Inimigos do Império/Yeyan/Ye Yin/The Banquet
夜宴 (yè yàn)
Realizado por Feng Xiaogang
China/Hong Kong, 2006 Cor – 129 min. Anamórfico.
Com: Zhang Ziyi, Ge You, Daniel Wu [Ng Yin-cho], Zhou Xun, Ma Jingwu, Huang Xiaoming
drama crime romance wuxia artes-marciais
Poster
Durante o Período das Cinco Dinastias e dos Dez Reinos (907-960 D.C.), que se seguiu à Dinastia Tang, a China esteva sob forte instabilidade política e com vários centros de poder. A introdução do filme faz uma breve introdução histórica e informa-nos que o imperador foi assassinado pelo irmão, Li (Ge), que tomou o poder e pretende casar com a cunhada, Wan (Zhang), voltando a coroá-la imperatriz. O novo imperador manda matar o príncipe herdeiro Wu Luan (Wu), que se recolheu noutra província, frustrado, depois do casamento do pai com a mulher que amava, para se dedicar às artes e ao teatro. Elementos fiéis ao imperador assassinado avisam-no. Wu Luan sobrevive e encena a sua vingança.

O realizador Feng Xiaogang é o grande representante do fôlego do novo cinema comercial chinês, tendo assinado vários êxitos de bilheteira recentes. Depois de «Cellphone» («Shouji», 2003), uma comédia dramática sobre relações na China moderna, e de «A World without Thieves» («Tianxia Wuzei», 2004), um filme de aventura de grande orçamento, com a estrela de Hong Kong Andy Lau Tak-wah, muitos não se terão surpreendido que Feng tivesse decidido fazer um wuxia pian, género que tem vivido alguma popularidade nos mercados internacionais, ao longo destes últimos anos, com um punhado de estreias comerciais a nível global, onde se incluiu também Portugal 1.

O wuxia produzido para o grande público dos dias de hoje é caracterizado por orçamentos confortáveis, que reflectem efeitos secundários de boa parte dos blockbusters norte-americanos: argumentos “épicos” e a “Síndrome do Fim do Mundo” 2. Se filmes de acção ou ficção científica tendem a lidar com ameaças de extensão planetária, o wuxia moderno, mutatis mutandis, centra-se em eventos que podem levar à queda da China ou do imperador.

Ge You
Ge You, o Imperador.
Zhang Ziyi
Zhang Ziyi, a Imperatriz.
Daniel Wu
Daniel Wu, o Príncipe Herdeiro.
Nos anos 80 e 90, os filmes do género usavam expedientes imaginativos e extravagantes para contornar as limitações de tempo e dinheiro, e mais depressa os argumentos se baseavam no duelo entre duas escolas de artes marciais, numa história de vingança ou no roubo de segredos marciais, do que em intrigas palacianas ou na vida glamourosa nas cortes imperiais. Tal possibilita o show of do design de produção e guarda-roupa, mas na altura era mais importante despachar filmes do que fazê-los bonitos para irem a Cannes ou para se candidatarem ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.

Nada contra intrigas palacianas, que é o que forma a trama narrativa aqui presente, inspirada em “Hamlet”, e, de qualquer forma, um wuxia de baixo orçamento dirigido por um desconhecido e sem estrelas no elenco dificilmente chegaria a salas de cinema fora da Ásia. Como seria de esperar, a fotografia, guarda-roupa e outras componentes técnicas não desiludem e «Inimigos do Império» “enche o olho”.

O filme falha na pretendida dimensão dramática sustentada no maquiavelismo das personagens e nas relações amorosas que as aproximam. Outros já referiram que o papel de Zhang Ziyi deveria ter sido entregue a uma actriz mais madura, mas se havia que atribuir culpas talvez devêssemos apontar o dedo à inadequada adaptação da personagem inicialmente destinada a Gong Li e à direcção de Feng Xiaogang. Por outro lado, a menina Zhang pareceu deliciar-se com uma personagem viciosa e a verdade é que não teve unhas para tocar esta pipa; continua a parecer mais uma menina mimada do que a mulher de um imperador com uma agenda política 3.

