Os To (Lau e Cheng) são um casal de ladrões refinados, que se dedicam a furtar peças caras de joalharia e arte. Fazem-no apenas pelo gozo, não pelo dinheiro; afinal são dos cidadãos mais ricos de Hong Kong. Depois de mais um golpe, ela desconfia da parte que lhe é atribuída. Ele, menos ávido pela partilha do saque, cede-lhe, mas pede o divórcio. Algum tempo depois, ela pretende casar com um rico herdeiro (Ng), como forma de pôr as mãos num colar valioso. O ex-marido toma conhecimento e decide voltar ao activo.
«Yesterday Once More» foi o terceiro título dirigido por Johnnie To Kei-fung em 2004, depois de «Breaking News» e «Throw Down», e é — para eliminar qualquer espécie de "suspense" sobre a apreciação deste texto —, claramente, o pior dos três. É também o único marcadamente comercial, fabricado para o mercado, para consumo rápido e para obter resultados de bilheteira à conta dos nomes das duas super-estrelas que encabeçam o elenco. O problema, claro, não é o filme ser comercial; é ser fraco.
Como qualquer produto que queira agradar ao grande público de Hong Kong, «Yesterday Once More» cruza elementos de vários géneros: o filme de golpe, comédia, romance. As fraquezas começam nos ingredientes de crime: os golpes são apresentados en passant, sem grande elaboração e com planos inverosímeis — pelo menos da forma como são desenvolvidos (quem é que acreditaria que um grupo de joggers e um cão constituiriam o método eficaz para um assalto na rua à luz do dia, contra guardas armados?).
O plano para a personagem de Cheng obter jóias, casando, é uma tolice. Uma ladra tão genial não tem outra solução para lá de um noivado? Claro que se trata de um mero expediente, uma conveniência narrativa no seio da vertente romântica a que se tenta dar importância (afinal o público está ali sobretudo para ver o casal a interagir). Ou seja, para provocar ciúmes a Lau e para o fazer voltar.
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Andy Lau e Sammi Cheng uma vez mais ao serviço de Johnnie To, depois de «Needing You» (1995) e «Love on a Diet» (2001). |
Os resultados das tentativas de fazer comédia deixam muito a desejar, já que as personagens ou são mal desenvolvidas ou desinteressantes. Há um casal de detectives (talvez gay) que protagoniza um par de momentos de (fraco) humor mas que desaparece sem deixar rasto. As rábulas no hospital são desengraçadas e de gosto duvidoso. Aliás, sem querer revelar demais, a equipa de argumentistas da Milkyway reutiliza um ingrediente de outro título, sem o mesmo efeito dramático, o que reforça a sensação de preguiça na escrita do texto que o filme deixa transpirar.
A personagem de Sammi Cheng é particularmente antipática, sem grandes características redentoras: egoísta, mal-humorada, indigna de confiança. No entanto, para o final do filme é esperado que sintamos alguma empatia por ela — o que não sucede.
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Carl Ng, filho do comediante Richard Ng, e Jenny Woo, que surge a título de actriz convidada, integram o elenco. |
Por altura do Far East Film de 2004, To e a equipa quiseram ir a Udine para prestar homenagem a um festival que tem divulgado a obra do realizador e onde este esteve como convidado por diversas vezes. No entanto, a viagem a Itália é mais um segmento enfiado à força na narrativa. Se olhar com atenção para alguns figurantes — membros da organização do FEFF — não deixará de registar também falhas na continuidade.
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