II — Filmes
Num total de 23 projecções, onde se incluem dois filmes sem legendas, que não vão ser comentados, o domínio viria a ser do cinema japonês. Não houve uma decisão consciente de dar mais atenção aos filmes nipónicos, mas esses constituíram oferta superior e mais atractiva por comparação com as produções locais. A Coreia do Sul dominava a programação a nível de curtas, mas não de longas-metragens.
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Posters dos filmes de abertura e encerramento no Boksagol Cultural Center: «Never Belongs to Me» (Coreia) e «Isabella» (Hong Kong). |
As produções vídeo tiveram presença forte, com qualidade de imagem variável consoante a fonte. Em alguns casos, lamentámos não estarmos perante 35mm, noutros, os cineastas conseguiram contornar as limitações do meio ou tiveram acesso a melhor tecnologia — isto porque as projecções iam do low budget Beta a HD com um aspecto próximo de película.
1. Coreia do Sul
O filme escolhido para inaugurar o PiFan, seria o musical «Midnight Ballad for Ghost Theater» («Samgeori Geukjang»), primeira obra do coreano Jeon Gye-su, com estilo e premissa comparados a «The Rocky Horror Picture Show» e afirmando-se um “fantastic comic-horror musical”.
A mistura de géneros não funciona nada mal, pois não se deixaram as personagens perdidas no meio do design. A acção decorre durante os últimos dias de uma sala de cinema que parece estar assombrada. So-dan, a protagonista, dirige-se para o local, à procura da avó, ex-estrela de cinema, e acaba por ali ficar, convivendo com um quarteto de estranhas personagens em duas encarnações: empregados da sala ou almas penadas.
Não sendo hilariante, tem os seus momentos de humor, mas o destaque vai para a capacidade de gerir as personagens e o design de vestuário e cenários, criando um mundo de fantasia, intemporal, coerente e cativante.
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Poster de «Midnight Ballad for Ghost Theatre», filme de abertura do PiFan. |
«Ani-Francesca» («Aeni Peurancheseuga»), em Beta digital, é um filme animado, baseado numa sitcom chamada “Hello Francesca”, cujas personagens são vampiros originários da Roménia. A introdução, num texto longuíssimo que se desenrola no ecrã, ao jeito de «Star Wars», termina a pedir desculpa aos espectadores se não gostarem de todas as alterações que foram feitas ao material original.
Com momentos de humor por vezes talvez demasiado rápidos para quem tenha de se limitar à legendagem, é um filme de animação simples e low budget, com explosões de energia e fúria, acompanhadas por subversões gráficas, que poderão remeter para o estilo de séries de anime como “Excel Saga”.
Quando cheguei à sala da Câmara Municipal (4) para ver «Apartment», um filme de horror que estava naquele momento em exibição comercial em Seul, já não fiquei surpreendido com o aviso “No English Subtitles”. Acabei por achar uma ironia divertida a troca mais prática ser para «Forbidden Floor» («Ne Beonjjae Cheung») — numa sala do multiplex CGV, a uns 5 minutos dali — com a premissa igualmente assente num prédio de apartamentos assombrado.
Não sendo um filme desprezível, «Forbidden Floor» é demasiado convencional ou até banal. Não há nada que não tenhamos já visto dezenas de vezes noutros filmes, incluindo alguns momentos de caretas infantis que nunca poderiam superar «Phone».
A protagonista vai habitar o 5º andar de um officetel que não tem 4º, mas começam a acontecer coisas estranhas no prédio e ruídos vindos do piso inferior (5). Um fantasma elimina algumas pessoas e ao longo do filme vamos descobrindo as motivações para a vingança e o que sucedeu no passado.
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«Never Belongs to Me». |
Achei curioso haver referências a “máfias da construção”, algo ilustrado num documentário apresentado no JIFF, «The Stuctrure of Goliath», uma vez que tive a oportunidade de falar com o realizador junto com um amigo interessado em questões de planeamento urbano. Aparentemente, não é invulgar que construtoras recorram à força bruta a cargo de “profissionais”, quando alguns inquilinos não querem abandonar edifícios destinados a serem demolidos.
Já «Never Belongs to Me» («Samgeori Museutang Sonyeoeui Choehu», de Nam Gi-ung, é tudo menos convencional, com ingredientes a que seremos mais familiares no âmbito de um certo cinema japonês “transgressor”, de Tsukamoto e Miike (6). As personagens incluem uma prostituta cyborg, um cientista louco, um homem tigre (cuja caracterização é mais ou menos decalcada de Ron Pearlman na série “A Bela e o Monstro”) e um homem (o “Rapaz Mustang” do título original) cujos órgãos sexuais são adaptados numa arma mortal.
A sequência de eventos despreza a lógica, com frequentes episódios de violência e sexo. É um filme de acção em que, ao contrário do estilo John Woo, o “herói” dispara sempre só com uma arma.
O realizador era já conhecido por «Teenage Hooker Became Killing Machine in Daehakro» (2000), cujo título coreano parece deter um record pela sua extensão (27 caracteres; nem arrisco a romanização).
O PiFan organizou uma retrospectiva com seis filmes no âmbito do fantástico, realizados por Shin Sang-ok, entre 1960 e 1973. Lamentavelmente, incluíam-se naqueles que o guia estava errado ao dizer que teriam legendas em inglês. Dado o número de convidados e jornalistas estrangeiros presentes, tratou-se de uma oportunidade perdida para contribuir para a divulgação internacional do cinema clássico sul-coreano. O catálogo tinha todas as fichas e ensaios traduzidos, estimulando a curiosidade para filmes que, afinal, não podiam ser usufruídos por quem não entendesse a língua local.
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(4) Eis algo que todas as Câmaras Municipais deviam ter: uma grande sala de cinema.
(5) A superstição com o número deriva dos caracteres chineses de "quatro 四" e "morte 死" terem a mesma pronuncia ("si" em mandarim ou "sa 사" em coreano).
(6) Talvez não seja coincidência que o filme se encontre actualmente apenas disponível em DVD de produção japonesa.
4/08/06
Continua
Capítulo 2: Japão
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