Xingfu Shiguang [Happy Times]
Happy Days, Happy Time
幸福时光 (xìng fú shí guāng)
Realizado por Zhang Yimou
China, 2000 Cor – 106 min.
Com: Zhao Benshan, Dong Jie, Dong Lihua, Fu Biao, Li Xuejian, Leng Qibin, Niu Ben, Gong Jinghua, Zhang Hongjie, Zhao Bingkun
drama comédia
Capa DVD
Zhao (Zhao), cinquentão, solteirão, reformado e falido, procura a esposa perfeita: gorducha, para aquecê-lo nas noites de Inverno. Depois de encontrar a candidata ideal (Dong Lihua), Zhao vai ter de conseguir juntar uma considerável quantia em dinheiro para o casamento, não se coibindo de convencer a noiva de que é proprietário de um hotel muito bem sucedido. A mulher vive com o filho mimado (Leng) e a filha do ex-marido, Wu Ying (Dong Jie), uma rapariga cega de 18 anos, e vê em Zhao a oportunidade ideal para se ver livre dela, sugerindo-lhe que arranje um emprego para Ying no “hotel”.

Depois de «O Caminho para Casa» e «Nenhum a Menos» (ambos de 1999), com «Xingfu Shiguang» (tempos ou dias felizes) o realizador Zhang Yimou mantém-se no terreno de um registo low profile, contando uma história sem complexidades, com personagens bem delineadas, que prosseguem objectivos simples e bem definidos e que se podem resumir, afinal, à busca pela felicidade. A acção de «Happy Times» decorre novamente na cidade (em Pequim, mas o realizador não mostra particular interesse pelo cenário de fundo), nos dias de hoje, em contraste com o cinema mais “clássico” de Zhang. Estamos perante um registo de comédia, com o desenvolvimento de temáticas que se vão revelando mais sérias à medida que o filme evolui, chegando a um final onde já não há muito para rir. O humor acaba por constituir um método de prender a audiência às movimentações das personagens e de, subtilmente, lhes reduzir as defesas, tornando o clímax emocional mais ressonante. Mas cedo no filme que se torna óbvio que nem tudo é para rir, em particular a partir do momento em que a madrasta – sem nome no filme e creditada como “Mulher Gorda” na versão chinesa e, aparentemente, de modo mais “correcto” e “engraçado”, na versão inglesa como “Chunky Momma” – e o seu filho revelam sentir um real desprezo por Ying.

Zhao Dong Zhao Dong Leng
Zhao a caminho de um encontro, com as flores mais baratas do mercado. À direita: uma família feliz?

O abandono de temas político-sociais por parte de Zhang deve-se certamente às dificuldades inerentes à aprovação do guião pelas autoridades, mas o realizador afirmou também que o público chinês já não está interessado em filmes que abordem temáticas como a Revolução Cultural e as suas consequências, no seio de uma sociedade que cada vez mais se aproxima da sociedade consumista (e materialista) ocidental. Mas a linearidade da história, por si só, não foi suficiente para que Zhang realizasse o filme livre de interferências, pois a comissão chinesa que regula o cinema pediu-lhe que transformasse Zhao e os seus amigos, originalmente desempregados da indústria fabril, em reformados. Ver desocupados homens que parecem ainda novos para estarem reformados, sem que se teçam comentários sobre a sua situação, pode suscitar alguma estranheza (mas mesmo com a remoção de referências específicas, acaba por ser mais fácil ao espectador assumir que são desempregados).

«Happy Times» não é o filme de Zhang Yimou universalmente mais apreciado e o próprio terá admitido ser aquele que menos gosta, no seio de uma obra que se iniciou em 1987, com «Hong Gaoliang» [Red Sorghum], depois de uma carreira como director de fotografia, e que teve já o seu ponto alto, a nível de sucesso comercial, em «Ying Xiong» [Hero], estreado em Dezembro de 2002 na China e Hong Kong. Para tal (des)apreciação pode contribuir o facto de que as expectativas dos que ainda esperavam um Zhang polémico (político) sejam continuamente quebradas, ao fim de três filmes tão pouco “grandiosos”.

