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Udine 2004
Incontri: Cinema Coreano
Com Bong Man-dae e Lee Eon-hee. Terça-feira, 27 de Abril.

O único encontro exclusivamente dedicado a cineastas da Coreia do Sul juntou na mesma sala a realizadora de «...ing», Lee Eong-hee, e Bong Man-dae, célebre “realizador de pornografia” — soft-core, uma vez que o termo é usado num sentido muito lato na língua inglesa —, que trouxe a Udine a sua estreia no cinema mainstream: «Sweet Sex and Love». A discussão foi moderada por Darcy Paquet, correspondente da revista Screen International e responsável pela selecção de títulos sul-coreanos apresentados no festival, que conseguiu balançar habilmente o diálogo com dois cineastas que traziam duas propostas de cinema radicalmente diferentes. Para a elaboração deste registo, pareceu-nos melhor separar as águas o mais possível.

Incontri Cinema Coreano

Darcy Paquet começou por salientar o contraste entre os dois filmes dos realizadores presentes, afirmando, no entanto, terem em comum uma visão muito séria sobre relações entre pessoas. «Sweet Sex and Love», diríamos, ilustra muito a sério relações entre pessoas.

A jovem realizadora Lee Eon-hee apresentou «...ing», explicando que o peculiar título — que se pronuncia “ái-éne-dji” — refere-se ao presente progressivo em inglês (nós chamamos-lhe gerúndio). É a história de uma rapariga que vive sozinha com a mãe e que sofre de uma doença aparentemente incurável. Desenvolve-se também a potencial ligação amorosa com um rapaz que ela acaba de conhecer, mas o que mais se destaca nesta obra é a relação entre a mãe e filha, tratada de modo pouco convencional no âmbito da tradicionalista cultura sul-coreana, como Paquet refere no texto que assina no catálogo. Apesar do registo pender para a lágrima rolante, Lee disse que estava interessada sobretudo em apresentar relações entre pessoas de forma positiva: “a mãe faz tudo pela filha, de modo a deixar-lhe um conjunto de memórias felizes”.

Lee, Eon-hee
Lee Eon-hee, realizadora de «...ing».
Pegando no tema dos rótulos de género, o moderador pediu a Lee que se pronunciasse sobre a importância do melodrama no contexto do cinema sul-coreano recente, citando títulos como «Christmas in August» e «One Fine Spring Day» e se considerava que «... ing» podia ser arrumado numa prateleira ao lado desses filmes. A realizadora afirmou não ter investido conscientemente no género: “o típico carácter melodramático não ocupa muito espaço do meu filme. O importante foi o desenvolvimento da relação mãe-filha. As características “melodramáticas” do filme desenvolvem-se naturalmente, a partir desse ponto de partida. O género, ou o rótulo “melodrama”, são mais importantes num contexto de marketting para vender o filme às audiências”. Lee faria uma ressalva para que não ficássemos com a ideia de que o “rótulo” era um engodo, uma forma de vender gato por lebre; trata-se, tão só, de uma forma mais fácil e directa de publicitar a obra.

Paquet encerrou a temática do rótulos, com uma observação curiosa: nos dias que correm, há uma tendência para existir cada vez menos melodrama nos filmes coreanos assim classificados, enquanto os filme de acçãos se revelam cada vez mais melodramáticos.

Lee, Eon-hee
Darcy Paquet traduz uma pergunta para Lee.
Lee formou-se na escola de cinema e trabalhou em várias actividades no campo da 7ª Arte, antes de ter tido a oportunidade de dirigir a sua primeira obra. “Acho que tive muita sorte por ter podido fazer o meu primeiro filme tão nova”, afirmou. As dificuldades de financiamento são similares em todo o mundo. “Os financiadores não colocam de ânimo leve muito dinheiro nas mãos de um realizador inexperiente. Tal acaba sempre por ser uma aposta e um risco, de modo que é natural que o orçamento de um primeiro filme seja muito limitado. Mas mais importante do que o orçamento e o tamanho da distribuidora é a qualidade do filme”, diria, a concluir.

Planos para o futuro? Depois de regressar à Coreia, Lee Eon-hee vai reflectir sobre qual será o seu próximo projecto. Deseja, para si mesma, tornar-se uma pessoa mais sábia, mantendo sempre a mente aberta, e vir ter a possibilidade de dirigir filmes que a façam crescer e tornem mais madura, contribuindo, de igual modo, para o crescimento das pessoas que os vejam. Porque um filme não é só entretenimento.

Do drama sensível de «...ing» para a sexploitation de «Sweet Sex and Love».

