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5. Tailândia

No FEFF 6 apresentaram-se três títulos tailandeses («Beautiful Boxer», «Bupha Rathree» e «The Bodyguard»); este ano o número aumentou numa unidade. Os quatro títulos incluiram comédia («Pataya Maniac»), horror («Art of the Devil»), drama de horror («Zee Oui») e acção quebra-ossos («Born to Fight»).

Art of the Devil
«Art of the Devil». Ignorem-na, é um truque.
Zee Oui
Um canibal com coração: «Zee Oui».
Born to Fight
«Born to Fight»: acção desvairada non-stop.
A qualidade dos títulos tailandeses não foi inteiramente consistente, com dois títulos com pouco interesse: «Sai Loh Fah» [«Pattaya Maniac»] e «Khon Len Khong» [«Art of the Devil»]. O primeiro trazia a novidade de inverter os estereótipos de "herói" e "sidekick", mas isso é algo que já «Big Trouble in Little China» (1986) de Carpenter havia feito. É uma comédia tola, mas com um humor que nem sempre funciona — funcionará certamente melhor perante o público local —, assemelhando-se a muitos filmes de adolescentes. Aqui, os amigos da personagem central decidem pagar-lhe o amor da sua vida. A partir daí, desenvolvem-se uma série de peripécias envolvendo gangsters, raptos e humor forçado — nada que nos mantivesse 100% despertos numa sessão da meia-noite.

«Art of the Devil» é horror convencional, que falha sobretudo porque as motivações da protagonista deixam de fazer sentido pouco depois da introdução do filme. Trata-se de uma jovem movida pela vingança contra quem dela abusou, que recorre a magia negra para provocar a morte dolorosa dos seus “inimigos”. O defeito é a ligação indirecta às vítimas: depois de nos vermos livres de quem de facto lhe fez mal, passamos o resto do filme a vê-la perseguir quem herda os bens dessa pessoa, i.e., com uma relação meramente incidental ao que está na origem da vingança. E não se trata de um fantasma condenado a rondar um determinado local ou de uma casa assombrada, mas de uma pessoa viva e racional (dentro dos parâmetros das loucas homicidas que contratam feiticeiros para matar, claro).

Melhor, bem melhor, foi «Zee Oui» (1), baseado — de acordo com o texto no ecrã — na história real de um emigrante chinês na Tailândia, encurralado pelas dificuldades de integração, pela pobreza e pela doença, que acaba a matar crianças para praticar actos de canibalismo, por razões medicinais. Lembra-nos, em parte, o shocker de Hong Kong «The Untold Story», mas não há aqui overacting, exploitation ou algo mais que justificasse o uso de itálico. O que não quer dizer que as realizadoras — duas irmãs, Nida Sudasna Ayudhaya e Buranee Rachaiboon — tenham considerado ser preciso mostrar “sensibilidade”, evitando enquadrar cadáveres mutilados. Um drama de horror para estômagos fortes.

«Kerd Ma Lui» [«Born to Fight»], dirigido por Panna Ritthkrai, coreógrafo de acção de «Ong Bak», prima igualmente pela acção realista, sem artifícios, como truques ópticos ou digitais, assentando apenas na loucura suicida de alguns duplos e nas capacidades de alguns atletas. Se «Ong Bak» assentava sobretudo no domínio do boxe tailandês por Panom Yeerum, «Born to Fight» é um esforço mais colectivo, recorrendo aos préstimos de atletas tailandeses das mais variadas modalidades, como o futebol, taekwondo ou ginástica, o que leva a várias cenas "gratuitas", inseridas no meio da acção, em que cada um exibe as sua capacidades. Aparte uma breve pausa para despachar a “premissa”, a acção é praticamente non-stop, e os cadáveres amontoam-se, pois os terroristas maus da fita não são para brincadeiras. Entre as acrobacias suicidas destacam-se quedas de camiões em andamento para o chão, com escala num carro, ou o choque de uma moto com outro veículo, explodindo segundos depois do actor-duplo levantar as pernas, e não falta acção corpo-a-corpo, dolorosa q.b., onde não deixam de participar crianças e deficientes. Rigorosamente apenas para apreciadores de acção e artes marciais.

(1) "Zee Oui" é a adaptação fonética para tailandês do nome chinês Li Hui.


6. Filipinas

Além da Malásia, que apresentou apenas um filme, as Filipinas foram a segunda presença mais modesta no FEFF 7, mas neste caso a qualidade compensou largamente a quantidade. Tivemos três filmes de género: horror com «Pa-siyam» e «Feng Shui» e comédia com «Mr. Suave Hoy! Hoy! Hoy! Hoy! Hoy! Hoy!». O primeiro é um filme de horror que foge às regras mais óbvias do género, optando pela interacção entre os membros de uma família que se reúne no funeral da mãe e durante a novena (pa-siyam). Paralelamente aos mecanismos do horror, o realizador Eric Matti, investe numa intriga de mistério. Ou seja, entre sustos e manifestações poltergeisticas — como um quarto que amanhece coberto de excrescências pestilentas —, vamos descortinando a razão pela qual o fantasma assombra a família.

Chito S. Roño Feng Shui
Chito S. Roño (na foto com a directora do FEFF, Sabrina Baracetti) esteve em Udine para apresentar «Feng Shui».