Feng concebe a personagem que é também movida pelo desejo sexual, mas também aí se fica aquém de uma caracterização credível. (E tal nem sequer se deve ao facto da actriz utilizar uma butt-double em dois ou três planos de tímida nudez.) Daniel Wu não é um actor com muito carisma, mas a sua versão de “Hamlet” sofre com um papel reduzido pela força atribuída às personagens de Zhang e Ge, que interrompem a linha narrativa que se anunciava no início do filme: a vingança de Wu Luan. Zhou Xun não chega a ser complementar, é apenas secundária e quase redundante; mas o seu nome no cartaz sem dúvida que contribuiu para atrair espectadores na China 4.

«A Maldição da Flor Dourada» («Man Cheng Jin Dai Huangjin Jia»), o wuxia pian de Zhang Yimou que estreou alguns meses antes em Portugal, tem semelhanças narrativas com este «The Banquet», e aí o material é tratado com mais competência, além de que as personagens são fortes e sólidas, incluindo as secundárias. O sucesso desse filme deve-se a um bom texto, à direcção de Zhang e ao elenco encabeçado por Chow Yun-fat e Gong Li. Gong, é oportuno dizê-lo, fez uma boa escolha de papéis.

Nenhum dos filmes tem “artistas marciais” no elenco, como era norma nas produções de Hong Kong de há duas décadas e tal reflecte-se necessariamente nas coreografias de artes marciais, mais dependentes dos directores de acção (Ching Siu-tung com Zhang Yimou e Yuen Wu-ping com Feng Xiaogang), dos duplos e de muitas sequências editadas de forma a que não se vejam rostos. Nesse âmbito, não há nada de novo ou de memorável no filme de Feng, mas não se deixam de destacar alguns segmentos. É o caso dos momentos iniciais, quando os assassinos do imperador chacinam uma trupe de teatro. A sequência, no entanto, acaba por ser um pouco irritante, pois a lógica (mesmo a de um género que muito deve à fantasia) é desprezada por razões estéticas, com uma espécie de sacrifício ou suicídio plástico por parte de actores sem rosto.

Promessas, promessas...
Feng Xiaogang parece fascinado pela utilização do sangue a jorrar a várias velocidades, a salpicar e a esparramar-se por uma grande diversidade de superfícies. Não me interpretem mal, pois sou fã de muitos filmes sangrentos e esse tipo de ingrediente funciona bem em certos cozinhados. Aqui, no entanto, a utilização do sangue, por alguma razão, faz-me pensar num exploitation ligeiro, que se decidiu apimentar introduzindo inserts de hard-core.


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1 Os dois filmes anteriores de Feng foram brevemente abordados no contexto da análise ao Festival de Udine, nos anos de 2004 e 2005.

2 A expressão “o mundo” era usada num contexto clássico para se referir à China. Em «Herói», por exemplo, quando alguém escreve “天下 tianxia” (“tudo debaixo do céu”), tal revela-se como a motivação principal para a tomada de posição de uma personagem.

3 Segundo se disse algures (mas não consegui confirmar), Zhang Ziyi [Djang Dz-i] tem-se irritado com os textos dos jornalistas que tomam o seu nome próprio pelo apelido. O seu nome nos posters internacionais começa agora a surgir invertido, ainda que, como neste caso, no meio de outros no formato tradicional, o que dificilmente ajuda a entender os nomes chineses. O problema só seria resolvido adaptando um nome próprio ocidental, como é popular em Hong Kong. Por exemplo... Zelda Zhang.

4 Na lista das 100 Celebridades Chinesas de 2006 da revista Forbes China (baseada nos rendimentos e na popularidade), Zhou (2ª) está acima de Zhang (3ª). O número 1 é o jogador de basquetebol Yao Ming, Feng Xiaogang surge em 12º e Zhang Yimou em 26º, um lugar acima do actor Ge You. (A lista não inclui estrelas de Hong Kong e Taiwan.)

Estreia em Portugal (Ecofilmes) em 21 de Junho de 2007.

publicado online em 3/7/07

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