A construção de uma importante estrada nas montanhas torna o negócio hoteleiro na área muito apetecível para uma família, que aí decide explorar uma estalagem. Mas a estrada atrasa-se e os clientes não aparecem. Quando a sorte parece começar a mudar, por alguma razão, os hóspedes têm dificuldade em sobreviver à estadia de uma noite. Com receio de arruinar o futuro do estabelecimento, a família conclui que é melhor ter sempre algumas pás por perto.
«The Quiet Family» venceu a secção FantAsia no Fantasporto de 1999, numa altura em que o cinema coreano ainda não era muito falado no Ocidente. O filme de Kim Ji-un tem os ingredientes que agradam ao público "tradicional" de um festival de fantástico: um texto sólido e inteligente, humor negro e alguma sanguinolência.
Sem a intensidade dramática do mais recente «A Tale of Two Sisters» (2003), «Joyonghan Gajok» não deixa de ter alguns pontos de contacto com essa obra de Kim: uma casa isolada no campo e as relações no seio de uma família, mais ou menos disfuncional e com gostos similares em termos de papel de parede. Existem também duas irmãs jovens, a partilhar um quarto, mas a relação entre elas e o contexto familiar são dissimilares.
Outros elementos podem sugerir que «A Tale of Two Sisters» germinou de imagens e ideias presentes em «The Quiet Family». Mi-na (Go) parece sentir uma presença na casa, sugerindo-nos que pode haver algo sobrenatural por detrás dos eventos, um pouco como sucede no filme mais recente, com Su-mi, a personagem de Im Su-jeong.
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Numa estalagem sem clientes não há muito para fazer; esperar de dia, ver televisão à noite. |
Alguns planos são compostos de forma muito similar, estabelecendo uma relação entre Mi-na e Su-mi, incluindo um olhar para a casa a partir de um ponto afastado, algo a que podemos atribuir forte carga simbólica. Mas os factores psicológicos das duas são diferentes, com Mi-na a assumir um papel mais de observador, por oposição a Su-mi, que é o verdadeiro centro do filme.
A construção das relações entre as personagens é um reflexo do tom de cada um dos filmes. Aqui, há uma rede mais complexa para um tom mais ligeiro, numa narrativa que progride com uma sucessão de eventos improváveis; acidentes, trocas de identidade, corpos que se acumulam. O humor vive também da interacção entre os vários elementos da família: pai (Park), mãe (Na), tio (Choi), o filho, Yeong-min (Kang), e as filhas, Mi-su (Lee) e Mi-na. «Janghwa, Hongryeon», por seu lado, é mais um thriller psicológico e um drama, requerendo mais tempo de ecrã para menos personagens — as quais são, forçosamente, mais fortes e bem definidas.
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Mi-na (Go Ho-gyeong, à esquerda), a filha mais nova, tem maus pressentimentos. |
Na sua primeira longa-metragem, Kim Ji-un demonstra um óptimo controle dos ingredientes para uma sólida comédia negra, nunca permitindo que o humor se torne demasiado tolo ou prejudique o desenrolar da trama. O texto funciona não por ser intrincado, mas porque a direcção e a composição das personagens suportam um agregar de situações absurdas e improváveis que não nos levam a racionalizar, pondo-as em causa.
Miike Takashi assinou um remake, com números musicais e animação stop-motion, em 2001: «The Happiness of the Katakuris». Se todos os remakes fossem assim, não torcíamos o nariz a cada novo anúncio. A mesma premissa, mas duas obras muito diversas, com registos diferentes. E, mais importante, dois bons filmes.
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