Massagem
Zhao e os amigos constroem uma sala de massagens.
Há algo mais que não caiu bem perante muitas pessoas, em particular as que vêem uma mensagem “imoral” no filme e na história de uma rapariga cega que é enganada por um grupo de homens com muito tempo livre, parecendo transmitir-se a ideia de que tal não só é correcto como consiste numa grande simpatia da parte deles. Veja-se, por exemplo, o conhecido crítico norte-americano Roger Ebert, algo sensível a “questiúnculas” relacionadas com a “falta de honestidade” patente na “mensagem” de alguns filmes, que escreve um texto irónico do início ao fim, tentando ilustrar aos seus leitores o “logro” que têm pela frente e concluindo que se a generalidade dos seus colegas de profissão apreciaram o filme tal deverá resultar de uma concessão cultural (porque se trata de um filme chinês), uma vez que a premissa de «Happy Times» não funcionaria num filme com Steve Martin e Winona Ryder nos principais papéis (não é muito difícil de admiti-lo, pois não?) Não percebi muito bem como é que daqui se consegue passar à observação “sarcástica” de que os senhores são tão bem intencionados, enquanto enganam vergonhosamente a menina, que nem sequer a espreitam quando troca de roupa.

Ebert e outros partem de um ponto de partida que é, a meu ver, errado. Não se coloca em causa que enganar terceiros é incorrecto, imoral ou desprezível e que tal acto é mais grave quando alguém se aproveita de fragilidades físicas ou emocionais que condicionam as capacidades perceptivas de outrem. O que é curioso, e que poderá ter escapado a alguns comentadores, é que “Xiao” Wu é mais perspicaz e, em certos aspectos, menos ingénua que aqueles homens (e uma mulher) plenos de experiência de vida, que acreditam realmente que poderiam levar a sua avante. É indiscutível que Zhao segue interesses próprios, de modo a poder levar por diante o casamento com a madrasta de Wu Ying, e que a encenação se destina a tentar mantê-la satisfeita até chegar ao altar. O interesse do filme, e a força que é conferida à sua resolução emocional, advém do modo como a relação entre Wu e Zhao vai evoluindo, à medida que entre eles se desenvolve uma relação de substituição pai-filha; perante o facto dela ter sido abandonada e não receber notícias do pai, ele procura ler-lhe uma carta ficcionada, para manter acesa nela a chama da esperança por um futuro melhor. Para Ebert tal seria outra desonestidade, mas seria redutor afirmar que Zhao está simplesmente a mentir à rapariga (deixar-se-ia enganar?), porquanto esse acto insere-se numa assunção gradual, ainda que inconsciente, por parte dele, da posição do pai ausente. Estas reacções algo ultra-PC parecem partir do princípio que uma personagem invisual precisa de protecção extra (por parte de críticos de cinema?) e que enganá-la é uma imoralidade inaceitável, que remove todo e qualquer interesse que poderia existir na narrativa. Outro filme onde figurem situações de burlas e fingimentos certamente não trará problema algum, desde que a “vítima” seja um indivíduo em perfeito estado de saúde e sem deficiências.

Dong

«Happy Times» conta com um elenco sólido em prestações convincentes. Zhao Benshan é um actor popular na TV da RPC, tendo participado n' «O Imperador e o Assassino» (1999), de Chen Kaige. Dong Jie começou a estudar na Academia de Dança de Pequim aos 10 anos e iniciou a carreira profissional nesse campo com 15. A jovem foi escolhida por entre largos milhares de raparigas, que se candidataram através da Internet e através da participação de nove jornais chineses no casting, numa operação mediática sem precedentes na República Popular. A Dong augura-se um futuro promissor, nem que seja apenas por termos em conta que Zhang Yimou foi responsável pelas estreias das actrizes Gong Li e Zhang Ziyi.

Dong
Após constatarem que o final do filme não agradou ao público das primeiras sessões, os produtores terão impelido Zhang a modificá-lo. O que é estranho é que o fim novo não é mais feliz que o original, apesar de acrescentar uma resolução mais definida à história, onde antes se tinha uma conclusão relativamente aberta. Talvez Zhang tenha querido vingar-se, desencantando um final ainda menos “comercial”, mas não deixa de ser estranho (e de lamentar) que com um filme desta natureza e na China, existam também estes constrangimentos que levam a alterações quando as primeiras projecções não agradam. Como o fim original nem sequer é incluído como extra nas edições em DVD de Hong Kong e dos EUA, é difícil aceitar que o realizador não tenha aprovado o novo que, em todo o caso, parece funcionar melhor do ponto de vista dramático.

4
DVD de Hong Kong editado pela 20th Century Fox (R3), com som Dolby 5.1 e formatação de imagem anamórfica. A definição da imagem é aceitável, mas está longe da melhor apresentação possível. Parece que o DVD americano (Columbia, R1) padece da mesma limitação, talvez por ambos serem de layer único. Não há extras dignos de relevo (o R1 inclui trailers para outras edições da distribuidora). O DVD da RPC inclui um segmento de 9 minutos com o “fim antigo”, mas a transferência vídeo será a pior de todas.

publicado online em 4/02/03

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