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5. Tailândia

Três filmes da Tailândia integraram o programa do festival, um número que parece, à primeira vista, muito reduzido para representar a produção deste território. Em 2003, produziram-se 48 filmes, um acréscimo considerável face aos 22 do ano anterior. Os títulos mais falados do ano passado foram «Ong Bak», que não terá passado no festival por falta de autorização do titular dos direitos de distribuição (a EuropaCorp., de Luc Besson), e «Last Life in the Universe», de Penek Ratanaruang, que passou por Veneza onde valeu um prémio de interpretação ao actor japonês Asano Tadanobu. «Sud Pralad», de Apichatpong Weerasethakul, uma co-produção com a França, já de 2004, integrou a selecção oficial de Cannes. Infelizmente, os sinais do dinamismo de uma cinematografia distante parecem surgir no Ocidente das piores maneiras: com as versões light para consumo ocidental de Besson para «Ong Bak» ou de Coppola para «The Legend of Suriyothai».

Beautiful Boxer
O contraste entre a violência e a sensibilidade feminina, na imagem que compõe o poster de «Beautiful Boxer».
De acordo com o texto no catálogo — assinado por Anchalee Chaiwaraporn —, para lá dos dois títulos referidos anteriormente, houve apenas mais um filme a ser exibido em festivais internacionais (antes de Cannes e Udine): «One Night Husband», de Pimpara Towika, que vimos em Deauville, no ano passado. Chaiwaraporn também sugere a razão pela qual «Sayew» foi retirado à última hora de Deauville: os produtores apostaram no high profile de Berlim e Cannes, mas o filme acabou por ser rejeitado por ambos os festivais. Este número reduzido sugere-nos, afinal, que ver três filmes tailandeses de uma só vez não nos pode saber a pouco. É uma cinematografia que, aparte a alternativa da importação de títulos em DVD (que pena a produção local ser ainda de qualidade muito limitada), chega a conta-gotas ao Ocidente.

Os três títulos que vimos são tão diversos em registo quanto em mérito artístico. «Beautiful Boxer» acaba por ser o mais sério do lote, ainda que a sua premissa — um rapaz que quer mudar de sexo e que usa o boxe Muay Thai como plataforma para esse objectivo — pudesse sugerir que se tratava de uma comédia travestida ligeira. «Beautiful Boxer» tem cenas de acção frequentes, sobretudo dentro dos ringues, às medida que o protagonista, Nong Tum, ascende na carreira de lutador de boxe tailandês. O que poderá surpreender alguns é o facto da história se basear em factos reais. Nong Tum sempre se sentiu uma mulher num corpo de homem, preferindo brincar com estojos de maquilhagem a praticar desporto com os outros miúdos. Isso não impediu que revelasse aptidão para o boxe Muay Thai e o filme explora o contraste entre a sensibilidade feminina do protagonista e a violência dos combates. Quem quiser ver apenas uma fita de acção poderá sair decepcionado, porque o filme de Ekachai Uekrongtham dedica-se sobretudo a explorar o drama humano da personagem central, a partir das dificuldades de aceitação pela sua pequena comunidade rural.

The Bodyguard
Mum Jokmok é actor, realizador e stripper em «The Bodyguard».
«The Bodyguard», por outro lado, é um filme de acção puro. A direcção é de Petchtai Wongkamlao, que é também o actor principal e o guarda-costas do título — creditado no elenco como Mum Jokmok. Jokmok era o “amigo” de Panom Yeerum em «Ong Bak», de onde trouxe ainda a actriz Pumwaree Yodkamol. O elenco providencia um valor acrescentado para as audiências locais que nos passará ao lado, pois está repleto de rostos conhecidos localmente. Um dos cameos incontornáveis, no entanto, é o da estrela de «Ong Bak», que surge apenas por uma cena de grande impacto (mas nada ao nível desse filme). Não há muito que se possa assemelhar a um argumento coerente, mas também não estávamos assim tão ávidos por tal coisa depois dos aparatosos dez minutos da abertura, com um tiroteio infindável, cheio de pirotecnias e as mais absurdas acrobacias que não são, de todo, para levar a sério. Há uma pausa para comédia muito tola, uma perseguição a um protagonista nu, protegido apenas por uma pequena tigela, e um segmento muito insípido, quando o menino rico escapa a uma tentativa de homicídio e descobre os prazeres de viver no seio de uma família desfavorecida. As coisas voltam a aquecer para o final, com uma sequência de duelos tão aparatosos quando disparatados. Besson já deve estar a esfregar as mãos, pensando que com menos meia horita e um score rap o filme poderia funcionar muito bem no Ocidente.

Comédia de acção com a assinatura de Petchtai Wongkumlao, aka Mum Jokmok, um famoso comediante tailandês que aqui, para além de estar por detrás das câmaras, desempenha o papel de um guarda-costas caído em desgraça após permitir o assassinato do seu patrão. Obviamente, foi uma cilada e Mum Jokmok vai voltar por cima. Para isso, oferece-nos sequências de acção a zombar com «A Better Tomorrow», combates de artes marciais de diversos estilos e um cameo de Tony Jaa, o protagonista do trepidante «Ong Bak». Lançado na Tailândia em Janeiro deste ano. Apesar dos sorrisos de gozo de grande parte da assistência, é puro divertimento sem ausência de "panache". HFG.

Keka
«Buppha Ratree» começa como drama romântico e termina como comédia de exorcismos.
Também razoavelmente entertaining, «Buppha Rathree» é um drama romântico sobre uma moça rejeitada por um rapaz com poucos escrúpulos, que se converte rapidamente num filme de fantasmas. Os desequilíbrios no tom do filme são notórios, mas há um ou outro quadro com alguma graça, como as várias tentativas de exorcismo e as imensas referências cinematográficas (a óbvia ao «Exorcista», outras menos óbvias, para nós, ao cinema local). Para uma sessão da meia-noite, precisaríamos de algo mais para nos manter plenamente acordados.




