Sophie (Baisho) é uma adolescente de 18 anos que trabalha na loja de chapéus da família. Na cidade ouvem-se os clamores da guerra que é travada com uma nação vizinha. Howl (Kimura), um feiticeiro bem-parecido, com fama de devorar corações de jovens belas, usa os seus poderes para tentar minorar os efeitos do conflito. Quando regressa a casa, Sophie cruza-se com Howl, mas o encontro é registado pela Bruxa do Nada (Miwa), que, movida por ciúmes, a faz envelhecer até aos 90 anos. Sophie enfrenta a sua nova condição geriátrica e parte à procura de quem a ajude a recuperar a juventude, prestando-se a trabalhar arduamente como criada, apesar de ter já ultrapassado em três ou quatro décadas a idade a partir da qual a maioria dos portugueses preferia estar reformado.
Um novo filme de Miyazaki Hayao — que, felizmente, não se reformou aos 60 anos —, é sempre recebido com enorme expectativa por todos aqueles que conhecem a sua obra. Quem aprecia animação de qualidade também não pode deixar de se entusiasmar com a possibilidade de ver esta obra no grande ecrã, numa altura em que a animação tradicional tem cada vez menos presença no circuito comercial.
Miyazaki não procurou surpreender ninguém com «O Castelo Andante». O filme é adaptado da obra “How'l Moving Castle” (1986), da escritora britânica Diana Wynne Jones, mas é uma entrada que se mescla na perfeição na filmografia do realizador japonês.
Haverá quem considere o novo filme demasiado “coerente” com a obra que o precede. Mesmo ignorando a coincidência de ser o terceiro filme com a palavra “castelo” no título 1, ressalta o facto das personagens, a estrutura e os motores do conflito poderem ter sido simplesmente reaproveitados e adaptados para as linhas gerais do livro de Wynne Jones.
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Depois de conhecer o sedutor Howl, Sophie é enfeitiçada por uma bruxa ciumenta. |
O cenário de uma nação num passado abstracto ou alternativo da Europa tem surgido ao longo da obra do co-fundador do Studio Ghibli. Em «Lupin III: The Castle of Cagliostro» (1979), «Laputa: Castle in the Sky» (1986), «Kiki's Delivery Service» (1989) e «Porco Rosso» (1992). Mulheres jovens, fortes e determinadas protagonizam «Nausicäa of the Valley of the Winds» (1984) e «Mononoke Hime» (1997), com versões mais jovens em «Kiki's Delivery Service», «Tonari no Totoro» (1988) e «A Viagem de Chihiro» (2001) 2.
As consequências negativas da intervenção do Homem no meio ambiente, contribuindo para o seu desequilíbrio ou até aniquilação (no caso de «Nausicäa»), é outro dos temas fortes do cinema de Miyazaki Hayao. A guerra e a procura pelo poder também tem marcado presença, ainda que o realizador tenha evitado utilizar “vilões” estereotipados. Aqui, tal como em «A Viagem de Chihiro» e na generalidade dos seus filmes — com excepção de «Lupin III» e «Laputa» —, dificilmente se pode empregar esse termo sem uma pausa para reflexão.
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Calcifer, uma criatura de fogo, é, ao mesmo tempo, o piloto e o motor do castelo de Howl. |
A troca da cidade pelo campo representa a negação da intervenção desregrada do Homem na Natureza e o abraçar de um modo de vida mais em harmonia com o mundo natural. A viagem de Sophie é, portanto, simbólica. Tal como o foi, também, a de Chihiro, a menina mimada da cidade. O cenário idílico do fascinante «Totoro» — quem sabe, o melhor filme infantil de sempre —, é, todo ele, uma ode à vida equilibrada, um voltar de costas ao stress das grandes cidades.
Estas preocupações e a dicotomia Homem-Natureza não têm reflexo somente na obra do realizador de «A Viagem de Chihiro», mas são uma constante na obra Ghibli, como se pode constatar, por exemplo, por outros dois grandes filmes, assinados por Takahata Isao: «Only Yesterday» (1991) e «Pom Poko» (1994).
Reconhecemos a paternidade da obra pelos primeiros frames que vemos no ecrã, acompanhados pela música do fiel colaborador Hisaishi Jo. Mas em que medida é que «Hauro no Ugoku Shiro» deixa o conhecedor da obra de Miyazaki com a impressão de estar a consumir um produto requentado?
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Cabeça de Nabo é uma das personagens que ajuda Sophie, ao longo de um percurso atribulado. |
A sensação de voltarmos a um local familiar do qual gostamos muito é naturalmente positiva. As personagens também não nos são estranhas, nem o seu “humanismo” — condição que o director do Festival de Veneza, Marco Müller, salientou para justificar o Leão de Ouro pela carreira que entregou a Miyazaki. Não poderíamos imaginar Sophie a ser motivada por vingança ou a sentir ódio por quem a enfeitiçou; pratica, ao invés, a compaixão perante os que a prejudicaram (um princípio do budismo).
É no segmento final que sentimos que há algo que não flúi naturalmente. Depois de momentos muito similares ao filme anterior, com a caminhada da bruxa, do cão e da “jovem”, paralela à sequência em que Chihiro é acompanhada pelo “Sem Face” e outras criaturas enfeitiçadas, chegamos a um final abrupto, sem uma conclusão satisfatória. A personagem de Madame Suliman expõe motivações pouco convincentes, revelando-se uma simples peça ao serviço do argumento.
Ainda assim, um Miyazaki "menor" continua a ser um bom filme e a requerer aspas. As oportunidades de ver animação de qualidade nos ecrãs de cinema portugueses não se podem desperdiçar por razão alguma; tais títulos são raros por cá e se não forem falados em inglês mais raros são.
Talvez seja irrealista esperar que algum distribuidor decida arriscar estrear anime de outra natureza 3, sem o potencial de apelar tanto a crianças como adultos; obras que dificilmente seriam classificadas para todos os públicos, ao nível da sequela de «Ghost in the Shell» ou de «Steamboy», cujos realizadores terão renome, mesmo entre nós, para justificar mais que um directo-para-DVD.
(1) Precedido por «Lupin III: Cagliostro no Shiro» [«Lupin III: The Castle of Cagliostro»] (1979) e «Tenku no Shiro Laputa» [«Laputa: Castle in the Sky»] (1986).
(2) San não será tecnicamente a protagonista de «Mononoke Hime», mas tal é, pelo menos, discutível.
(3) Não, não nos esquecemos que a New Age Entertaiment apostou em «Interstella 55555» (2003). |