Ouyang Feng (Cheung) é um intermediário que fornece serviços de assassínio, a partir do seu estabelecimento situado no deserto, por onde passam regularmente guerreiros interessados em ganhar dinheiro através das utilização das suas espadas. Huang Yaoshi (Leung Kar-fai), amigo de longa data, visita Ouyang todos os anos. Um dia, traz com ele um presente invulgar: um vinho mágico – chamado, idiomaticamente, "vida despreocupada" – que tem o poder de apagar a memória, mas acaba por ser o próprio Huang a bebê-lo. Cedo começa a esquecer-se. Esquece-se, inclusive, de quem é a pessoa com quem mais tarde bebe – o seu melhor amigo. Ex-melhor amigo, pois aquele que virá a ser conhecido por Espadachim Cego (Leung Chiu-wai), foi por Huang atraiçoado. O Espadachim Cego aceita trabalhar para Ouyang porque não tem dinheiro e quer voltar à sua terra natal a tempo de ver o florir dos pessegueiros, uma última vez antes de perder a visão. Entre os clientes de Ouyang contam-se Murong Yin (Lin) e o irmão Murong Yang (Lin). Este quer mandar matar Huang, por ter abandonado a irmã, Yin, depois de prometer casar com ela. Por sua vez, Yin quer matar Yang, alegando que o irmão quer destruir a relação entre ela e Huang.
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Leslie Cheung, Brigitte Lin, Tony Leung Ka-fai, Jacky Cheung, Carina Lau, Charlie Young, Tony Leung Chiu-wai.
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«Ashes of Time» não é o filme mais conhecido de Wong Kar-wai no Ocidente, mas foi aquele mais difícil de concluir, excedendo largamente prazos de produção e o orçamento previsto, vindo a ser terminado apenas ao fim de dois anos de rodagem. Enquanto tentava finalizá-lo, Wong, num ímpeto criativo, concluiu «Chungking Express» num par de meses, obtendo com esse filme bons resultados de bilheteira e recebendo, de um modo geral, bons comentários da crítica. Assim também Wong conseguiria resultados económicos para compensar o prejuízos pelo seu épico de artes marciais, que se viria a revelar um fracasso de bilheteira. As razões do insucesso poderão prender-se com as expectativas do público, ávido por um wuxia na tradição de favoritos como «Swordsman II» (1992) ou a sua sequela «East is Red», e o interesse terá morrido à medida que o “word-of-mouth” o denunciava como um “filme de autor”, pleno de meditações interiores, com cenas de acção desfocadas e demasiado rápidas para serem seguidas pelo olho humano. O cartaz [vd. imagem acima], com os nomes das maiores estrelas de Hong Kong, não foi suficiente para convencer o grande público.
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Leung Ka-fai (Huang Yaoshi, o Mal do Este)
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Esta não é certamente uma obra que se recomende a um público ávido por emoções fortes, obtidas a partir de um filme de acção (Thomas Weisser refere-se-lhe como “the definitive action film”, o que talvez sugira um visionamento em fast-forward); é um filme inteiramente coerente com a restante obra de Wong, revestido com os trajes do filme de género e de época. Só poderá ser visto como um produto “híbrido” por aqueles com preconceitos em relação à forma, i.e., às artes marciais e aos mecanismos de fantasia do tradicional wuxia pian, que aqui são usados como meio de exteriorização dos sentimentos das personagens. As cenas de acção, de um modo geral, não permitem vislumbrar muito do que efectivamente se passa no ecrã, com a câmara a arrastar-se velozmente de um ponto ao outro, transformando a imagem em manchas de cor desfocadas, ou é a câmara que se mantém estática enquanto os opositores – normalmente um herói contra dezenas de inimigos – se deslocam ao longo do enquadramento. (Razões suficientes para que o coreógrafo de artes marciais, o popular Sammo Hung Kam-bo, tenha ficado muito insatisfeito com o resultado final.) Wong não está interessado em criar sequências “emocionantes”, no sentido normalmente associado ao cinema de entretenimento, mas tão só em exprimir as emoções das suas personagens, através destes momentos em que se entregam a incontornáveis rituais de violência, morte e, por vezes, auto-destruição. «Ashes of Time», como a generalidade das obras de Wong, pós-«As Tears Go By» (1988), funda-se nas personagens e nas suas lamentações sobre o tempo perdido (o título internacional não se ajusta nada mal, mas também é verdade que assentaria como uma luva a todos os seus filmes), por oposição a uma narrativa mais convencional, onde os indivíduos se limitam a assumir um papel numa trama pré-determinada.
