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JIFF 2006

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| 2. Japão |

«Haze» de e com Tsukamoto Shinya.
Ligações fortes: «Mrs.».
O Japão marcou presença com propostas bastante interessantes, começando por «Haze», de Tsukamoto Shinya, inicialmente integrado no projecto Digital Short Films de 2005, agora apresentado numa versão de 50 minutos — mais 20 do que a original. Tal como «Magicians», de Song Il-gon, com o qual foi exibido, «Haze» emprega o meio de forma esteticamente atraente, sem o look plano, frio e limpo, característico de muitas curtas-metragens rodadas em DV.

A sinopse do filme de Tsukamoto pode fazer lembrar «Cubo», de Vicenzo Natali, mas as semelhanças ficam-se pelo conceito do ponto de partida. Também arrancamos com alguém que desperta num espaço confinado e não se recorda como foi ali parar. O filme gera tensão e inquietação, à medida que a personagem principal (interpretada pelo próprio Tsukamoto), se arrasta, horizontal ou verticalmente, por entre estreitas paredes de cimento, ou tem de se suportar com os dentes num cano de metal e arrastar-se desse modo, sem poder assentar os pés no chão, coberto com arame farpado. Por vezes um ensaio sobre o sadismo, «Haze» desilude um pouco com um final que tenta dar respostas, algo que, creio, estava ausente da versão curta.

«Mrs.», de Zeze Takahisa, é um misto de drama familiar, thriller de mistério e sexploitation. Zeze é referenciado como autor de pinku eiga — cinema erótico com pouco pudor. O mesmo texto funcionaria sem a vertente carnal, mas assim torna-se mais colorido. Uma mulher entra num táxi, adormece e, quando acorda, está acorrentada. Uma série de flashbacks leva-nos a conhecer uma outra mulher e o seu drama: o desaparecimento do filho, que provoca o desagregar do casamento. A apimentar a narrativa, algumas cenas desinibidas de amor entre mulheres — e, surpresa, sem a costumeira censura óptica característica destas paragens.

Zeze Takahise respondeu às perguntas da audiência sobre «Mrs.».
A força do filme é a caracterização das personagens principais, a fraqueza o suporte DV pouco bonito. A imagem pareceu-me ligeiramente distorcida, ainda que, em termos gerais, a projecção digital durante o JIFF tenha sido excelente. (O problema, a havê-lo, estaria na fonte).

Yanagimashi Mitsuo dirigiu «Who's Camus Anyway?» («Camus Nante Shiranai»), um filme sobre um filme, cheio de referências a obras da 7ª Arte: abre com um longo plano-sequência em que se fala de filmes que abrem com planos-sequência («The Player», de Altman, «Touch of Evil», de Welles). Estudantes de cinema lutam contra as dificuldades em pôr de pé um thriller («The Bored Killer», na legendagem). Começa light, mas torna-se mordaz e profundo. O actor principal procura entender a motivação da personagem (há uma discussão intensa sobre isso). Coloca-se a pergunta: pode alguém matar apenas para saber como é matar alguém? O final, que se prolonga pelos créditos finais, é um tanto ou quanto dúbio, podendo desiludir quem espere resoluções definidas.


| 3. China |

Um dos filmes que marquei como "a não perder", mal soube que estava programado, foi «Riding Alone for Thousands of Miles» («Qian Li Zou Dan Qi»), o regresso de Zhang Yimou ao cinema mais intimista e ao realismo social do interior da China, depois dos épicos «Herói» e «House of Flying Daggers». Foi uma boa aposta, limpando nódoas de desilusão do filme anterior.

Takakura Ken (à esquerda», na rodagem de «Riding Alone for Thousands of Miles», com o realizador Zhang Yimou.
Cenário de Macau de «B420».
«Riding Alone...» filme tem a particularidade de ser uma co-produção com o Japão e protagonizado por Takakura Ken, interpretando um homem que viaja para a China para gravar uma ópera para o filho, internado num hospital com uma doença grave, tentando sanar uma relação cortada, antes que seja tarde demais. As dificuldades são imensas, mas ele mantém-se resiliente, firme nos seus objectivos (existem reminiscências de «Story of Qiuju»). As emoções e tudo o resto estão no sítio certo. Ouviam-se alguns fungares no final da sessão.

