Yusheng (Sun) regressa a casa, na aldeia de Sanhetun, junto às montanhas, para o funeral do seu pai. A mãe, Di (Zhao), insiste para que se cumpra a tradição local de carregar o caixão desde uma cidade próxima, onde o marido faleceu, até à pequena aldeia, para que ele não se esqueça do caminho até ao local onde deu aulas durante 40 anos. Enquanto Di tenta persuadir o filho, embarcamos numa viagem pelas suas memórias, até 1958, quando Luo Changyu (Zheng), com 20 anos, chega à aldeia para assumir o posto de professor da pequena escola primária e conhece Zhao Di (Zhang), dois anos mais nova, a sua futura mulher.
A simplicidade da história deste filme de Zhang Yimou é inversamente proporcional à sua eficácia dramática. Com menos de 90 minutos, consegue contar uma história em dois tempos diversos, passado e presente, sem pretensões épicas. Aqui não há lugar a surpresas: somos apresentados às personagens principais, Di, em redor de quem tudo se desenrola, e Yusheng, o filho, o elemento estranho de fora, que transporta, afinal, o nosso olhar. Somos confrontados com a morte do pai, no primeiro minuto do filme. As memórias da mãe vão-nos apresentar a história de como os dois se conheceram e o filme, narrativamente, não vai além disto, de modo que se torna difícil apontar ao leitor onde estão todas as suas qualidades. Mas pode-se sempre tentar.
Será mais fácil elogiar «O Caminho para Casa» pela ausência de (d)efeitos do que por uma qualquer lista de qualidades. A verdade é que qualquer história, por mais simples que seja, pode dar um bom filme, desde que uma série de ingredientes estejam reunidos: bons actores, que tornem credíveis os papéis, um texto coerente, uma boa execução técnica e, no caso de um drama “sério”, um percurso narrativo sem buracos lógicos ou personagens a mudar o rumo aos acontecimentos porque tal fica “bem” no filme, e não porque faz sentido.
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Acompanhado pela mãe (Zhao), Yusheng (Sun) visita a escola onde o pai trabalhou toda a vida.
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Pela positiva, podemos começar pelo que primeiro nos atinge: a bela fotografia (de Hou Yong), que começa a preto e branco, passa para a cor e regressa ao preto e branco para o epílogo, numa inversão do que é mais natural vermos no cinema, quando se quer apresentar flashbacks. Aqui a cor é usada nas cenas nos anos 50 e o preto e branco no tempo actual. Sem tentar decifrar comentários políticos da parte de Zhang, poder-se-ia, humildemente, sugerir que o preto e branco se ajusta à velhice, ao período de luto, e as cores deslumbrantes à juventude, ao início da felicidade e do amor. Por outro lado, por um prisma menos “poético”, faz mais sentido que o corpo principal do filme seja a cores e não a preto e branco, até porque o filme, por muito “arte e ensaio” que seja, continua a querer atingir uma audiência e um mercado, já pouco habituados a filmes que não sejam coloridos. O resultado é o mais importante e a passagem para a cor ou o regresso ao preto e branco, adequam-se ao modo como as diversas emoções se expressam.
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Di (Zhang) e o professor Luo (Zheng) trocam olhares.
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Baseado num livro de Bao Shi, que também escreveu o guião para o filme, «O Caminho para Casa» poderia fazer uma sessão dupla com «Nenhum a Menos/Yige Dou Bu Neng Shao», do mesmo ano. Em ambos, Zhang usa cenários semelhantes: uma aldeia na China profunda, uma escola degradada e um professor no centro da história. As semelhanças são mais formais, pois enquanto neste filme estamos no campo do drama romântico, em «Nenhum a Menos» o tom é quase documental e seguimos uma miúda de 13 anos que tem de dar aulas numa escola primária durante um mês. Estes filmes – pós Gong Li – afastam-se em tom das obras que celebrizaram o realizador, podendo-se admitir que funcionaram também como uma forma de descansar durante algum tempo, evitando as dificuldades das grandes produções, mas também os problemas burocráticos com as autoridades. Assim poderá Zhang ter-se dedicado com toda a energia a «Hero», o seu wuxia pian de grande orçamento e cheio de estrelas (Jet Li Lianjie, Maggie Cheung Man-yuk, Tony Leung Chiu-wai, novamente Zhang Ziyi e ainda Donnie Yen Chi-dan).
Zhang Yimou declarou ter querido evitar um olhar sério e analítico sobre um período conturbado da história chinesa, antes preferindo métodos poéticos e românticos, para contar uma história simples. Num texto publicado no site da Columbia, aborda a noção do estudo e o modo como tem sido desvalorizado na China, em dois momentos distintos: décadas atrás, por razões políticas, os intelectuais foram perseguidos e o estudo considerado pouco útil para a sociedade, por oposição ao trabalho [refere-se, obviamente, à Revolução Cultural]; no presente, com o gradual melhoramento das condições económicas, o materialismo e a obsessão pelo dinheiro empurram para segundo plano a obtenção de conhecimentos e o enriquecimento pessoal através dos estudos.
O filme, cujo título original se traduz por um mais directo “Os Meus Pais”, conta também com eficazes desempenhos por parte do seu elenco, sendo incontornável comentar a presença de Zhang Ziyi, imediatamente antes do filme que a tornaria uma “estrela internacional”, «Crouching Tiger, Hidden Dragon», numa óptima composição dramática, calcorreando – e por vezes tropeçando – sobre a fina linha que separa a rapariga ingénua da mulher determinada a perseguir os seus objectivos.
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