Kekexili/Kekexili: Mountain Patrol
Hoh Xil, Hoh Xil: Mountain Patrol
可可西里 (kě kě xī lĭ)
Realizado por Lu Chuan
China/Hong Kong, 2004 Cor – 89 min. Anamórfico.
Com: Duo Bujie (Tobgyal), Zhang Lei, Qi Liang, Zhao Xueying, Ma Zhanlin, Gensong Yongcuo, Zhao Yisui, Sang Dan, Awang Luosangdungzhu, Gengsong Bading
drama aventura
Capa DVD
Kekexili, no noroeste do planalto tibetano, junto à fronteira com a Região Autónoma de Xinjiang e a Província de Qinghai, é a terceira área com menor densidade populacional do mundo. Em 1985, caçadores furtivos começaram a caçar antílopes tibetanos naquele que é o seu último habitat natural, pela lã que atingia valores elevados nos mercados estrangeiros. No espaço de alguns anos, a população baixou de um milhão para menos de dez mil. Uma patrulha civil, liderada pelo capitão Ritai, formou-se em 1993 para proteger a espécie ameaçada. Quando, em 1996, os caçadores mataram um dos homens da patrulha, um repórter de Pequim deslocou-se a Kekexili para escrever sobre os antílopes e os homens que davam a vida para assegurar a preservação da espécie.

Com base em factos reais, «Kekexili» é um filme de aventuras que já foi comparado a um western americano. O realizador e argumentista Lu Chuan caiu nas boas graças da Columbia, que produziu a sua primeira obra, «The Missing Gun» — um exemplo de ruptura formal e narrativa com as tradições da 5ª Geração de cineastas chineses. Lu, no entanto, confessa ter-se interessado pelo cinema depois de ver «Milho Vermelho» (1987), de Zhang Yimou, e passados poucos anos já parece considerar que a sua primeira obra padece de alguma “imaturidade” característica dos novos realizadores, por vezes mais interessados em experimentar com as câmaras e a montagem do que em desenvolver o texto ou dirigir os actores.

«Kekexili» representa, formalmente, um corte radical com «The Missing Gun» e traz-nos um realizador muito seguro da sua visão e do modo de abordar o material. O filme anterior era um bom entretenimento sem compromissos fáceis, parte da vaga do novo cinema comercial chinês (1). Há ainda aqui uma estrutura de cinema comercial ou não fosse a 6ª Geração influenciada directamente pelos métodos e linguagem de Hollywood (2), mas a imparcialidade e o distanciamento — que costumam justificar o rótulo de “documental” nos comentários ao filme — com que Lu filma as personagens potenciam um bom equilíbrio.

Kekexili Kekexili
O jornalista de Pequim Gao Yu (Zhang Lei) acompanha a patrulha de Ritai (Tobgyal, ao centro da segunda imagem).

Um dos elementos que reconhecemos do cinema ocidental, tradicionalmente mais preocupado em assegurar-se que chega à sua audiência, é o a figura do observador externo, o jornalista — um chinês han (3) da grande cidade —, que representa o olhar do público, mas também do realizador.

A sobriedade do filme é exemplar. Apesar da temática, não se alardeiam mensagem ecológicas nem se exalta o heroísmo dos homens que trocam uma vida normal pela protecção de uma espécie. Nem sequer se tenta apresentá-los apenas sob os ângulos que mais os favorecem. Pelo contrário, pois chegam a cometer actos passíveis de censura da nossa parte. Paralelamente, nem todos os caçadores são apresentados como criminosos insensíveis: alguns fazem o que fazem porque não têm outra forma de sobreviver e de alimentar a família.

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A composição scope de Cao Yu captura deslumbrantes cenários tibetanos.

O desprendimento do registo e o “realismo”, decorrente de uma vertente documental que por ali espreita, acabam por potenciar o efeito choque de momentos de súbita violência que não é particularmente gráfica. Aparte o esfolar de alguns animais que presumimos não fazerem parte da espécie em vias de extinção central à história que aqui se conta.

Obviando mecanismos de construção dramática, uma montagem espartana que reduz o filme a menos de 90 minutos, a partir de uma versão inicial muito mais extensa, a utilização de actores amadores (à excepção dos protagonistas, o tibetano Tobgyal e o chinês Zhang Lei) e os deslumbrantes cenários naturais do Tibete, foram os ingredientes reunidos para um resultado que nos exige recomendar atenção ao trabalho futuro do realizador Lu Chuan e ao novo cinema chinês, “comercial” ou “de autor” — rótulos difíceis de aplicar num filme como «Kekexili».

Kekexili
Vencedor do Prémio Don Quixote/Menção Especial na Berlinale de 2005, o Prémio Especial do Júri no Tokyo Internacional Film Festival de 2004 e de Melhor Filme nos Golden Horse Awards de Taiwan, batendo «2046», «Breaking News», «The Moon also Rises» e «One Nite in Mongkok». «Kekexili» venceu ainda em Taiwan o prémio para Melhor Fotografia (Cao Yu).

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(1) Vd. comentário a propósito do Festival de Deauville 2003

(2) Sobre o tema sugere-se a leitura do encontro com cineastas chineses em Udine 2005.

(3) 91,59% da população da China continental pertence à etnia han. O termo está também associado à língua (“hanyu”) e aos caracteres chineses (“hanzi”, pronunciado “kanji” em japonês e “hanja” em coreano).

DVD Columbia (HK, R3), com boa transferência anamórfica e uma pista de som Dolby 5.1 com muita envolvência e separação de canais bem definida. Zero extras, infelizmente. Inclui apenas trailers do filme britânico «Layer Cake» e de «Kung Fu Hustle» e «Warriors of Heaven and Earth». Estes são os habituais trailers americanos que presumem que a audiência potencial dos filmes se assustaria se ouvisse algum diálogo em estrangeiro. Há um DVD editado na RPC, com uma transferência reputadamente limitada (o letterbox ainda é standard por lá), que inclui um making of de 23 minutos, mas também um logo da distribuidora em cima da imagem de cinco em cinco minutos.

publicado online em 23/9/05

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