6. Filipinas

No final dos anos 90, as Filipinas chegaram a concorrer em termos de volume de produção com Hong Kong, numa altura em que estreavam no território entre 100 e 200 filmes nacionais por ano. Noel Vera, num ensaio publicado no catálogo do FEFF, cita a previsão para este ano da Associação de Realizadores das Filipinas: 40 títulos. De acordo com Vera, a crise actual da indústria decorre de um complexo conjunto de factores, onde se inclui a instabilidade política, a queda do peso, o aumento da censura e as elevadas taxas de imposto aplicadas à produção cinematográfica (quase 30%). O cinema local já dominou as bilheteiras, mas em 2002 ficou-se por uma quota de 10% do mercado.

Apesar dos impostos elevados, um pouco difíceis de conceber por quem está mais habituado ao apoio estatal ao cinema local do que à respectiva taxação, existe nas Filipinas uma iniciativa invulgar e que em muito contribui para suster a produção de cinema no território: O Metro Manila Film Festival, realizado na região metropolitana da capital filipina (a 18ª maior área metropolitana do mundo). Durante o período em que este evento decorre — do Natal até à primeira semana de Janeiro — as salas de cinema exibem somente filmes filipinos. Imagine-se algo similar em Portugal: durante duas semanas, na zona de Lisboa ou do Porto, quem quer que fosse ao cinema só poderia escolher de entre uma dezena de filmes portugueses.

Keka
«Keka», uma história de vingança onde há tempo para um número musical.
Foram exibidos três títulos das Filipinas: «Gagamboy», «Keka» e «Bridal Shower». Este último não tivemos a oportunidade de ver, mas, pelo que nos disseram, não era exactamente imprescindível. A cópia de «Keka» aparentava décadas de uso, ainda que o filme seja de 2003. O título, que não tem qualquer relação com calão português, é o nome da protagonista, que envereda por um caminho de vingança, até eliminar todos aqueles que assassinaram o namorado. Devido a uma terrível coincidência (não nos preocupamos, de facto, com isso), acabará por se cruzar com o polícia que investiga os casos de homicídio e — quem diria? — os dois vão-se apaixonar. Trata-se de comédia muito tola, que não se leva a sério e cujo ponto alto é um spoof à tendência dos filmes filipinos terminarem com um happy end seguindo-se a um número de dança e cantigas. Pelo menos numa ocasião registámos vestígios da censura local, quando Keka empunhava uma lâmina contra uma das suas vítimas.

Gagamboy
O arqui-inimigo do "Rapaz-Aranha" é o repelente "Homem-Barata".
O filipino Erik Matti dirige a versão musical de “Homem Aranha”, com o dançarino Vhong Navarro. Se o superherói da Marvel dispara teias das mãos para bloquear os inimigos, Gagamboy ("rapaz-aranha" em idioma original) produz uma substância viscosa que transforma em objecto de arremesso. Uma série Z para acabar de vez com todas as inocências. Divertido a espaços. HFG.

«Gagamboy» foi apresentado numa sessão da meia-noite, onde se ajustou muito bem. Acompanhamos as aventuras e as tolices de um jovem que, bem, é mordido por uma aranha radioactiva. Supomos que existem variações suficientes para que Stan Lee não processe a produtora, mas, em todo o caso, é tudo na galhofa. Desde logo, o arqui-inimigo de Gagamboy é o único, o incomparável, o repulsivo Homem-Barata. Boa parte do orçamento foi para a caracterização do vilão, mas o resto dos efeitos até não se saem muito mal, em particular quando se mostra o super-herói a fazer algumas proezas, como subir paredes, a lutar contra a Barata ou quando se engalfinha numa vampira que ia por ali a passar.



Palmarés

Kang Je-gyu
Kang Je-gyu com o prémio por «Taegeukgi», no final do FEFF.
O festival atribui três prémios, baseados na votação do público, através de um boletim, a ser depositado no hall do Teatro Nuovo, onde se classifica, de um a cinco, os títulos em competição. Os vencedores deste ano foram, por ordem decrescente e com a pontuação média entre parêntesis: «The Twilight Samurai» (4,31) «Taegukgi» (4,17) e «Nuan» (4,05). Este último foi, hélas, um dos poucos títulos em competição a que não assistimos.

A contagem final dos votos foi efectuada depois da projecção de «Taegukgi». Durante esse período, o festival oferece ao presentes bolinhos e espumante. Minutos depois, no meio de uma atmosfera invulgarmente acolhedora, é dado o sinal de início de mais uma sessão, onde os prémios são anunciados. De entre os cineastas premiados, o único presente em Udine era Kang Je-gyu, realizador de «Taegukgi», que subiu ao palco para receber o prémio. Seguiu-se nova projecção do grande vencedor: «The Twilight Samurai», de Yamada Yoji.

Assim terminou o 6º FEFF, o nosso primeiro. Para o ano esperamos poder estar de volta, para mais uma mostra essencial da produção recente de cinema asiático.

Agradecimentos à organização do Far East Film, em especial a Francesco Novello.

7/06/04

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Capítulos
Encontros
1. China
2. Hong Kong
3. Japão
4. Coreia do Sul
5. Tailândia
6. Filipinas
1. Japão - Ichikawa Jun e Kaneko Fuminori
2. Coreia do Sul - Bong Man-dae e Lee Eon-hee
3. China - Zhou Xun e Li Shaohong
4. Final - Johnnie To, Wai Ka-fai, Pang Ho-cheung,
Motohiro Katsuyuki e Kang Je-gyu
cinedie asia © copyright Luis Canau.