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Indielisboa 2007 — 4º Festival Internacional de Cinema Independente de Lisboa

Indielisboa 2007 I — Introdução

II — Filmes

Competição
Herói Independente
Observatório
Outros

Curtas

III — Palmarés


Filmes visionados: El Amarillo, Analog Days, La Antena, Big Bang Love Juvenile A, Crickets, Daratt, Desert Moon, Drama/Mex, Le Dernier des Fous, Embalming, Exiled, Falkenberg Farewell, Fay Grim, A Forest with no Name, Forever, Fresh Air, Love Conquers All, Nightsongs, An Obsession, Old Joy, Opera Jawa, Pas Douce, Princess, Rabia, A Scanner Darkly, Shady Grove, The State I'm In, Summer '04, To the Alley, Viva, Wild Life


I — Introdução

O Festival Internacional de Cinema Independente de Lisboa chegou à sua quarta edição com um fôlego e energia surpreendentes, que se fizeram notar desde as origens, em Setembro de 2004. A segunda edição viria a realizar-se apenas sete meses depois, em Abril de 2005, mês no qual o evento se estabeleceria desde então.

Os números não são o que mais interessa aos espectadores de um festival; ficam bem em press releases, a abrir artigos genéricos na imprensa sobre os eventos, e para apresentar uma evolução em termos de dimensão. Mais importante de que pretender crescer todos os anos é manter selecções coerentes e apresentar filmes de qualidade. À 4ª edição, o IndieLisboa fala em “consolidação”, o que demonstra maturidade e uma visão equilibrada e realista do evento no cenário nacional.


Fórum Lisboa
Fórum Lisboa
Fórum Lisboa
O exterior e os espaços de lazer das duas salas maiores do IndieLisboa: o Fórum Lisboa, na Avenida de Roma (em cima), e o cinema São Jorge, situado na Avenida da Liberdade.
São Jorge
São Jorge
| Números |
Com a apresentação de 226 filmes (curtas/longas), em oito ecrãs e atraindo uma audiência de 35 454 espectadores — cerca de um milhar a mais que o Fantasporto (dados do ICAM) —, o IndieLisboa é hoje o maior festival de cinema português, algo que foi assumido pela direcção do festival. Não é uma questão de ser modesto ou deixar de sê-lo, quando os números falam por si, mas também não deixa de ser notório numa observação casual, a olho nu, por quem visite os mais importantes festivais nacionais.

| Programação |
A secção competitiva do festival foi constituída por 12 longas-metragens de características formais mais ou menos específicas; filmes de arte e ensaio que, de um modo geral, se destinam a um público mais específico do que aquele que procura o cinema dito “independente”, fora do circuito comercial. São seleccionados para a Competição primeiras e segundas obras, visando-se divulgar e premiar novos talentos.

As secções Observatório e Laboratório permitem diversificar o tipo de filmes seleccionados, sem as limitações aplicadas à Competição. No Observatório mostram-se filmes mais “acessíveis”, alguns de natureza mais ou menos comercial, como os que foram exibidos no primeiro dia do festival — «A Scanner Darkly», de Richard Linklater, e «Exiled», de Johnnie To Kei-fung. O Laboratório destina-se a projectos mais experimentais e “arrojados”.

O Herói Independente é uma retrospectiva especial que visa homenagear um cineasta e/ou uma cinematografia. Em anos anteriores, homenagearam-se o Festival de Sundance (2004), o realizador chinês Jia Zhangke e o Novo Cinema Argentino (2005), Michael Glawogger, Jay Rosenblatt, Suwa Nobuhiro e Edgar Pêra (2006). Este ano, as escolhas recaíram sobre Aoyama Shinji, do qual foram apresentadas 14 longas-metragens (onde se incluíram dois documentários), e o Novo Cinema Alemão, que deu azo a 14 sessões, constituídas por 12 longas e 13 curta-metragens. Aoyama esteve na capital para apresentar os seus filmes e fazer parte do júri da Competição de longas-metragens. Olaf Möller, responsável pela retrospectiva de cinema alemão, também marcou presença para introduzir as respectivas sessões.