«B420» é uma produção de Hong Kong (filmado em Macau), com direcção de Mathew Tang, já comparada ao trabalho de Wong Kar-wai. O realizador esteve presente na projecção, disse-se fã, mas afirmou que eventuais semelhanças com «Chungking Express», ou outra obra de Wong, são coincidência. Há um (quase) triângulo amoroso entre personagens desiludidas com a vida. Uma rapariga que afirma que “a vida é como uma garrafa de Coca-Cola” está no centro da acção, juntando-se-lhe um rapaz por ela apaixonado em silêncio (a família receia que ele seja “efeminado”) e um outro, mais velho, desempregado e que vende DVDs (originais) para fazer uns cobres. Mais à frente há um plano para um golpe e acção, mas o filme vive das relações entre as personagens e os respectivos percursos.

| 4. Filipinas |

«The Masseur» («Masahista»), em concurso no Digital Spectrum, é um filme filipino sobre casas de massagem que funcionam como cobertura de prostituição homossexual masculina. O realizador Brillante Mendoza intercala o trabalho do protagonista com momentos do funeral do pai, e mostra a namorada furiosa, à espera no exterior da casa de massagens, vincando a normalidade de um modo de vida que para os massagistas é apenas trabalho, ao mesmo tempo que discorre sobre a vida e a morte.

| 5. Outros |

O JIFF apresentou filmes de proveniências muito diversificadas. Faltam agora referir alguns títulos de cinematografias normalmente excluídas da análise Cinedie Ásia, mas que vão merecendo breves notas no contexto de festivais de cinema ou outros artigos que o suscitem.

«The First on the Moon»: imagens de arquivo.
«Reason, Debate and a Story» («Jukti Takko ar Gappo») (Índia, 1974) foi o único dos títulos da retrospectiva de Ritwik Ghatak que foi possível ver. Ghatak focou, ao longo da carreira, questões políticas e culturais relacionadas com a separação de Bengala (onde nasceu) em territórios administrados pela Índia e pelo Paquistão (de onde nasceria o Bangladesh); migração e a miséria daí decorrentes ou outros problemas dos refugiados. Ghatak interpreta a personagem principal, um intelectual alcoólico abandonado pela mulher, que vagueia sem destino, na companhia de outros desajustados.

«A Spring for the Thirsty» («Krynytsya dlya Sprahlykh» (Ucrânia, i.e. URSS, 1965) fez parte da mostra de títulos proibidos durante o regime comunista de Moscovo, sendo permitida a sua exibição apenas com a perestroika de Gorbatchov, no final dos anos 80. Subtitulado “uma alegoria em filme” é uma sucessão de imagens e de simbologia, que a censura provavelmente optou por proibir mesmo antes de tentar descodificar. A personagem central é um velho que tem um poço e que pensa constantemente na morte. A projecção foi em vídeo, presumindo-se que por impossibilidade de encontrar cópias disponíveis.

«The First on the Moon» («Pervye na Lune») é um filme russo, integrado na competição principal, Indie Vision, sob a forma de falso documentário (mocumentary), que relata, com o auxílio de imagens de arquivo, as tentativas dos soviéticos de enviarem homens para a lua no final dos ano 30. Tecnicamente convincente, mas com um tom demasiado sério para esboçar mais do que alguns sorrisos. Aliás, não será difícil que muitos espectadores sem informação prévia demorem algum tempo a perceber que o “material de arquivo” é de produção recente.

«Familia» (Indie Vision) é um sólido drama canadiano, que foca os problemas de um conjunto de personagens ligados por laços familiares. Uma mulher em fuga de um namorado violento, afogada em problemas derivados do jogo, passa algum tempo com a filha adolescente na casa da ex-cunhada. Esta, entretanto, quer perceber porque é que o marido passa muito tempo fora de casa. Ingredientes básicos, muito bem confeccionados, numa obra dominada pelo género feminino. Primeira longa metragem de Louise Archambault. A razão para a grafia do título escapa-me.

«Offside», de Jafar Panahi, foi escolhido como filme de abertura da 7ª edição do JIFF, com a presença do realizador iraniano, no Sori Arts Center de Jeollabuk-do. De Panahi conheço apenas «O Círculo», do qual não apreciei o estilo documental, imparcial, por muito relevante que seja a análise social de atitudes perante o sexo feminino, camufladas pela religião, que, sob um olhar europeu, são quase medievais.

«Offside»: fanáticas por futebol.
«Offside» é diferente na abordagem, pois assenta muito no humor, com base na situação em que raparigas arriscam repreensão social ou a prisão, por se disfarçarem de homens e tentarem assistir, no estádio, a um jogo de futebol. Acabam por existir paralelismos narrativos com «O Círculo», mas a opção de tecer considerações sobre um tema sério por via da comédia potencia os resultados.

17/05/06


(Continua)
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