Ho Gong Fung Wan/Casino
濠江風雲 (háo jiāng fēng yún)
Realizado por Billy Tang Hin-Sing
Hong Kong, 1998 Cor – 92 min.
Com: Simon Yam Tat-Wah, Alex Fong Chung-Sun, Kent Cheng Juk-Si, Ada Choi Siu-Fun, Kenix Kwok Ho-Ying
géneros: crime investigação policial tríade
«Casino» apresenta, em forma de biografia dramatizada, a ascensão triunfal de Wan Kuok-Koi, também conhecido como "Dente Partido" Koi, líder da tríade 14K, a qual tem controlado a maioria dos negócios relacionados com jogo e prostituição no território. Wan (Yam) é entrevistado por uma jornalista e o filme alterna imagens no tempo presente com flashbacks que retrocedem ao final dos anos 80, introduzidas pelas suas declarações para uma câmara de vídeo.

Wan deu o seu aval a esta produção - que constitui uma eficaz manobra de relações públicas -, para além do dinheiro que o financiou e de ter emprestado o seu Ferrari cor-de-malva. As RPs não terão tido o pleno efeito porque o filme foi proibido em Macau, apesar das audiências de Hong Kong terem corrido às bilheteiras. Wan foi preso pouco antes da estreia do filme, vindo a ser condenado a 15 anos de prisão dias antes da projecção na Mostra de Cinema de Hong Kong (1/12/99). O tribunal viu o filme, dado o envolvimento do próprio arguido, o que poderá ter sido tomado em conta para confrontar com as suas afirmações de inocência de líder da tríade.

Independentemente do interesse de «Casino» enquanto ilustração de uma penosa realidade, os méritos técnicos e artísticos do objecto cinematográfico são muito limitados. Simon Yam não é mau actor, mas aqui tem um leque restrito de emoções com que lidar. Muito mais restrito do que seria necessário, se se alegar que a "realidade" assim o exigia: Wan vê-se "forçado" a envolver-se numa guerra contra uma tríade rival, porque não há outra coisa fazer. No entanto, não se trata de auto-defesa de um bem inalienável como a vida, mas do poder económico. Isso é assumido. E quando se é poderoso, ganham-se muitos inimigos - algo nestes termos é também referido. Wan - o do filme, pelo menos - declara inclusive que a morte de inocentes (como transeuntes que se colocam na linha de fogo) é lamentável, mas decorre de um processo que é moralmente legítimo. Há uma cena que o ilustra: uma jovem conduzindo uma Vespa é violentamente atirada ao chão, e, depois, Wan conduz o carro por cima das suas pernas. Ele julgava tratar-se de um golpe dos seus inimigos e ao constatar que se tratava de uma inocente, pede que a enviem para o hospital mais próximo, com uma expressão de resignação, sem o mínimo traço de arrependimento.

A narrativa arrasta-se ciclicamente e não se introduz nada de refrescante para quebrar a monotonia. Apesar de algumas cenas "grandiosas", mostrando centenas de homens a juntarem-se para o conflito nas ruas, ou a chegar a Macau vindos de Hong Kong, entrando em carros e formando uma interminável procissão, a acção é extremamente aborrecida. Existem talvez mais de 10 sequências que se reconduzem ao mesmo: grupos de homens em confronto físico, usando os punhos ou machetes. Estas lâminas compridas são capazes de provocar arrepios assim que se no-las apresentam (vd. por exemplo «Kwan Lung Hei Fung/Pedicab Driver», 1989, por acaso também passado em Macau, mas algumas décadas antes, ou o recente «Beast Cops»), mas aqui pouco mais conseguem ser que adereços de cena. A coreografia não é estilizada mas também não é "realista", ou seja, não existe um tratamento específico que nos vise fazer sentir algo pelos corpos retalhados durante essas cenas.

O plano dramático é igualmente descuidado, apesar de estarem presentes, pelo menos, dois elementos que poderiam ter alguma intensidade, como a doença do melhor amigo de Wan (Fong Chung-Sun) e a saturação da esposa com aquele modo de vida. Estas situações são afloradas de forma muito superficial, em particular a última; mal nos tínhamos apercebido que Wan era casado, quando nos vemos confrontado com o facto dela o querer deixar.

Há um par de momentos divertidos a assinalar. Mesmo antes da entrada dos créditos finais, surge, ocupando generosamente o écran, o habitual aviso que nos garante que qualquer semelhança com pessoas ou acontecimentos reais é a mais pura das coincidências (e amaldiçoado quem pense o contrário). O verdadeiro momento alto, dependendo do ponto de vista claro, é o karaoke de Yam, interpretando o tema de Wong Fei-Hung, na versão de «Once Upon a Time in China» (1990), com uma letra - e viva a tradição de legendar as canções - que exulta virtudes morais e diz que para ser um herói é preciso muito trabalho duro. Curiosamente, o polícia com quem Wan inicia uma relação vantajosa, Cheng Juk-Si, é discípulo de Wong, no referido filme.

2

Vd. Mostra de Cinema de HK, Lisboa 1999

publicado online em 19/12/99

cinedie asia © copyright Luis Canau.