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Leung Chiu-wai (o Espadachim Cego)
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«Dung Che Sai Duk» apresenta todos os temas que caracterizam a obra de Wong Kar-wai. As diferenças formais – de género – não são suficientes para o isolarmos como um objecto atípico na filmografia do realizador. Se «Chungking Express» (1994), «Anjos Caídos» (1995) e «Happy Together» (1997) são contemporâneos, «Days of Being Wild» (1991) e «Disponível para Amar» (2000) poder-se-iam inserir na vaga categoria de filme de época. Por outro lado, «Anjos Caídos» e, em parte, «Chungking Express» seriam rotulados de “filme de gansters” e «Felizes Juntos» de “filme gay”? Na realidade, no conjunto da sua filmografia, apenas a primeira entrada, «As Tears Go By», se apresenta com características vincadas do filme de género (“gangster/crime”), apesar de Wong usar esses mecanismos e condicionalismos como pano de fundo à história que mais nos interessa, i.e., a relação entre as personagens de Andy Lau e Maggie Cheung. Tratando-se de um wuxia pian talvez seja mais difícil fazer as audiências esquecerem-se de que estão perante um filme de género, levando-as a esperar acção a rodos e não uma sequência intricada de lamentos e reflexões em voz-off, pois, tradicionalmente, por muito interessante e bem desenvolvido que seja o conteúdo de um filme de kung fu ou wuxia, o público sente-se no “direito” de ser igualmente recompensado com a componente do entretenimento. Por este prisma, será fácil entender porque é que «Ashes of Time», estreado em Hong Kong dois meses depois de «Chungking Express», tenha sido um magistral insucesso de bilheteira.
A rodagem deste épico não foi difícil apenas para o realizador, mas também para os actores que nele investiram muito tempo das suas carreiras. E dois anos na Hong Kong de meados dos anos 90, não eram dois anos em Hollywood; basta imaginar que, no início da década, um actor como Andy Lau inscrevia no seu currículo 10-14 filmes por ano. Mas Wong sempre foi imbuído de um grande espírito prático: o orçamento e os prazos passaram, toca a fazer outro filme em dois meses, para ver se se cobre o prejuízo. Não deixa de ser irónico que «Chungking Express» tenha sido o seu filme mais popular e o mais bem sucedido internacionalmente, até, claro, ao mais recente «Disponível para Amar».
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Cheung (Oyang Feng) e Lin
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Maggie Cheung Man-yuk, que considera ter desempenhado o seu primeiro papel enquanto actriz “a sério” num filme de Wong Kar-wai, «As Tears Go By», não se mostrou particularmente satisfeita com a participação em «Ashes of Time», onde tem um papel importante a nível de implicações sentimentais, influenciando diversas personagens, mas reduzido a um tempo de ecrã muito curto e a uma intervenção que pode passar despercebida pela maior parte do público. Entrevistada por Miles Wood, para o livro “Cine East”, Cheung afirmou receber, com frequência, elogios pela sua participação do filme, mas, quando perguntava ao interlocutor qual o nome da sua personagem, era comum obter respostas erradas. Cheung afirma ainda que a primeira vez que viu o filme se perguntou de que tratava, à segunda conseguiu apreciá-lo e à terceira compreendeu a sua essência (“há um momento na nossa vida que depois desaparece para sempre”). Na verdade, se «Ashes of Time» é um filme que vive da abstracção, funciona indubitavelmente melhor depois de ser visto várias vezes, devido à sua natureza fragmentada, à medida que vamos juntando os vários pedaços e entendendo as motivações e todas as relações de causa e consequência. No referente ao tema apontado pela actriz, um dos momentos mais emotivos do filme – pelo menos depois do espectador se ter liberto da aparente abstracção – é quanto a sua personagem ilustra esse conceito, o seu olhar no vazio, lamentando-se de ter desperdiçado os melhores anos da sua vida longe da pessoa amada.
