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Sitges 2007
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2.3 Ultraviolência Francesa
O novo cinema de terror francês tem apresentado algumas propostas interessantes nestes últimos anos, como «Haute Tension» (2003) ou «Calvaire» (2004). O primeiro, apresentado em Sitges há quatro anos, foi o passaporte do jovem realizador Alexandre Aja para fazer remakes em Hollywood.

«Frontière(s)».
Este ano, o festival catalão trouxe um par de filmes que deram que falar pela sua intensidade, tanto ao nivel da tensão espalhada pela plateia, como no que toca a alguns momentos de violência gráfica, nada breves, a raiar o insuportável.

Na verdade, se em Sitges há o hábito, por vezes com muito pouca graça, de se aplaudir quando surge gore no ecrã, estes dois filmes foram capazes não só de reduzir o “divertimento” da audiência, como de provocar alguns suspiros e lamentos de incredulidade.

Tanto «À L'Intérieur» como «Frontière(s)» se situam no presente, numa época de convulsões sociais em França, motivada por tensões raciais e pelo descontentamento de jovens de ascendência magrebina, desempregados ou que se sentem excluídos da sociedade. Tal está presente mais ao de leve no primeiro do que no segundo, que começa no meio do caos, com um grupo de jovens a fugir da polícia.

«À L'Intérieur» usa os acontecimentos mais como forma de situar o filme no tempo, mas integra-os no texto, de forma funcional e eficaz. A polícia está com as mãos cheias naquela noite e há um jovem argelino detido, que é transportado num veículo que, a determinada altura, se aproxima do cenário delimitado do filme: a acção, depois da introdução, circunscreve-se à casa da protagonista. Em termos cenográficos, não seria complicado adaptar o filme para uma peça de teatro, ainda que o gore fosse difícil de executar ao vivo.

«À L'Intérieur»: a frase no poster ("Abre-me a porta... que eu abro-te o ventre") será suficiente para sugerir que o filme não seja visto por mulheres grávidas.
«Frontière(s)» tem como protagonistas um grupo de jovens argelinos, mas não está particularmente preocupado em tecer comentários directos sobre o conflito social de raiz étnica. Desde logo, a opção “politicamente incorrecta” dos jovens serem criminosos. Não se manifestaram pelo que quer que fosse, antes se aproveitaram da confusão para efectuar um assalto. Quem fosse pensando que o filme tinha uma perspectiva de “direita” ao diluir a fonte da insatisfação e a dizer que “não há um conflito social, mas apenas uma questão de ordem pública”, mudaria de ideias quando entrassem em cena os verdadeiros vilões; uma família de canibais nazis, cujo patriarca é um sobrevivente do IIIº Reich.

Nos seus contornos narrativos gerais, «Frontière(s)» subsume-se aos clássicos de horror americano dos anos 70 que têm estado na moda, sobretudo através dos infindáveis remakes, como o de «Massacre no Texas», «The Hills Have Eyes» (por Alexandre Aja) ou «Halloween», apresentado também nesta edição de Sitges. Há aqui muito, sobretudo, do filme de Tobe Hooper, mas a premissa do grupo de jovens encurralados num local estranho e dizimados por uma família de freaks está longe de ser marca registada. Até nos podemos perguntar qual a necessidade de fazer versões atrás de versões do «Massacre no Texas» ao invés de, simplesmente, se fazerem filmes “parecidos”, sem terem de se colar ao franchise. (Mas não perguntamos porque até sabemos a resposta.) Os que bocejam com mais um remake não têm o mesmo peso no mercado do que os que ficam entusiasmados com mais do mesmo, em variante pós-moderna.

Gens gere bem a tensão e, apesar do extremo da violência, sentimo-la coerente com o seu filme extremo. O que destoa e chateia não é a violência “gratuita”, mas a câmara à mão docu-cliché e a montagem histérica no prólogo, e um tiroteio no final e que não está ali a fazer nada. Faz tanta falta como meia dúzia de pessoas a disparem uzis no «Massacre no Texas» original.

Alysson Paradis «À L'Intérieur»: luta por um parto natural.

Já «À L'Intérieur» é muito mais focado. Desde logo, pela duração de 80 e poucos minutos e a circunscrição do cenário ao lar da vítima, uma jovem fotógrafa grávida (Alysson Paradis), que decide passar a véspera de Natal sozinha, com o parto marcado para o dia seguinte. Nessa noite, é visitada por uma psicótica (Béatrice Dale). O que se segue, deve ser descrito com cautela. Não se trata de um filme onde as “revelações” sejam relevantes; procura-se, ao invés, distilar o horror puro, com base numa vítima presa na sua própria casa – o local onde temos tendência a sentir-nos mais seguros (o bunker de qualquer agoráfobo que se preze). A tensão e o desespero acumulam-se e as explosões de violência assumem uma ressonância invulgar. O final é brutal, mas, ao mesmo tempo, de uma bizarra beleza e estética em tons de vermelho.

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5/12/07

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