Majo no Takkyubin [Kiki's Delivery Service]
VHS dobrado em português: Kiki, Aprendiz de Feiticeira
魔女の宅急便
Realizado por Miyazaki Hayao
Japão, 1989 Cor – 103 min.
Com as vozes de Takayama Minami, Nobusawa Mieko, Sakuma Rei, Toda Keiko, Kato Haruko, Yamaguchi Kappei, Miura Koichi, Seki Hiroko
drama comédia aventura anime animação fantasia
Capa DVD
Kiki (Takayama) tem 13 anos e vive numa pequena aldeia do anterior. Sendo filha de feiticeira, diz a tradição que é chegada a altura de abandonar o lar e procurar uma nova cidade onde começar a sua vida activa. Aproveitando a lua cheia e a previsão de bom tempo, Kiki despede-se da família e dos amigos, sobe na vassoura da mãe e levanta voo na direcção do céu estrelado, na companhia do seu gatinho falante, Jiji (Sakuma). Depois de uma viagem algo atribulada, encontra uma cidade à beira-mar que lhe parece perfeita onde, pouco depois, se estabelece na padaria de Osono (Toda), com um serviço de entregas expresso.

«Majo no Takkyubin» foi adaptado por Miyazaki de um livro de Kadono Eiko. A produção viveu alguns momentos mais difíceis quando a autora de literatura infantil se mostrou pouco satisfeita com as mudanças propostas ao texto original – que incluem, por exemplo, toda a acção do segmento final – e quando uma empresa de entregas ao domicílio não achou muita graça às semelhanças do nome e do símbolo da actividade de Kiki. Tudo se resolveu, tanto no que toca à adaptação da história, como quanto à utilização das semelhanças gráficas e do nome da empresa, que se tornou um patrocinador do filme (e, certamente, não se terá arrependido).

«Kiki's Delivery Service» foi editado em Portugal em vídeo, numa versão que teve como base a adaptação americana da Disney, a qual constituiu um sucesso no mercado de venda directa e aluguer nos EUA – apesar dos protestos de algumas associações preocupadas com a bruxaria que a Disney teima em espalhar para perverter a mente das criancinhas desde há várias décadas –, sendo estranho que a companhia não tenha concebido uma estratégia para lançamentos atempados dos outros filmes integrados no pacote negociado com a Tokuma, casa-mãe do estúdio de Miyazaki e Takahata Isao; começam agora a sair em DVD os primeiros títulos, aproveitando o sucesso – mais de crítica do que de bilheteiras –, de «A Viagem de Chihiro» («Spirited Away», na versão Disney). Este título juntou-se a «O Porquinho Aviador» («Kurenai no Buta» [Porco Rosso]) e a «O Meu Vizinho Totoro» («Tonari no Totoro»), no que toca a obras de Miyazaki disponíveis entre nós, em versões que consideram apenas o público infantil em idade pré-escolar, apesar de ser notório que existe há muito tempo entre nós uma faixa considerável de fãs de animação japonesa, que se interessam por muito mais do que tentáculos ou combates de robots gigantes. A justiça irá ser feita quando a New Age Entertainment, que acabou de colocar «A Viagem de Chihiro» (2001) nas nossas salas de cinema, começar a disponibilizar os filmes de Miyazaki (a que se juntarão outros do Studio Ghibli) no mercado de vídeo e DVD.

«Kiki's Delivery Service», com que Miyazaki Hayao, seguiu a sua obra mais simples e "infantil", «Tonari no Totoro» (1988), debruça-se sobre problemas de integração dos adolescentes – e mais especificamente das meninas a entrar na adolescência – no meio social, apresentando uma personagem que tem de começar muito cedo a provar que consegue ser independente. Este cenário poderá não ser visto com bons olhos por analistas pedagogos, pois, afinal, a menina tem apenas 13 anos e, em vez de andar no liceu vai viver sozinha e começa logo a trabalhar. Claro que temos de ter em conta que estamos num mundo de fantasia, onde uma pequena bruxa é vista com curiosidade – são conhecidas, mas são poucas – mas não com particular espanto, e num local que se assemelha a um país europeu, nos anos 50, mas que se integra num passado alternativo (que não viveu Segunda Guerra Mundial), permitindo maior liberdade criativa.

Os amigos de Kiki: Tombo, Osono e o marido

O importante no filme é o percurso de Kiki e o modo como ela tem de encontrar dentro de si a força para resistir e ultrapassar os obstáculos que se lhe deparam, ganhar confiança em si mesma, e tentar compreender as mudanças físicas e mentais que assolam todos os adolescentes, ainda que Miyazaki costume refutar quaisquer preocupações em elaborar mensagens profundas ou lições de moral para a sua audiência. As personagens muito bem delineadas são novamente mais importantes do que as situações e o desenvolvimento narrativo é interno e não fundado em conflitos externos, contra entidades ou personagens colocadas em oposição à protagonista. Miyazaki não está propriamente a fazer cinema de "arte e ensaio", mas entretenimento – e entretenimento mais puro não há –, daí que engendre um clímax emocionante e com alguma espectacularidade, que permite conceber mais algumas aparatosas cenas de acção aéreas, com Kiki montada numa vassoura.

Kiki com Ursula e às compras com Jiji: uma piscadela de olho ao merchandising, inocente ou irónica?

A acção do final não surge da mera necessidade de transmitir emoções fortes ao público, mas também como modo de encerrar o ciclo de amadurecimento e de descoberta por parte da protagonista, que, quando a isso é forçada, tem de encontrar uma solução para o seu bloqueio e vencer a melancolia incompreensível que a assola. Um momento que tem algum paralelo com as situações vividas por todos os que se dedicam a uma actividade criativa, seja a escrita ou as artes, quando ficam estáticos, a olhar fixamente para uma folha em branco, ilustrado pelos conselhos da amiga de Kiki, Ursula [1]. Sem querer estar a rebuscar comparações com filmes como «Barton Fink», dos irmãos Coen, ou o mais recente «Adaptation» de Spike Jonze e Charles Kauffman, o dilema que se coloca a Kiki, é muitas vezes apresentado em modo caricatura ou cliché em filmes dos mais variados géneros (o polícia que não consegue disparar ou a personagem com uma fobia que a tem de resolver no final, para assim salvar o dia), mas pode funcionar sempre que nos conseguirem convencer que o comportamento é coerente com a personagem e não se decalcam diálogos, situações e mecanismos dramáticos automatizados e já por demais vistos.

Por certo, o cinema de Miyazaki não se coaduna com mistérios e surpresas, mas as suas histórias, por mais "simples" que se nos afiram, encerram um arco emocional perfeito, tornando-se irrelevante que o texto não transpire propriamente "originalidade". Sobrepõe-se a força da arte, a "representação" das personagens e a sinceridade dos diálogos, mais que suficientes para nos deixarem com um leve sorriso idiota, ou, quem sabe, em alguns momentos, e dependendo do estado de espírito, com uma qualquer irritação alérgica no canto do olho.

5

[1] Miyazaki estabeleceu paralelos entre a personagem e os jovens animadores que vão para Tóquio à procura de trabalho (cfr., novamente, “Hayao Miyazaki Master of Japanese Animation”, de Helen McCarthy, Stone Bridge Press)

Disponível em DVD duplo de Hong Kong (IVL, R3), com todo o filme em storyboards no segundo disco (som cantonês), para além de trailers. Anamórfico, Dolby 2.0. DVD nacional pela New Age Entertainment sem data definida.

publicado online em 4/03/03

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