História de Duas Irmãs/Janghwa, Hongryeon
장화,홍련
A Tale of Two Sisters
Realizado por Kim Ji-un [Kim Ji-woon, Kim Jee-woon]
Coreia do Sul, 2003 Cor – 114 min.
Com: Im Su-jeong, Yeom Jeong-a, Kim Kap-su, Mun Geun-yeong, Pak Mi-hyeon, Wu Gi-hung, Lee Seung-bi, Lee Dae-eon
drama horror
Capa DVD
Num hospital psiquiátrico, um médico interroga uma jovem internada, pedindo-lhe para que fale sobre o que aconteceu “naquele dia”. Um dia radioso assiste à chegada de Su-mi (Im) e Su-yeon (Mun) à casa do pai, no campo, perto de um lago. Os sorrisos e a beleza do cenário natural fenecem à medida que o início do pesadelo se anuncia. Eun-ju (Yeom), a madrasta, parece detestar Su-yeon, apostando em fazer-lhe a vida negra, mas algo pior parece esconder-se nos recantos escuros da casa. Talvez o fantasma da falecida mãe?

«A Tale of Two Sisters» baseia-se num conto tradicional coreano, já várias vezes adaptado ao cinema, relatando a história de duas irmãs chamadas Janghwa (“rosa”) e Hongryeon (“lótus vermelho”). O realizador e argumentista Kim Ji-un mantém um título que o público coreano reconhecerá, mas, aparentemente, desenvolve uma história inteiramente nova, sobre uma família que se tenta reagregar. A temática poderá remeter para a longa-metragem de estreia de Kim, «Joyonghan Kajok» [«The Quiet Family»], de 1998, prémio FantAsia na edição do Fantasporto do ano seguinte, mas as diferenças são maiores do que as semelhanças. «The Quiet Family» passa-se, também, quase exclusivamente numa casa isolada no campo, habitada por uma família. O grupo é mais numeroso e a ameaça provém do exterior, ao contrário do que sucede em «Janghwa, Hongryeon». Por outro lado, o primeiro filme do realizador é uma comédia (ainda que muito negra). Aqui não há espaço para sorrisos.

Formalmente, «A Tale of Two Sisters» é um filme de horror e, nesse âmbito, já tem sido referido como o melhor dos últimos anos, proveniente da Coreia do Sul. Para tal julgamento também contribui, em certa medida, o facto dos filmes de género, “puros”, produzidos naquele território raramente surpreenderem. No campo do horror, poderemos referir, por exemplo, «Yeoko Koidam» [«Whispering Corridors»] (1998) ou «Kawi» [«Nightmare»] (2000), dois títulos, inseridos na retrospectiva de cinema sul-coreano efectuada pelo Festival Internacional de Cinema do Porto em 2001 [vd. texto], dispensáveis e difíceis de destrinçar de obras similares produzidas em massa em Hollywood. Mas que não se transmita a ideia de que esta obra não tem méritos próprios e que é elevada meramente pelo rebaixamento da concorrência. Nada disso. Colocá-lo num pódio virtual de Melhor Filme de Horror Coreano dos últimos 10 anos poderá até constituir uma injustiça, na medida em que não é apenas como “filme de horror” que «Janghwa, Hongryeon» se afirma uma excelente obra cinematográfica e tal rótulo pode, inclusive, induzir o leitor em erro. Estamos mais próximo da narrativa surrealista e fraccionada dos últimos filmes de David Lynch, do que qualquer slasher ou filme de fantasmas, onde se combate uma ameaça externa; aqui, não está inteiramente definido em que consiste a ameaça, com o desenrolar do texto a convidar-nos a encaixar as peças do puzzle, até que consigamos perceber o que é que sucedeu “naquele dia”.

Su-yeon (Mun Geun-yeong), à esquerda e na imagem da direita, e Su-mi (Im Su-jeong); as duas irmãs regressam a casa.

