Sitges 2007 - 40º Festival Internacional de Cinema de Catalunya

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Sitges 2007
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II — Filmes

1. Fantástico em Espanhol

A equipa técnica e artística de «Aparecidos» esteve no palco do Auditori para apresentar o filme.
Os filmes espanhóis, em particular as produções catalãs têm um lugar reservado em Sitges e geram sempre uma simpatia especial por parte da audiência que os recebe calorosamente – mesmo quando não se está perante grandes obras de cinema. Compreende-se o apoio prestado pelas audiências ao cinema local. Não é algo essencial numa indústria digna desse nome? E, em todo o caso, por muito que alguns desses filmes, efusivamente aplaudidos, me tenham deixado indiferente, são obras bem executadas e com consideráveis valores de produção. Não são palmadinhas nas costas pelo mero esforço de amadores. Longe disso.
«Aparecidos»: o realizador Paco Cabezas e a actriz Ruth Díaz.
«Aparecidos» (Premiere), de Paco Cabeças, insere-se num conjunto de obras de terror que, além do entretenimento associado ao género (tensão, sustos, gore) pretende também tecer comentários sobre uma realidade política ainda muito presente na mente de espanhóis (bom, ibéricos) e sul-americanos (o fascismo), construindo, assim, em seu redor, toda uma aura de “relevância” que não atribuímos aos “simples” filmes de terror. Os franceses «À L'Interieur» e «Frontière(s)», de certa forma, fazem parte desse conjunto, mas «Aparecidos» associar-se-ia mais com os dois de Gillermo del Toro no cenário da Guerra Civil Espanhola – «El Espinazo del Diablo» e «El Laberinto del Fauno» –, pois os primeiros usam a situação política actual como ponto de partida ou em fundo, enquanto «Aparecidos», tal como os filmes de Del Toro, mistura efectivamente um cenário de perseguições políticas e tortura com a linha narrativa convencional (ou, até, banal) de um filme de terror.

Por outro lado, o filme de Cabeças, rodado na Argentina, só se pode comparar com os de Del Toro em termos de concepção base, porquanto permanece um filme de terror não muito imaginativo, com a particularidade de que o típico “mistério” está associado aos tempos da ditadura argentina e a um “monstro” torturador. I.e., não o consideraria, como «O Labirinto do Fauno», um filme sobre o fascismo ou sobre a perseguição política. Acrescem rotinas típicas do género, incluindo as suas incongruências, como quando um dos protagonistas vê duas pessoas acorrentadas numa carrinha, num local público, e a sua reacção não passa por gritar, chamar a atenção dos transeuntes, mas por uma tola tentativa de resgate e fuga.

«Km. 31».
Na Secção Oficial Fantàstic mostraram-se mais dois filmes no cenário da América do Sul, «Km. 31» (México/Espanha) e «Tres Minutos» (Argentina). Este último é uma espécie de história de amor, algo “perversa”, pois assenta no conceito em que algumas personagens conseguem “acelerar” no tempo, vivendo a diferentes velocidades dos restantes humanos e tornando-se invisíveis para estes. Em resultado, uma espécie de relação amorosa entre um adulto e uma miúda pré-adolescente é legitimada pela ficção científica. O conceito é curioso, mas os meios são muito limitados (além da fonte ser vídeo digital), e parece-nos um filme para TV. A componente de fantasia não é primeira preocupação, algo que o próprio realizador Diego Lublinsky comentou ao introduzir o filme na Tramuntana.

«Km. 31» é uma produção mais lustrosa, mas não será daí que vem algo de novo. Narrativamente, há algo que soe a original? Acidentes num mesmo ponto da estrada (o Km. 31), onde centenas de anos atrás... Deve chegar. Em todo o caso, não é a banalidade de um texto que condena um filme. No caso, não encontrei muito que disso me fizesse esquecer, e as interacções românticas entre as personagens pareceram-me irrelevantíssimas. Valores de produção q.b., no filme mais taquilheiro do ano no México. 3

O realizador argentino Diego Lublinsky apresentou
«Tres Minutos» na Sala Tramuntana.
Se «Tres Minutos» não era um filme sobre viagens no tempo, mas sim sobre pessoas que vivem, por momentos, a uma velocidade muito superior à dos outros, «Los Cronocrímenes» («Time Crimes» no título internacional), tem todos os elementos clássicos desse sub-género fantástico. A premissa permite que se chegue a um filme com um orçamento muito controlado, pois, ao invés de se efectuarem viagens a épocas distantes, trata-se, tão só, de uma viagem algumas horas atrás no mesmo dia. O conceito permitiria interacções curiosas da personagem principal consigo mesma e as “surpresas” do costume, quando vemos a causa de uma consequência já apresentada. No entanto, a escrita é demasiado constrangida com vista a desembocar nessas “curiosidades”, e redunda em algumas tolices com pouco sentido, que nos levam a perguntar “para quê?”

