|
DVD (esq-dta): Anthony Wong, Michael Wong e Sam Lee
|
Abertura em modo cliché: um polícia é transferido para chefiar uma nova esquadra, numa zona com altos índices de criminalidade. Michael Cheung (Wong Man-Tak) tem de lidar com um polícia mais velho e experiente, Tung (Wong Chau-Sang), que não só conhece profundamente os meandros criminais, como é amigo de alguns dos seus mais proeminentes líderes. Cheung tem como moto a aniquilação da zona cinzenta entre o bem e o mal: para ele não tem de existir senão uma linha ténue, que não pode ser atravessada. Os seus piores problemas decorrerão do envolvimento com Yoyo (Chow), que coordena "acompanhantes" num clube nocturno, além de ser a namorada abandonada de um "Big Brother" (Cheung), forçado a fugir depois de um homicídio mal executado.
As linhas gerais de «Beast Cops» parecem definir mais uma banal história de polícias e ladrões. Não há grande originalidade na estrutura do filme da dupla Chan/Lam, mas é em consciência que se joga com algo que poderia ser uma desvantagem criativa. A estrutura narrativa assume-se minimalista e bem definida, por forma a dar maior espaço à definição individual dos seus elementos principais. Não se tratando de um filme lento nem demasiado longo, a maior parte do tempo de écran é gasta com as relações dos personagens, criando-se com eficácia uma grande proximidade com o espectador e permitindo que a tensão decorrente de dois ou três momentos mais violentos tenha um efeito devastador, como não se conseguiria a partir de sequências similares inseridas num filme movido pela acção/espectáculo.
|
Chow Hoi-mei (Yoyo).
|
«Beast Cops» possui um visual cuidado e um estilo de filmar semelhante a outras obras modernas provenientes de Hong Kong, mas, mesmo inserindo-se numa determinada "vaga" de final de década, afasta-se de qualquer conceito de mediania. Tem força e vida própria; não por referência a um conjunto de filmes com os quais se arruma bem numa prateleira. E essa vida nasce nos personagens. Anthony Wong tem aqui mais uma grande entrada na sua extensa filmografia. Será mais conhecido no Ocidente como o vilão de «Laat Sau San Taam/Hard-Boiled» (1992), de John Woo, mas quem o viu noutros registos talvez pense primeiro no cozinheiro que se livra daqueles que o atrapalham e os transforma em empadinhas de "carne de porco", em «The Untold Story» (1993). Só Wong, aqui com uns quilitos a mais, merecia que dedicássemos hora e meia da nossa atenção a este filme. O outro Wong (por vezes creditado na forma anglicizada Michael Fitzerald Wong) está à altura do personagem. O "interesse romântico" é uma Chow Hoi-Mei que não está propriamente produzida para ter aspecto de talento feminino principal. Afinal, o personagem é uma prostituta semi-retirada, guardando em si, simultaneamente, uma réstia de juventude e o peso dos anos ligada a essa vida. No "Big Brother" Roy Cheung poderíamos ter o estereótipo do bom criminoso, que se sacrifica e redime pelos seus pecados no acto final. Mas Cheung, no desempenho mais credível onde o pude ver até ao momento, surge motivado pelos seus problemas, que se poderiam reconduzir aos do cidadão comum, com as devidas concessões (as óbvias) e não por necessidade de fazer andar o filme para a sua conclusão.
Para muitos, a violenta sequência final, no meio de tiros, golpes de machete, de outros objectos cortantes e, por fim, de tudo o que possa matar ou mutilar o elemento a abater, é redundante e destoa da sobriedade e seriedade com que o resto do material é apresentado. Não partilho dessa opinião, antes obstando com a aparente concessão do epílogo (pós um "dois meses depois"). Este clímax violento não só funciona perfeitamente como produto da destilação de hora e meia de tensão acumulada e apresenta a arraia miúda da tríade de um prisma para lá dos habituais peões insensíveis, vestidos de igual e que apenas empatam tempo até ao duelo com o vilão principal. Quando as coisas dão mesmo para o torto, revelam-se miúdos assustados, como quaisquer outros. Aqui há certamente muito mais do que glamourização da violência ou estilização da acção.
Vd. Mostra de Cinema de HK, Lisboa 1999
e texto de Hugo Gomes
|