Lynn (Shu) e Sue (Zhao) são duas irmãs que se dedicam ao homicídio por contrato para ganhar a vida. Não que pareçam precisar de trabalhar para viver, tendo em conta a luxuosa casa onde residem e a tecnologia e os carros a que têm acesso. Mas a vida das duas manas foi condicionada por uma tragédia familiar e os alvos, como não podia deixar de ser, não são exactamente uns anjinhos. Depois de eliminarem o CEO de uma importante corporação, Hung (Mok), uma agente da polícia na área forense, mas cheia de vontade de se dedicar à investigação, segue-lhes o rasto, com o auxílio de Ma (Wai), o assistente. Com o regresso do amor de outros tempos, Lynn ouve o conselho do seu relógio biológico, que lhe diz que chegou a altura de ser esposa e fada do lar, em vez de andar por aí a matar pessoas, com muito glamour. Por seu lado, Sue não é muito receptiva à ideia [1].
Corey Yuen Kwai é um dos mais célebres directores de acção de Hong Kong. Além de títulos a seu crédito enquanto realizador, onde se incluem «Ninja in the Dragon's Den» (1982), «Yes, Madam» (1985) — o filme que tornou Michelle Yeoh uma estrela — ou os dois «Fong Sai Yuk» (1993), com Jet Li Lian-jie, Yuen foi coreógrafo de acção em produções ocidentais como «X-Men» (2000) ou «Le Baiser Mortel du Dragon» (2001). No mesmo ano em que assinou «So Close», distribuído no nosso mercado de DVD como «Assassinas Profissionais», o realizador de Hong Kong dirigiu o britânico Jason Statham e a taiwanesa Shu Qi na produção franco-americana «Correio de Risco/The Transporter». «The Transporter» é, provavelmente, um dos filmes ocidentais que melhor sucedeu na tentativa de replicar a acção ao estilo dinâmico de Hong Kong, ainda que a nível de argumento o resultado não tenha sido exactamente satisfatório. O mesmo se pode dizer das necessidades de uma classificação etária teen que forçaram a uma montagem light nas cenas de acção.
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As manas assassinas: Shu Qi e Zhao Wei. |
Para alguns, «So Close» (“anjos do pôr-do-sol” ou algo assim, no título chinês) é um filme hollywoodesco, não sendo rara a referência ao lamentável «Naked Weapon», do mesmo ano, e pela mão de outro realizador também mais célebre como coreógrafo de acção/director de artes marciais: Ching Siu-tung. É de admitir que, a uma certa distância, há semelhanças incontornáveis: assassinas sensuais (várias), cabelos esvoaçantes em slow-motion e muita acção. Isto demonstra apenas que em nenhum dos casos houve grande preocupação em criar um argumento original ou “denso”. «Naked Weapon» é um soft-core tímido, que se esforça por se vender ao mercado internacional como filme de acção sofisticado. «So Close» é, desde logo, uma produção da Columbia Pictures Asia, com presença, a priori, no mercado global, mas não revela constrangimentos particulares para agradar ao público ocidental, nem se compromete a Oriente e a Ocidente, para fazer toda a gente feliz. O filme de Yuen é, fundamentalmente, uma obra de acção, de onde algum erotismo emana de forma natural e sem parecer forçado (e com este elenco, era difícil que assim não fosse).
Yuen Kwai consegue, a cada momento, controlar o tom adequado para o seu filme. Este quer-se ligeiro, sem dúvida, mas sem um bom equilíbrio entre os vários elementos pode-se estragar tudo. Os exageros cénicos conseguem-se desculpar e aceitar como puro divertimento — como quando a personagem de Shu Qi [2] é apresentada, seus longos cabelos ao vento... dentro de um edifício de alta segurança, fechado. A utilização da tecnologia e dos acessórios é levada ao absurdo e muito cedo deixamos de pensar nisso. Alguns filmes usam imagens geradas por computador mais ou menos convincentes, «So Close», vai “mais longe” e usa processos de criação de CGI no mundo real, numa irreal sequência de perseguição em que se criam personagens virtuais “foto-realistas” para câmaras de vigilância. Como levar isto a sério? Bom, podemos sempre considerar que estamos “num futuro próximo”.