Leslie Cheung, que inclui entre os seus trabalhos favoritos «Days of Being Wild», e que parece encontrar apenas aspectos negativos nos filmes em que participa, disse ter perdido demasiado tempo com a rodagem de «Ashes of Time», que Wong “é um tipo porreiro, mas muda de ideias com demasiada frequência” e que teve problemas com o guião (mais do que o normal, supõe-se). Reclama também com o facto da maioria das suas cenas terem sido transformadas em voz-off, o que “é muito injusto para mim. Parece que não tenho nada para representar. Penso que o filme tem algumas imagens muito belas, mas o guião é um desastre.” (Entrevistado por Fredric Dannen para o livro “Hong Kong Babylon”)
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Charlie Yeung e Carina Lau |
Nesta obra, a actriz Lin Ching-hsia tem oportunidade de aprofundar um tipo de personagem pela qual se tornou célebre noutros filmes, como o já citado «Swordsman II» (e III), mas também em «Deadfull Melody» ou «The Three Swordsmen» (ambos 1994): um papel masculino ou o de uma mulher trajando roupas masculinas. Aqui, a actriz – que se retiraria da 7ª Arte depois de «Chungking Express» – tem a oportunidade de ter em mãos simultaneamente um papel feminino e um masculino, em interpretações mais exigentes do que o que seria normal em qualquer uma das obras anteriormente citadas, onde Lin se poderia limitar a manter uma expressão viciosa e a desmembrar os seus oponentes. Aqui as personagens são apresentadas como dois elementos em harmonia e oposição, algo obviamente ilustrado pelos nomes próprios Yin e Yang, que, no entanto, acabam por ser uma adaptação dos nomes chineses, relativamente “intraduzíveis”; é que os caracteres pronunciam-se (e romanizam-se) exactamente do mesmo modo, mas com tons diferentes. Em pinyin, “ele” é Yàn 燕 e “ela” é Yān 嫣; na pronúncia cantonesa, a romanização correspondente é “jin”.
«Ashes of Time» não é somente o melhor filme de Wong Kar-wai ou um dos melhores filmes de Hong Kong, mas um dos melhores filmes jamais feitos. Dificilmente será visto em listas e tops, pois é ainda um filme relativamente recente e está ensombrado pelo fantasma do género (e pela péssima distribuição em vídeo até ao momento em que este texto foi escrito), mas ainda assim é possível encontrá-lo em alguns tops 10 de realizadores e críticos da edição especial da Sight and Sound de 9/02, onde, previsivelmente, se consagrou novamente «Citizen Kane» como o melhor filme de sempre.