«Feng Shui» é horror mais tradicional, mas é eficiente e leva-se a sério. A premissa: a protagonista encontra no autocarro um espelho bagua (oito lados), vindo a saber que o antigo dono morreu minutos depois de o perder. Ela e a família são bafejadas por uma surpreendente onda de sorte, mas, em redor, outras pessoas começam a morrer. Direcção escorreita e boas interpretações, geram uma atmosfera envolvente. No final há um twist que, não sendo original, funciona muito bem, mas que dispensava a punchline que remata o filme.

Mr. Suave
Mr. Suave, quebra-corações.
A indústria cinematográfica filipina atravessa uma crise, mas não é por isso que se deixam de fazer comédias. O ano passado tivemos «Gagamboy», de Eric Matti, este ano o «Mr. Suave» de Joyce Bernal — ambos protagonizados por Vhong Navarro. De acordo com a realizadora, o tempo de produção do filme foi acelerado para capitalizar no sucesso de uma canção pop: era preciso que a estreia ocorresse antes que o hit descesse para o número 2 do top. Bernal usou de ironia noutras ocasiões, mas acreditamos que o comentário não andará longe da realidade. Em todo o caso, «Mr. Suave» é tão descomprometido com o que quer que seja, tão puramente "comercial", sem receio de ser idiota, que se torna extremamente divertido. Não é certamente cinema que produza nutrientes para o cérebro, mas nenhum de nós estava com particular apetência por ver sete títulos de arte e ensaio por dia. O filme desenvolve-se em redor de Mr. Suave, um verdadeiro macho filipino, que vende camarões na praça. Com o seu traje de cowboy e o seu bigode insinuante — que o actor coloca enquanto se equipa, durante os créditos, quando se despacha a canção —, Mr. Suave é admirado pelas mulheres e invejado pelos homens. Mas tem um segredo tão terrível quando tolo...

[vd. Encontro Cinema Filipino]


7. Malásia

Pontianak
«Pontianak», horror malaio.
«Pontianak: Scent of the Tuber Rose» baseia-se num mito malaio: uma mulher que morre violentamente durante o parto regressa na forma de uma poderosa criatura vingativa, espécie de zombie barulhento, que só pode ser morta com um prego na nuca. O filme arranca com a ilustração da história, contada junto de uma fogueira, com uma jovem possessa a voar pelos ares, colocando-nos na disposição para ver algo similar a «A Chinese Ghost Story» mas, infelizmente, a partir daí é sempre a descer. A estrutura é desequilibrada, com uma passagem para o tempo presente quase a meio do filme, mas o pior é a montagem que repete, repete, repete e não desenvolve.


9. Horror Day

No FEFF 6 não se realizou, mas este ano recuperou-se o Dia do Horror: sete títulos do género, com início às 9h30 e a terminar na sessão da meia-noite. Os resultados não foram particularmente surpreendentes e não creio que se tivéssemos visto o primeiro filme — cujos créditos finais ainda rolavam no monitor do bar do Teatro Nuovo, quando tomava o pequeno-almoço —, a opinião fosse diferente. Uma sequela de «One Missed Call», de Miike Takeshi, sem Miike Takeshi, por alguma razão não convenceu a começar o dia mais cedo. «R-Point» estava visto em DVD, e, como foi convenientemente programado à hora de jantar, tudo se proporcionou para uma opção pela gastronomia, para compensar outros dias sustidos a fatias de pizza ou pannini.

Filmes apresentados: «One Missed Call 2» (Japão), «Pontianak - The Scent of the Tubber Rose» (Malásia), «Art of the Devil» (Tailândia), «Feng Shui» (Filipinas), «Suffocation» (China), «R-Point» (Coreia do Sul), «Tales of Terror» (Japão).


Palmarés

Sem júris, atribuindo prémios por votação da audiência, o FEFF permite galardoar títulos com conceitos e linguagens de cinema muito diversos. O público deu a vitória a (1) «Peacock», da China, (2) «Kamikaze Girls», do Japão, e (3) «Someone Special», da Coreia do Sul. Foram divulgados outros títulos, formando um top 10: (4) «Letter from an Unknown Woman» (China), (5) «White Gardenia» (China), (6) «Road» (Coreia do Sul), (7) «To Catch a Virgin Ghost» (Coreia do Sul), (8) «Beyond Our Ken» (Hong Kong), (9) «Arahan» (Coreia do Sul), (10) «A Family» (Coreia do Sul). É uma pena que alguns dos nossos preferidos, como «Mr. Suave» ou o desmiolado filme de acção «Born to Fight» tenham ficado de fora de um top que aloja «Beyond our Ken» e «Arahan». («White Gardenia» e «To Catch a Virgin Ghost» escaparam-nos).

Os prémios foram divulgados depois de «Some», por volta das 00h30 de sexta-feira, dia 29, de uma forma mais breve que o ano anterior, sem que nenhum premiado subisse ao palco. Cerca de uma hora depois, realizar-se-ia o concerto das japonesas Afrirampo, no Teatro San Giorgio. [vd. texto Afrirampo]


Agradecimentos à organização do Far East Film, em especial a Francesco Novello.

5/06/05

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Capítulos
1. China | 2. Hong Kong | 3. Japão | 4. Coreia do Sul | 5. Tailândia |
6. Filipinas | 7. Malásia | 8. Horror Day
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