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Udine 2005
Encontro: Cinema Japonês
Com Higuchi Shinji, Fukui Harutoshi e Usui Hirotsugu. Domingo, 24.

Para além da retrospectiva Nikkatsu, que mereceu um grande destaque nesta edição do FEFF e trouxe Masuda Toshio (realizador) e Shishido Jo (actor) a Udine, o cinema japonês esteve representado por três convidados ligados a uma grande produção nipónica: «Lorelei: Witch of the Pacific Ocean». Os cineastas, surpreendentemente jovens, foram Higushi Shinji, Fukui Harutoshi e Usui Hirotsugu, respectivamente, realizador, argumentista e produtor do filme. O encontro foi coordenado por Mark Schilling (1) (à direita na foto abaixo) e realizou-se imediatamente após a saída da sala do realizador chinês Feng Xiaogang [ver texto].

Encontro Cinema Japonês

Mark Schilling começou por apresentar o filme que trouxe os convidados a este encontro. «Lorelei» é um filme contra as correntes do seu tempo; há 50 anos que não se via um filme japonês passado num submarino, durante a Segunda Guerra Mundial. Tendo em conta os tempos conturbados que atravessamos, também não seria a altura mais adequada para desenvolver esta temática, sobretudo quando se discutem alterações à constituição japonesa para alterar a posição pacifista do Estado.

Fukui Harutoshi, autor do livro em que se baseia «Lorelei» afirmou que fazer filmes — populares, supomos — pode contribuir indirectamente para que se criem condições para escrever romances e levar mais pessoas a lê-los. “O futuro da narrativa japonesa passa também por aqui.” Murakami Haruki, que autorizou unicamente dois projectos cinematográficos a partir dos seus livros, incluindo o recente «Tony Takitani» (2004), talvez não concordasse.

Encontro Cinema Japonês
Fukui Harutoshi, Higushi Shinji e Usui Hirotsugu (da esquerda para a direita).
O realizador Higushi Shinji foi anteriormente artista de storyboards em séries de animação como “Evangelion” (1995) e coordenador de efeitos visuais em filmes da série Godzilla ou do “spin-off” Gamera, a partir de 1984. Trabalhou também em «Pistol Opera», de Suzuki Seijun, e «The Princess Blade» (ambos 2001), antes de se estrear na realização com «Lorelei: Witch of the Pacific Ocean».

Higushi começou por se dizer muito satisfeito por estar em Itália pela primeira vez, pois é um local agradável para alguém que, como ele, gosta muito de comer e beber bem. Mas a questão era “porquê um filme de guerra?”. Para o realizador, o factor género não era de todo importante. O que quis foi filmar uma história em que se levava o protagonista ao limite. Perante situações extremas, quais seriam as suas reacções? Mandar tudo para o diabo ou prosseguir em frente? “Quis levar o espectador a pensar nessas situações extremas e como reagiria perante elas.” O filme decorre neste contexto específico da história japonesa, no final da 2ª Guerra Mundial, porque lhe pareceu o cenário ideal para explorar tais conceitos. “Não tenho experiência directa da guerra, nem procurei tecer juízos morais sobre o conflito”, disse. “Mas não devemos perder o respeito pelas pessoas que foram sujeitas a estas condições, num contexto de guerra.” O realizador prefere definir «Lorelei» não como um filme de guerra, mas como “um filme de aventuras que tem como cenário o mar.

Usui Hirotsugu foi referido por Schilling como “o Jerry Bruckenheimer japonês”, sendo também produtor dos dois blockbusters «Bayside Shakedown», apresentados na edição anterior do FEFF [ver texto]. Com um orçamento de 7 milhões de dólares, a construção de um cenário que recriou o interior do submarino e o investimento numa mistura sonora Skywalker Sound, poder-se-á concorrer com Hollywood? (2)

Encontro Cinema Japonês
Não temos necessidade de copiar os métodos de produção de Hollywood”, disse Usui. “O nosso ponto de partida foi outro: o que é que o público quer ver? (3). Temos um nível de exigência muito elevado, tal como em outros países. Quisemos fazer um filme que fosse interessante para o público japonês, mas que também pudesse ser apreciado pelas audiências de todo o mundo. Não procurámos fazer um filme ao 'estilo de Hollywood'”.

Um grande orçamento, acção, efeitos especiais, explosões, constituem um "estilo Hollywood" ou tão só um método genérico de fazer cinema comercial? Não é o que o grande público, onde quer que viva, quer ver? A esses ingredientes juntam-se os grandes nomes no poster. Para Usui, a presença de Yakusho Koji era irrenunciável: “Pensámos desde o início no nome de Yakusho para o papel do capitão. O argumento foi escrito com ele em mente. Ele é actualmente o mais importante actor japonês e o que atrai mais público, pelo que a sua presença era um ponto essencial para arrancar com a produção. Começámos a trabalhar assim que ele disse sim.

Sobre o trabalho com a estrela, Higushi Shinji afirmou não ter tido qualquer dificuldade na interacção. “Não pensei nele como um 'monstro sagrado' do cinema japonês... Uma das razões pelas quais é fácil trabalhar com ele é o facto de ser também uma pessoa muito divertida.” “Era preciso que o filme resultasse bem nas bilheteiras”, prosseguiu o argumentista Fukui, “pelo que a presença de Yakusho Koji era muito importante. O Japão tem tendência a produzir filmes de baixo orçamento para que seja fácil de cobrir os custos nas bilheteiras, mas um filme que custa o que «Lorelei» custou precisa de mais garantias de que se conseguirá pagar.

Encontro Cinema Japonês
Higushi comentou as suas fontes de inspiração. «Caça ao Outubro Vermelho» foi uma delas, sobretudo pelo “justo balanço em relação à acção interior e exterior ao submarino. Foi algo que tentámos fazer.” A finalizar, disse que “os japoneses precisam de reflectir muito sobre a sua participação na guerra, enfrentar o passado.” O filme, claro, é entretenimento puro, mas não deixa de dar um contributo para tal reflexão, traçando a oposição entre o militarismo dos adultos que põe em causa o futuro dos jovens e os usa para os seus fins.


(1) Mark Schilling é programador de cinema japonês para o Far East Film, crítico do Japan Times e autor de vários livros, como “Contemporary Japanese Film” e “Yakuza Movie Book: A Guide to Japanese Gangster Films”.

(2) Schilling também comentou que talvez o Teatro Nuovo não fosse o sítio ideal para comprovar o dinamismo da mistura sonora e a verdade é que a sala não denotando problemas técnicos também não parece exactamente ser o local privilegiado para demonstração de misturas sonoras digitais multicanal.

(3) Convenhamos: é esse “o ponto de partida” de Hollywood, mas o que o produtor terá querido dizer é que os públicos são diferentes e que no Japão pode-se fazer as coisas com os métodos locais, sem replicar os praticados nos EUA ou noutro território.

Fotos: Pedro Oliveira

17/05/2005



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