Inudo Isshin é um conhecido realizador independente japonês, que começou a sua carreira no mundo da publicidade. «Two People Talking» (1995) ganhou o Grande Prémio do Sundance Film Festival in Tokyo. «Across a Gold Prairie» (2000), sobre um homem de 80 anos que acordou uma manhã a julgar que era ainda um jovem de 20, foi exibido no Forum da Berlinale.
Inudo, que assinou também alguns argumentos levados a bom termo por outros realizadores — «Osaka Stories» para Ichikawa Jun e «Yomigaeri» para Shinoda Akihiko — criou, em 2005, «All About my Dog», um filme em segmentos, co-dirigido com vários realizadores, e «Himiko's House», protagonizado por Shibasaki Kou, com base na relação entre uma jovem e o pai gay.
«Jozee to Tora to Sakanatachi» é um drama romântico com dois protagonistas atípicos. Ele, Tsuneo, é um jovem hedonista, que dá pouca importância às relações com o sexo oposto, para lá da componente física. Ela, Kumiko, vive à margem da sociedade; não só por ser pobre, mas sobretudo por ser deficiente motora, confinada ao espaço exíguo da casa que partilha com a avó.
À primeira vista, a história pode parecer banal e mais adequada a ser transformada num “caso da vida”. Na realidade, as personagens são desenvolvidas independentemente do que esperaríamos dos seus tipos, i.e., “estudante universitário” e “rapariga pobre e deficiente”. Tsuneo pode aproximar-se do tipo referido, mas não necessariamente do modo como o mesmo costuma ser utilizado no cinema.
Kumiko, que se apresenta como Josée, um nome que adoptou a partir de uma personagem da escritora francesa Françoise Sagan (1935-2004), tem pouco contacto com o mundo exterior mas nutre uma grande paixão pela leitura. Os livros que lê são recolhidos pela avó, no meio do lixo da vizinhança. Tsuneo cruza-se com ela por acidente e aproxima-se — primeiro, por curiosidade; depois, por constatar que a rapariga é uma excelente cozinheira.
Kana (interpretada por Ueno Juri) surge na narrativa como a menina bonita e perfeita, para contrastar com Kumiko. A formar-se em segurança social, parece natural que queira ajudar Kumiko e a avó a pedido de Tsuneo, mas gera-se uma tensão passível de provocar rupturas, à medida que se forma uma triangulação de sentimentos.
A personagem mais interessante não poderá deixar de ser Kumiko/Josée, mas mesmo os secundários estão muito bem delineados. O amigo de Josée surge a início como comic relief, um weirdo que poderíamos esperar encontrar num filme de Imamura, mas a sua presença acaba por se revelar importante para melhor a conhecermos a ela.
Kana é essencial para forçar Tsuneo a uma escolha e é um tipo de personagem que normalmente seria "subescrita" — usada e dispensada mal cumprisse a sua função. Não é o caso; ainda que secundária, é igualmente credível e fortemente humanizada, com todas as suas forças e as suas fragilidades.
«Jozee to Tora to Sakanatchi» sustém-se mais nas personagens do que no texto. A força que delas advém traz-nos essa rara sensação de nos olvidarmos da construção ficcionada e de simplesmente seguirmos o seu percurso, ao ponto de não questionarmos opções do argumento, mas sim das pessoas que vemos no ecrã. É uma das sensações mais satisfatórias que podemos ter ao ver um filme.