Outras secções em 2007 foram a Director's Cut, anteriormente dedicada a apresentar filmes recuperados, em versões fiéis à visão do realizador, mas agora seleccionando também “obras que reflectem sobre o próprio cinema, a sua dimensão artística e a sua história”, e a New Crowned Hope, onde se apresentaram sete filmes comissionados no âmbito das comemorações do 250º aniversário do nascimento de Mozart, produzidos em países em vias de desenvolvimento. New Crowned Hope é o nome de um festival que se realizou em Viena, em Novembro de 2006, englobando criações em várias áreas, além do cinema, como a música, dança ou artes visuais,

A programação de curtas-metragens, em competição e fora dela, foi rica e diversificada, mas como foi dada primazia às longas, sobretudo as que estavam em competição, e à retrospectiva Aoyama, ficou muito por apreciar.

| Organização |
O IndieLisboa é um evento bem estruturado e organizado. Com a utilização de quatro cinemas e oito ecrãs — Fórum Lisboa (1), São Jorge (2), Londres (2) e King (3) — a maioria dos filmes podiam ser projectados duas ou três vezes, em horários alternativos, permitindo uma flexibilidade razoável nas nossas escolhas. A proximidade de três dos locais facilitava a arrumação dos programas diários, sendo quase sempre possível transitar entre salas sem correrias. Com o início das sessões por volta das 15h00, no entanto, era difícil, ou impossível, ver quatro projecções por dia durante a semana. Podia-se assistir a quatro sessões aos fins-de-semana, uma vez que se realizava uma sessão extra, à meia-noite (em alguns casos, quem tivesse energia, poderia conseguir ver cinco filmes). Com alguns ajustes, poder-se-iam assegurar quatro sessões diárias — quanto a mim, a dieta de referência num festival.

a caminho do King
Pégadas de corvo (símbolo da cidade e do festival) indicavam a direcção das três salas situadas na zona da Av. de Roma; King, Fórum Lisboa e Londres.
Registaram-se atrasos regulares nos primeiros dias, com boa parte das sessões a iniciar-se com cinco ou dez minutos de atraso. Não entendo se por razões ligadas à estrutura do festival, se porque o público era lento a dirigir-se para as sessões. Não se geravam filas relevantes nas entradas para cada sala, de modo que se tornava difícil entender porque é que tantas pessoas estavam a entrar na sala cinco minutos depois da hora prevista. Alguns festivais sugerem a entrada 10 minutos antes e/ou avisam que não é possível entrar depois do início da sessão — algo que, podendo não ser posto em prática com rigor, procura sugerir a disciplina da pontualidade (e respeito pelos outros) ao público.

O guia desdobrável é muito prático: pequeno, sem palha, com a informação essencial: filmes, horários das sessões e suas durações. É óbvio que quem organiza é também espectador de festivais de cinema.

As bilheteiras funcionavam com alguma fluidez e quem planeasse o festival com antecedência não tinha razão para enfrentar grandes filas, pois era possível comprar ou reservar bilhetes para todo o evento de uma só vez. A desvantagem é quando nos encontramos na fila atrás da pessoa que vai levantar os bilhetes para a semana toda.

Creio que nenhum festival português o faz, mas o Indie será aquele que pela sua dimensão e características de horários mais sugere a implementação de compras ou reservas online, o que permitiria descongestionar substancialmente as bilheteiras. É algo que já existe, por exemplo, em Sitges, pelo menos desde 2002.

King
O cinema King, com três salas, situado a cinco minutos a pé do Fórum Lisboa.
| Salas/Projecção |
Duas das salas do festival são usadas em exibição comercial — King e Londres — e as duas de maior dimensão — São Jorge e Fórum Lisboa —, são propriedade da Câmara Municipal de Lisboa e cedidas para eventos desta natureza. O São Jorge tem agora dois ecrãs, com uma das salas pequenas convertida para conferências — e usada, nesse âmbito, durante o IndieLisboa —, e o Fórum Lisboa, uma sala de projecção excelente, num excelente edifício, circundado por um jardim e integrando um bar e uma área de lazer de boa dimensão, é utilizado para as reuniões da Assembleia Municipal de Lisboa. Na terça-feira, 24, não se realizaram projecções na sala por essa razão e as bilheteiras centrais tiveram de ser enfiadas no cubículo da entrada. Pena que os senhores deputados municipais não tivessem podido encontrar outro espaço sem interferir com um evento cultural tão importante para a cidade e ao qual a Câmara Municipal se associou. Por outro lado, já custa a crer que uma sala de espectáculos como o Fórum Lisboa esteja “reservada” para actividades políticas.