Mu-yeon (Kim), o pai, é o elemento mais passivo de entre as quatro personagens que se cruzam. Observa os acontecimentos, com notória e crescente preocupação. A madrasta é-nos introduzida com um comportamento histriónico, permeado por uma alegria arrebatadora, quase violenta, como se se dirigisse a um bebé. Su-mi e Su-yeon olham-na atónitas. Quererá ela apenas unir a família, tentar ser a mãe substituta das filhas de Mu-yeon? Para as duas irmãs, Eun-ju ameaça a forte relação estabelecida entre elas, além de ser um elemento estranho à família e uma verdadeira usurpadora: as pistas que nos são dadas, sugerem que era amante do pai, quando a mãe ainda era viva. Mas se ela é vista como um monstro pelas adolescentes, o filme resiste a clarificar os pontos de vista até bem próximo do final e, vemos, alternadamente, Eun-ju como ameaça e como vítima de uma força sobrenatural não identificada.

Algo nas trevas parece querer separar Su-mi de Su-yeon.

O elenco é perfeito e bem mais do que um conjunto de carinhas larocas (excluo desta consideração Kim Kap-su, o qual, creio, será considerado uma "carinha laroca" por um número muito reduzido de leitores). O papel de Yeom Jung-a, de «Tell me Something» (1999) e «H» (2002), é o mais exigente, porquanto tem de interpretar e tornar credível uma personagem vista por olhares diferentes: potencial psicótica ou mãe preocupada/esposa dedicada. Mun Geun-yeong cumpre bem o papel de menina frágil, sensível e amedrontada. A Im Su-jeong compete carregar boa parte da força emocional do filme; no final da projecção, dificilmente conseguiria apontar algum momento onde o seu registo não se adequasse às necessidades dramáticas.

Yeom
Jung
A
Kim Ji-un envolve um bom texto numa atmosfera opressiva, cuidadosa e gradualmente construída, transmitindo uma permanente sensação de inquietude, não pelo que nos é mostrado, mas pelo que receamos ver. O design sonoro também dá um grande contributo para esse efeito, com uma boa utilização do som envolvente, contribuindo para a fragilização do nosso sistema nervoso. Escusado será dizer que se puder ver o filme numa sala bem equipada não deve perder essa oportunidade, sobretudo porque a fotografia é deslumbrante e digna de um ecrã digno desse nome (o que contribui para uma certa desilusão com a transferência no DVD sul-coreano – vd. abaixo).

A necessidade de reinterpretação que os acontecimentos requererão tem sido, na minha opinião, algo exagerada, pelo menos quando se sugere uma particular complexidade narrativa e uma necessidade de “descodificar” a informação. Na posse de todos os dados, não é propriamente requerido um processo interpretativo; a informação nova permite arrumar a história de forma lógica e as reprises de algumas cenas não deixam lugar a confusões.

5
Sitges 2003. Fantasporto 2004 (Grande Prémio). O DVD sul-coreano (Metro) tem imagem anamórfica e som Dolby EX e DTS ES. A transferência vídeo contém negros demasiado intensos e algum grão, algo que passará despercebido em cenas mais bem iluminadas, mas há um bom número de momentos em corredores escuros. Não diria tratar-se de um mau DVD, mas a fotografia merece melhor. O som é muito envolvente, a pedir que se levante o volume. Extras divididos em três capítulos (In the Frame, Out of the Frame e To the Viewer) no disco 2, mais dois comentários áudio no disco 1, mas nada de legendas, como é costume. A primeira edição do DVD é em digipak, dentro de uma caixa e inclui um frame de filme, fixo num rectângulo de cartão numerado e com uma declaração do realizador impressa no verso.

Estreia nacional (Cinema Novo/Lusomundo) a 29 de Junho de 2006. DVD a 29 de Novembro do mesmo ano.

(Passe com o rato sobre o cartão para virá-lo.)

publicado online em 27/2/04

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