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Kong Yat-hung (Mok Man-wai), a polícia de serviço, à esquerda, no encalço de Sue (Zhao Wei), à direita. |
Apesar dos elementos de caricatura e improbabilidades tecnológicas, o argumento de Jeff Lau Chun-wai (realizador de «Chinese Odyssey 2002», onde Zhao Wei também marcou presença), cria três personagens femininas bem distintas e consegue criar alguma química entre elas, duas a duas — Shu vs. Zhao vs. Mok —, bem como empatia do público com cada uma delas. Para os homens, sobram os papéis dos bobos, vilões de serviço — maus, sem escrúpulos ou qualquer característica redentora — ou o redundante interesse amoroso interpretado pela guest star Song Seung-heon, da Coreia do Sul. Se a «The Killer», de John Woo, e seus infindáveis derivados se associa o rótulo de male bonding [3], «So Close» pode ser considerado um dos bons títulos dentro do subgénero do female bonding, ao lado de, por exemplo, «Heroic Trio» (1993), de Johnnie To Kei-fung e Ching Siu-tung ou «No Blood No Tears» (2002), de Ryu Seung-wan.
A caminho das duas horas de duração, «So Close», mantém sempre um bom ritmo, não exagera do humor e os breves momentos melodramáticos são contidos e nunca se tornam risíveis. A acção é a principal razão para a maior parte da audiência procurar o filme e é aí que o marketing — quase 100% honesto, para variar — investe para a sua divulgação. Não me parece que existam razões para que alguém se venha a sentir defraudado, pois o filme de Yuen Kwai é uma das obras recentes que mais se consegue aproximar do dinamismo dos filmes de kung fu produzidos em Hong Kong nas décadas precedentes. Como não podia deixar de ser num filme de Yuen, os fios são usados com frequência, mas como auxiliares da acção e não em substituição desta. Isto é, sendo certo que muitos os combates corpo a corpo são, por norma, “irrealistas” e os oponentes se assemelham, por vezes, a super-heróis, o wirework não chama em demasia a atenção para si.
Tudo indica que a Columbia distribuiu o filme na sua versão original inalterada a nível planetário, sem adaptaçõezinhas, e isso inclui a edição nacional. No entanto, há que chamar a atenção para as vantagens de um DVD, como o de Hong Kong, que inclua pistas de som em cantonês e em mandarim. Isto porque, apesar de gravado em som síncrono, este é mais um filme onde é difícil falar em “versão original”. Zhao Wei e Shu Qi são falantes nativas de mandarim e foi esse dialecto que usaram durante a rodagem. Mok Man-wai e a generalidade dos secundários usam o cantonês (suponho que a breve participação de Song foi em coreano). No entanto, Mok dobra a sua própria voz na pista mandarim e usa a “língua comum” sempre que interage com uma das outras actrizes. Tal implica que os diálogos mais relevantes fluam mais naturalmente visionando o filme em mandarim.
[1] No original, os nomes próprios das irmãs são Oi-lam e Oi-kwan. Em mandarim (pinyin): Ailin e Aiqun, respectivamente. No tratamento informal é comum a utilização apenas do último nome, i.e., o terceiro caracter, acompanhado do auxiliar fonético Ah (Ah Lam, Ah Kwan / A Lin, A Qun). Apesar da legendagem optar por "Lynn", no filme chega a ver-se escrito "Ailin", no monitor de um computador (durante um chat).
[2] O nome de Shu é por vezes romanizado Hsu Chi, uma vez que a actriz é originária de Taiwan, onde a romanização pinyin nunca foi implementada. Mais raramente se usa a romanização com base no cantonês: Shu Kei (ou Syu Kei, variante que deverá ser mais próxima da pronúncia correcta do nome nesse dialecto).
[3] Há quem prefira a expressão “homo-erotismo”. É uma questão de preferência.
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