Madeline Ho (Wong), aliás Madame M, explora um grupo de assassinas de elite. Quando uma das operacionais é eliminada, recruta e rapta dezenas de crianças do sexo feminino, acabadas de entrar na adolescência, e treina-as durante meia dúzia de anos, preparando-as para se tornarem as mais letais e sexies assassinas do mundo (os alvos são mais vulneráveis quando estão predispostos para a marotice, explica M). As novas recrutas são finalmente postas no mercado de trabalho: Charlene (Maggie Q), Katt (Anya) e Ling (Li), trabalham em qualquer cidade do mundo onde exista alguém que mereça uma boa quantia sobre a sua cabeça. Jack Chen (Wu), um agente da CIA, chega a Hong Kong no rasto das “China Dolls”, onde se encontra com a mãe de Charlene, Faye Ching (Cheng), esperando que a jovem a venha a contactar.
«Naked Weapon» remete no título, na temática e até nos posters promocionais com as actrizes em poses sugestivas, para «Naked Killer» (1992), de Clarence Ford, com Chingmy Yau, Simon Yam e Carrie Ng nos principais papéis. Igualmente escrito e produzido pelo mestre do exploitation de Hong Kong, Wong Jing, o filme de Ford conta a história de uma jovem sequiosa de vingança que é resgatada por uma assassina profissional, que a treina para matar ao seu serviço. Sem pudor em mostrar algum erotismo (o pudor era das actrizes principais, pois há mais nudez no título do que no filme em si), mau gosto (a cena do “cachorro quente”, por exemplo) e violência gráfica (uma tendência preocupante em mutilar genitais masculinos), «Naked Killer» equilibra os vários ingredientes em doses relativamente adequadas, sem nunca se levar demasiado a sério (começando pelo "herói" afectado por um trauma que lhe provoca o vómito ao sacar da arma mas que, surpreendentemente, não é dispensado da polícia).
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Charlene e Katt durante o estágio, a poupar na conta da água, e antes de um exercício letal com as colegas de classe.
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O presente filme não pretende ser uma sequela, nem propriamente um remake. É mais um remix. Dispensando a rivalidade entre dois grupos de assassinas ou a vingança contra homens abusadores como justificação parcial dos actos de violência, «Naked Weapon» concentra-se apenas na actividade de Charlene e Katherine: matar pessoas e manter simultaneamente o estilo e o bom aspecto. A personagem de Daniel Wu fornece um inevitável contraponto romântico e M é a patroa fria e impiedosa, que se revela ridiculamente ingénua quanto tal dá jeito ao script. O filme, realizado e com direcção de acção de Ching Siu-tung (que há pouco tempo adoptou o alias ocidentalizado Tony Ching), foi concebido como um projecto destinado aos mercados internacionais. O elenco principal é formado por ABCs, i.e. cidadãos americanos de etnia chinesa, facilitando o intuito de filmar em inglês. Isto não evita que alguns momentos denotem má sincronia dos lábios, devido ao facto de algumas actrizes serem dobradas a posterior (Cheng Pei-pei é o caso mais óbvio).
Há algum cuidado para que a violência não vá longe demais (o filme é Cat. IIB e não III, como «Naked Killer»), com momentos em que se recorre a leves salpicos de sangue CGI, não muito convincente. Os efeitos digitais, de um modo geral, são pouco eficazes, sobretudo quanto usados de forma tola, como quando uma actriz desfaz objectos em pleno ar com as mãos. A acção tem o seu dinamismo, com uso intenso de fios para uma série de quadros mais ou menos aparatosos, mas a montagem tem falhas ridículas, cortando de um plano com dois opositores em pleno ar para outro em que, de súbito, combatem com os pés assentes no chão. Apesar de constatarmos que as actrizes sofreram com algumas coreografias mais exigentes, também é difícil esconder que passaram por um curso intensivo de artes marciais cinematográficas (para as cenas onde não poderiam ser dobradas), resultando que a acção tenha tendência a ser dominada pela utilização dos fios e pela câmara lenta. Mais pose do que contacto.