O piorzinho hecho en España foi «La Crisis Carnívora», que parecia um filme de animação simpático sobre animaizinhos vegetarianos, mas que viria a saturar com o seu humor grosseiro e déjà vu. Animação em Flash hiper-violenta é (ou foi) muito popular na Internet em formato de piada curta. O filme em causa teve de lidar com duas limitações: tratar-se de Flash (que funciona, ocasionalmente, na televisão, mas que dificilmente poderá substituir ou ser “alternativa” à animação mais cuidada e fluída em 2D ou 3D, em formatos de longa duração), e de ser uma longa-metragem, que não se sustenta com um mero acumular de piadas sangrentas (sem graça), a substituir a história. Nem com a “irreverência”, do estamo-nos nas tintas para isto tudo.

«Los Cronocrímenes»: um cientista explica aos leigos
o procedimento para gerar o tédio através da repetição.
E o melhor espanhol foi... «El Rey de la Montaña» (Fantàstic), de Gonzalo López-Gallego. É possível que se tivesse visto «[REC]» a minha opinião fosse outra, mas a minha intuição diz-me: “não, acho que não”. Introduzindo-se como uma narrativa de relações – uma mulher que não atende o telefone, uma escapadela sexual com pouco asseio – cedo se converte num jogo do gato e do rato, quando um pequeno grupo de personagens se vê na mira de uma espingarda sniper. A tensão desenrola-se sem que seja dado rosto ao mal, durante a maior parte do filme. O encontro ultrapassa as surpresas auto-importantes em que cineastas com pouca imaginação apostam quase tudo.

A “revelação” insere-se na coerência geral do filme, que aborda um tema que pode suscitar discussão sem querer (ou precisar de) tomar uma posição. Alguns planos são decalques de jogos de computador do tipo “first person shooter”, como Doom ou Unreal, sem que se invistam os enquadramentos com a estética desses jogos (bom, isso pode ser discutível, mas atenção ao termo “estética”). Para lá dessa perspectiva, afinal tão “casual”, e sem pretensões de escrever uma tese, o filme é um thriller de sobrevivência sem concessões. Dêem-nos estes thrillers minimalistas a qualquer hora, em vez de ensaios de tortura que nos provocam bocejos de tanto se esforçarem em “chocar” com mutilações “realistas”.

A terminar os espanhóis, referência ainda para a curta «Limoncello», que agrupa três histórias do Oeste, numa duração total de 22 minutos. Cada uma das curtas é dirigida por um cineasta diferente e rodada numa língua diferente. Bom, “rodada”, talvez não, pois o projecto visa ser uma espécie de homenagem a todo um género, com uma visão globalizadora, de modo que as histórias são faladas em, respectivamente, inglês, italiano e espanhol. Mas isso significa, fundamentalmente, que apenas a última não foi dobrada.

Maria Valverde em «El Rey de la Montaña».
O segmento do meio, «Dio Vi Benedica a Tutti», de Luis Alejandro Berdejo, é excelente a todos os níveis: caracterização dos actores, design de produção e originalidade do texto. «A Good Man» (Jorge Dourado) e «Rio Puerco» (Borja Cobeaga) acabam por ser pouco consideradas dada a qualidade do segmento médio, mas também porque redundam na estrutura de anedota que funciona em algumas curtas, mas não funciona em outras. No caso, trata-se sobretudo de histórias que vivem do volte-face final, e se no caso de «Rio Puerco» a punchline tem alguma graça, «A Good Man» acaba por ser apenas um mau começo, que nos empata até que chegue o que é realmente bom: o western spaghetti. O fascinante segmento “italiano” até mistura vudu com o western, mas num filme com esta duração não há muito para falar sem descrever a história toda.

O festival fez uma óptima opção de programação ao colocar «Limoncello» a preceder «Sukiyaki Western Django», de Miike Takashi, outro western de “fusão”. A nossa reacção inicial foi negativa; o Miike tem mais de duas horas e vamos ter de suportar uma curta com mais de 20? Não!

A seguir: Dentadas e Drama
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3 OK, o leitor constata que taquilheiro não parece uma palavra portuguesa e nem sequer está em itálico. Bom, taquilha é, parece, mesmo que não tenha nada que ver com cinema. Mas pode ser que pegue, assim como "película". Ninguém diz "a péli" ainda? Por exemplo, "O Planeta Terror é uma péli muita boa!" Porquê só importar termos ingleses? Os espanholismos também têm direito.

5/12/07

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