado para o outro, por vezes escondidas por detrás de "obstáculos". Assim é fácil que não nos cheguemos a interessar pelos problemas deles ou pelo seu destino e que pouca atenção prestemos ao contexto histórico. Esse poderia ser um factor de interesse, mas preferia sinceramente ver um documentário, até porque o tratamento dado ao material torna tudo casual, como se não houvesse grande interesse em revelar pormenores sobre a evolução da sociedade chinesa, a partir das comunidades afastadas dos grandes centros. Vemo-los a abandonar as interpretações tradicionais, aprovadas pelos ditames da Revolução Cultural, e a enveredar por peças populares (pimba, quem sabe?); vemo-los a usar calças à boca de sino, para irritação da geração anterior; vemo-los a ir ao cinema ver filmes estrangeiros. E, no entanto, é difícil dizer que o filme se debruça "sobre" um período de grandes mudanças na China ou "sobre" um grupo de personagens, inseridos em tal contexto histórico; porque nem uma coisa nem outra nos toca ou nos convence.
Acresce que muitos planos são propositadamente longos, sem que fique claro o que é suposto ficarmos a ver (não admira que se ultrapassem as três horas de filme, na primeira versão). A câmara roda e às vezes estão algumas pessoas dentro do enquadramento. Parece-me que este modelo de cinema vai demasiado para lá do que se pode considerar "deixar espaços para o espectador preencher". Jia opta por uma aproximação "naturalista" pouco interessante, mesmo para grande parte dos habituais apreciadores do cinema de autor asiático, frequentadores de salas pequenas, em sessões com uma dezena de pessoas.
A expressão "zhàn tái" terá um sentido duplo: estar numa gare de comboio à espera de iniciar nova viagem, ilustrando metaforicamente a evolução social, a mudança, etc., mas também estar em cima de um palco. A viagem, infelizmente, é demasiado longa, o comboio é desconfortável, nem sequer há um barzinho e, ainda por cima, esquecemo-nos de trazer umas revistas.
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