Baseado no livro de Jin Yong (Louis Cha), “Shediao Yingiong Zhuan” ("The Eagle Shooting Heroes"), «Ashes of Time» pega em algumas das personagens dessa obra, onde surgem décadas depois dos acontecimentos ilustrados pelo filme, e cria-lhes uma vida anterior, funcionando assim como uma espécie de “prequela” ao livro. Isto é ilustrado nos momentos em que se insere um “flashforward” (também podemos ver todo o filme como um grande flashback, mas a narrativa fragmentada desincentiva tais tentativas de arrumação lógica e cronológica), apresentado as personagens idosas, e se subtitulam notas biográficas dizendo que Ouyang será mais tarde conhecido como “Ocidente Venenoso” (o Xidu do título original, “Malicious West” na legendagem) ou que Huang virá a ser conhecido pela alcunha de “Oriente Mau” (Dongxie ou “Evil East” na legendagem). Traduzindo directamente do inglês, “evil” e “malicious” acabariam por ficar muito semelhantes, mas a expressão original em chinês provavelmente tem esse intuito. Esses nomes talvez possam ser mais bem traduzidos na forma de uma expressão idiomática: “o Oriente é Venenoso, o Ocidente é Maligno” (ou "os problemas vêm de todas as direcções".) [Esta suposição deverá estar errada, conforme se poderá conferir pela caixa, abaixo]
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Lin Ching-hsia (a 2ª filha do Clã Murong) |
Wong Kar-wai pegou num clássico wuxia e usou-o à medida das suas ambições poético-narrativas. Com financiamento de produtoras sedeadas em todos os territórios chineses (continente, Taiwan e Hong Kong), normalmente satisfeitas em assinar contratos apenas com base no nome das estrelas associadas aos projectos (e este filme reuniu as maiores estrelas de Hong Kong, na época, antes de serem substituídas por uma geração de jovens estrelas pop), Wong fez um filme que se encaixa bem na prateleira da sua obra, passada e futura, mas com um orçamento várias vezes superior, permitindo-lhe ilustrar uma série de devaneios visuais, enquadrados pela lente de Christopher Doyle, interligando as diversas narrações em primeira pessoa, da galeria de personagens que gravitam em redor de Ouyang Feng, cada uma delas lamentando uma perda ou o tal momento que passou e que nunca mais será recapturado. O final dificilmente poderia ser definido de modo convencional [e isto não me parece que seja revelar demasiado sobre o filme, dada a natureza fragmentada da sua estrutura, mas o leitor que não o conheça poderá preferir abandonar o parágrafo por aqui]. As personagens desaparecem de cena, talvez sem terem mais do que tinham no início da história, para além da compreensão e aceitação dos seus erros, e o texto no ecrã apresenta o destino dos intervenientes principais. Se há algum ingrediente que possa constituir um “final feliz”, Wong limita-se a apresentá-lo quase num flash, permitindo que se vejam apenas alguns “frames” de uma resolução positiva. Isto é, Wong dá-nos um final feliz, que se perde se piscarmos os olhos no momento errado. Uma ilustração, afinal, de um dos temas mais fortes do filme.
Os Nomes em «Ashes of Time»
No filme existem várias personagens "novas", que não estavam presentes no livro. Todas as personagens "originais" (criadas por Jin Yong no romance original "Condor-Shooting Heroes") mantém os nomes que Jin Yong lhes deu. O título do filme 東邪西毒 (Wicked East and Poisonous West) é formado pelos nomes do Jiang-hu [1] das duas personagens principais. No romance, existem cinco "perfeitos"; no Jiang-hu: 東邪 / Wicked East, 西毒 / Poisonous West, 南帝 / Emperor South, 北丐 / Beggar North e 中神通 / All-mighty Middle (a minha tradução é muito má). ("Wicked" é uma tradução melhor do que "evil" para 邪xie).
Como se poderá ver, Jin Yong concebeu os nomes do Jiang-hu para estes cinco "perfeitos", baseado nos cinco elementos/pontos cardeais:
Este, Oeste, Sul, Norte e Centro. O título original de «Ashes of Time» é uma combinação de Wicked East (interpretado pelo "grande" Tony Leung [2] e Poisonous West (interpretado por Leslie Cheung). Fica muito para dizer sobre tais nomes, mas, por ora, esses nomes não constituem uma expressão idiomática (chengyu 成語). O título foi primeiramente usado nas séries da TVB, baseadas no livro "Condor-Shooting Heroes". A história é demasiado longa para ser transformada numa série de TV de 30 episódios, de modo que a TVB a dividiu em três partes, e cada uma delas tem um título diferente."Wicked East Poisonous West" é o título da segunda parte.
Chen Kuang-jung
[1] Consultar o glossário para uma definição de
jianghu.
[2] Tony Leung Ka-fai costuma ser chamado de "Big" Tony como forma de o distinguir de Tony Leung Chiu-wai, o "Small" Tony.
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