Ji-hwan (Cha) recebe regularmente cartas de amor; fotografias a preto e branco, com devaneios poéticos inscritos a branco. Cinco anos atrás, ele trabalha no bar de um amigo. Certo dia, entram duas raparigas e ele fica apaixonado, à primeira vista, por uma delas — Su-in (Son). A jovem é tímida e recatada e, sentindo-se incomodada com os avanços de Ji-hwan, afasta-o delicada mas firmemente. A amiga, Kyeong-hi (Lee), tem uma personalidade quase oposta: é alegre e comunicativa. A partir de um novo encontro, solidifica-se uma amizade com três vértices e os três começam a passar muito tempo juntos. Mas quando o amor desponta a unidade do trio é necessariamente posta em causa. Cinco anos no futuro: ele está sozinho. O que teria acontecido? Onde estão Su-in e Kyeong-hi? Voltará a encontrá-las? Quem envia as cartas?
Talvez fosse demasiado óbvio ou redundante referir-me a «Lover's Concerto» como o «Les Deux Inglaises et le Continent» coreano, mas, estranhamente (?), não deparei com nenhum texto que fizesse referência ao filme de François Truffaut de 1971. Truffaut filma uma história de época, com pessoas de diferentes origens culturais, separadas pelo Canal da Mancha, e Lee Han assina uma obra centrada em três jovens na Coreia do Sul dos nossos dias, mas o esqueleto narrativo dos dois filmes é similar. Tal como em «Jules et Jim» (1962) — variante dois moços, uma moça —, explora-se a dinâmica de uma relação de amizade a três, afectada pelo despontar de ligações amorosas. O cinema coreano, o melodrama em particular, é tendencialmente mais casto — uma construção dramática onde a consumação física dos desejos não é tida como essencial. Na Europa ou nos EUA, tal material, filmado hoje, provavelmente investiria nas possibilidades eróticas da história, à medida que se "testava" uma relação, depois outra e — quem sabe, não sejamos preconceituosos — ainda uma terceira. «Lover's Concerto» não é excepção a esta "norma"; por esse prisma é uma obra quase platónica, onde nem falta um fade out seguido de elipse, escudando um momento um pouco mais íntimo dos olhares indiscretos da audiência. A princípio, podemos estranhar o modo como a cena é apresentada por estarmos habituados a ocupar uma posição de voyeurs sem culpa associada.
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Da esquerda para a direita: Cha, Lee e Son. |
«Lover's Concerto» foi o filme que Cha Tae-hyun escolheu depois de «My Sassy Girl», sendo natural que, por esse facto, se tivessem gerado algumas expectativas, ainda que nada indicasse que o filme ou o papel do actor apresentassem alguma semelhança com a referida comédia. Na mesma altura, Kwak Jae-yong, realizador de «My Sassy Girl», assinava «The Classic» e as expectativas — de quem esperava algo similar ou “compatível” — saíram goradas, pois investiu-se a fundo no melodrama (demasiado, ficando a sentir-se que a narrativa foi fabricada para cumprir certos objectivos — mas tal fica para desenvolver oportunamente).
Ao contrário de «The Classic», «Lover's Concerto» não aponta para o céu, tentando apresentar-se como um épico do género, um “espremedor de lágrimas” non-stop. A história é simples e directa, sustida nos desempenhos de três actores, com Son Ye-jin (de «Chwihwaseon», mas protagonista também no anteriormente citado «The Classic») e Lee Eun-ju (do recente blockbuster «Taegeukgi»), a acompanharem Cha Tae-hyun. As personagens não se apresentam como fora do comum, jovens "muita malucos" e espirituosos, nem se pode dizer que a mais expansiva das raparigas seja particularmente sassy. Não há, nesse âmbito, uma tentativa de moldá-las de uma forma mais apelativa para a audiência. São três jovens banais, com vidas simples, que tentam lidar com uma nova amizade. Uma personagem mais apagada, desconsolada, outra mais espevitada, dinâmica; ele, tímido, a oscilar entre as duas, seus pólos gravitacionais.
Em relação ao elenco de «Lover's Concerto», fica ainda uma nota para a presença da actriz Mun Geun-yeong (a irmã mais frágil e sensível de «Janghwa, Hongryeon» [«A Tale of Two Sisters»]), num desenvolvimento romântico paralelo, a decorrer no tempo presente.
Qualquer melodrama que se preze tem de caminhar para um segmento final em que os acontecimentos conduzam algumas das personagens à mais profunda miséria, esvanecendo os sorrisos que se vão aguentando por uma atmosfera mais ou menos ligeira, polvilhada por situações engraçadas, cute, que, no fundo, só servem para nos distrair daquilo que devíamos estar à espera, prolongando momentos idílicos de felicidade inevitavelmente ténue. A montagem, com avanços e retrocessos cronológicos, e o mistério sobre o desenlace das relações do passado, contribuem para suster o interesse do espectador e manter obscurecido o momento em que as nuvens negras se juntam para cobrir as personagens. Há uma espécie de twist, como também é quase obrigatório nos exemplos mais recentes deste género, bem desenvolvido e integrado na narrativa, que se revela de forma natural e contribui para que o final — já depois de processada essa informação — se venha a revelar equilibrado e satisfatório. Ainda que miserável. Mas é essa a função de um bom melodrama: proporcionar satisfação a partir da miséria de terceiros, ficcionada num ecrã de cinema.
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