A preocupação com o mercado internacional não foi suficiente para nos poupassem a uma cena de violência sexual dispensável; desagradável pelo modo como é filmada, não por ser particularmente explícita. Este primeiro segmento do filme apresenta o treino intenso das assassinas e, passada essa fase, esperamos ver em acção eficientes máquinas de matar. Afinal, são as únicas sobreviventes de um grupo inicial de largas dezenas de candidatas. No entanto, Charlene cedo se revela uma verdadeira choninhas, sempre a choramingar e a precisar da ajuda de Katt. Os 6 anos de treino mais parecem 6 semanas.
O erotismo de «Naked Weapon» reduz-se a modelos em trajes menores justos e cortinas a abanar ao vento. Dificilmente se chega a algo que possamos chamar de “erótico” sem personagens com um mínimo de densidade. Em entrevista, Maggie Q comenta o facto das actrizes de Hong Kong (as que não fazem carreira no cinema erótico, claro) terem excessiva preocupação em tapar os corpos nas cenas íntimas, porque tal não é natural. Quanto se tem sexo, o que é normal é não ter roupa. Óbvio, não? Comenta ainda a cena de duche entre ela e Anya, como sendo muito arrojada. Quem a ouve assim falar e depois passa os olhos pelo filme pode ficar desiludido com a timidez com que (não) se filma a nudez (há uma cena em que escapa um mamilo esquerdo - ou seria o direito?) A referida cena no duche é algo patética, com Anya a passar com o sabonete, a medo, pelas clavículas de Maggie Q, antes de darem um abraço fraternal. Nem sequer deixa cair o sabonete. O filme aflora a possibilidade de mais-que-amizade entre as duas, mas não se esforça nem um pouco por extrair alguma tensão a partir de tal conceito. Ou seja, também aqui se tenta aproximar de «Naked Killer», mas depois desiste a meio caminho.
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Maggie Q fechada com Daniel Wu num camião de gelados.
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Tendo em conta o material, não seria de esperar que fosse o texto e a representação a salvarem o filme. Os actores ocidentais não escapam à tradição de Hong Kong de serem pessimamente mal dirigidos (não é só em Hong Kong, veja-se «Address Unknown», de Kim Ki-duk, por exemplo), mas os sino-americanos também nos atacam os nervos. Não se trata necessariamente de falta de talento... Ou, colocando a questão de outro modo, o péssimo texto nunca permitiria performances que não fossem más. O filme poderia funcionar por um prisma série B, comédia erotigore ou algo do género, mas ficamos com a forte sensação de que se alguém esteve no gozo foi Wong Jing, enquanto escrevia o texto, pois o realizador e os actores (coitados) parecem ter levado tudo demasiado a sério. Haverá quem pense de modo diverso, que é tudo no gozo e que o filme é muito divertido. Bom para eles. Um exemplo de um momento involuntariamente hilariante é quando as duas moças estão encurraladas numa sala, perseguidas por uns dez malfeitores armados; Katt tenta arranjar uma saída e Charlene grita, histérica: “não vale a pena!” Podia ter acrescentado: “deixa lá isso e morre.” Noutra altura, quando não havia absolutamente nenhuma razão para que não fugissem as duas, somos presenteados com um daqueles momentos “dramáticos” em que uma diz, “não, foge tu, eu fico aqui!” O que é que ela fica ali a fazer é que nós não percebemos muito bem.
Ching tem talento, como tem comprovado no cinema de género, no wuxia de «Swordsman II» (1993) ou «Duel to the Death» (1982), no fantástico da trilogia «A Chinese Ghost Story» (1987-1991), ou através do seu trabalho como director de acção em obras como «The Killer» (1989), de John Woo e «Hero» (2002), de Zhang Yimou. É uma pena que tenha decidido dedicar o seu tempo a um projecto que constituiu um magistral tiro no pé; por um lado, não agrada particularmente às audiências asiáticas, por outro, o mau inglês e péssimos diálogos fazem com que, aos olhos do público anglófono, se assemelhe a um qualquer thriller erótico feito para TV por cabo, mas com algum investimento na execução das coreografias de artes marciais (se é que aqui se pode falar em artes marciais).
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