Bong, Man-dae
Bong Man-dae: um "pornógrafo" mais próximo da respeitabilidade.
Bong Man-dae quis contar “uma história fora do comum, um caso de amor insólito, baseado numa relação física e não emocional". Acrescentaríamos que o contrário talvez não ajudasse à rodagem de um filme que se pretendia com uma carga erótica muito forte. Esta é a sua primeira obra mainstream, depois de uma carreira onde se incluem 15 DVs de temática soft-core. A fronteira entre o erotismo e a pornografia esteve sempre presente na sua mente, com referência ao italiano Tinto Brass (que se iria juntar a Bong no palco do Teatro Nuovo, dois dias depois). O realizador de «Sweet Sex and Love» afirmou ter pretendido superar o obstáculo que constitui essa divisória, tentando levar ao limite aquilo que é admissível num filme “erótico”. Que imagens e que situações são admitidas antes de colocarmos o rótulo de “pornografia” num filme?

Questionado se se sentia ofendido com o rótulo de “ex-porno director”, Bong Man-dae respondeu, muito divertido, “no no no no!”. “Porno é uma palavra difícil de entender. Na Coreia estes filmes são rotulados como “Eros”. Eu estou satisfeito com os rótulos e estou perto de perceber... Depois de entender o termo “sexo” e “erotismo” estou próximo de alcançar o significado do termo “porno”. A pergunta seguinte, sobre quais as fontes de inspiração para rodar filmes “sexy”, provocou algumas gargalhadas ao realizador, que viria a responder que a inspiração surge provavelmente de situações da sua vida diária e do modo como cresceu.

Filme e vídeo são meios diversos e Bong referiu-se aos diferentes modos de trabalho, mas também ao grau de impacto junto das audiências, decorrente do consumo doméstico do vídeo, por oposição ao consumo num ambiente social de um filme. Tinto Brass é alguém com uma carreira constituída por obras registadas em ambos os meios e que tem passado de um para outro sem quaisquer problemas de adaptação. “O filme projectado em sala tem necessariamente um poder superior enquanto media”, concluiu.

Bong disse conhecer alguns filmes de Brass e falou das dificuldades de ver cinema que não fosse de Hollywood durante a sua juventude. A situação não é radicalmente diversa da presente, nos termos em que é mais difícil aceder ao cinema europeu do que ao americano. A censura é outra questão; só recentemente viu a versão original do célebre sexploitation «Calígula», pois a versão sul-coreana estava repleta de cortes.

Bong, Man-dae
O tópico levantado do posicionamento do vídeo no seio da indústria cinematográfica e o sistema de censura que afecta essas produções levou o realizador a discorrer sobre a evolução do meio, desde finais dos anos 80. “Com o crescimento da indústria cinematográfica e dos orçamentos dos filmes é natural que os independentes se virem para meios mais económicos. Nos anos 80, os VCRs eram muito populares e na altura produziam-se muitos filmes eróticos em vídeo. Recorria-se também à película de 16mm, ao Betacam e, mais recentemente, ao DV. Ontem e hoje, é o orçamento que define o meio usado.

A censura no cinema sul-coreano, tem estado a tornar-se mais ligeira, explicou Darcy Paquet, mas todos os filmes continuam a ter de ser aprovados previamente à respectiva exibição ou distribuição vídeo. Muitos filmes comerciais são bastante explícitos, no que toca a apresentação de cenas de sexo, de modo que o fosso que separa os vídeos eróticos do cinema sul-coreano dito respeitável não é tão grande como alguns poderão supor. Para Paquet, no plano estético, as diferenças também não são necessariamente radicais e Bong é um realizador que as veio questionar ou diluir com os seus filmes.

Bong Man-dae referiu-se à dificuldade em encontrar actores adequados para exprimir a sua visão. O maior ou menor sucesso artístico de um filme deve-se ao conjunto do trabalho do realizador e dos actores e, neste âmbito, Bong considera a sua obra muito bem sucedida (“a 99%”). Mas outra das dificuldades na selecção dos actores, no género onde se insere «Sweet Sex and Love» é, naturalmente, a maior ou menor disposição dos candidatos em mostrarem os corpos (e em que ângulos permitem a posição da câmara...).

Encontro Cinema Coreano
Em relação a planos para o futuro da sua carreira de realizador, Bong mostrou-se optimista. Afinal havia desejado ser realizador antes dos 30, o que conseguiu, ainda que no mercado de DV; apontou para a produção de uma longa metragem em película antes dos 35 e veio a realizá-la aos 33. Agora quer ser “mestre”, fazer a sua obra-prima antes dos 40, e ser conhecido pelo grande público. E viver em Itália depois dos 40, acrescentou. “Sempre fiz planos e tentei segui-los. Espero que a minha presença em Itália neste momento seja um sinal de que estou nesse caminho.


Fotos: Pedro Oliveira

20/05/2004



Udine 2004
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