Algo que me surpreendeu pela positiva foi o respeito criterioso (tanto quanto foi possível julgar) pelos formatos de projecção. Este é um capítulo onde é usual registarem-se falhas graves em Portugal — em festivais, mas também em exibição comercial. O formato de cada filme era identificado no catálogo e, em todos as sessões a que assisti, sem excepção, foram seleccionadas as máscaras de projecção correspondentes. Alguns dos filmes de Aoyama Shinji, por exemplo, foram compostos para 1.37:1 (quatro perfurações, a toda a altura do negativo), um enquadramento pouco usado hoje em dia, pelo menos no cinema comercial. Havia casos em que a imagem parecia poder ser projectada num formato widescreen, mas a coerência entre a projecção e o registo no catálogo convence-me que seria a composição desejada. Houve uma coordenação estrutural para que tal funcionasse na perfeição — ao invés do sistema “tradicional” por cá, em que se espreita a película e se presume o formato.

São Jorge
Interior do São Jorge.
Disse “perfeição”? Bom, houve uma falha na projecção digital no Fórum Lisboa, notória logo durante a publicidade, mas que se prolongou durante «Destricted». O projector estava em 16:9 a exibir uma fonte 4:3 letterbox, i.e, a exibição estava horizontalmente distorcida. A publicidade foi ainda apresentada distorcida noutras sessões, mas o problema parece ter sido detectado, pois já não se registou quando voltei à sala, dias depois.

É uma falha um tanto ou quanto “grosseira”, mas a falta de sensibilidade quanto a distorção por parte do público leva a que não nos possamos surpreender. É uma situação comum no home video: alguém com uma televisão 16:9 tem o leitor a apontar para “4:3 letterbox” quando esse é o default. Assim, ao invés de ser enviada uma imagem anamórfica em bruto que o leitor expande horizontalmente, envia-se 4:3 que é obtido pela remoção de linhas horizontais (resolução para o lixo); como o projector/TV não é 4:3 e está preparado para expandir a imagem, junta-se distorção horizontal a uma imagem cuja resolução foi já diminuída. (A imagem podia ser, de origem, 4:3 letterbox, mas nos dias que correm, será improvável.) O facto de se tratar de pornografia sugeria uma série de observações sarcásticas relacionadas com a extensão horizontal da imagem em 25%, mas não vamos por aí.

O Fórum Lisboa e o São Jorge, talvez por não estarem habituados a projecções regulares, apagavam as luzes no início da publicidade, algo que não sendo tecnicamente ilegal redunda em falta de consideração para com os espectadores, resultando num desconforto desnecessário para quem chega com um ou dois minutos de atraso. Convenhamos que quem vê várias sessões por dia, rapidamente se satura com a repetição de alguns spots publicitários — o de uma marca de cerveja com Luis Represas dava azo a aplausos irónicos por parte do público — e dá um desconto para ir à casa de banho ou terminar de beber o café sem pressas.

Fórum Lisboa
Ainda em relação a luz, mas noutro âmbito, o Fórum tem um problema que já havia registado noutras projecções, anos atrás. A sala é de grande dimensão e altura e as paredes muito claras. Quando há demasiada luz na cabine de projecção, toda a sala fica excessivamente iluminada, o que prejudica a concentração dos olhos no ecrã — sobretudo para quem não está ao centro da sala, nem perto o suficiente para que o ecrã preencha a sua área de visão. Isso resultava também num acinzentar dos tons negros. Estou certo que há uma luz de presença mais fraca na cabine que deveria ser sempre utilizada durante a projecção, pois em ocasiões anteriores as condições de projecção foram normais — com o ambiente escuro que se espera de uma sala de cinema.

| Catálogo |
Design escorreito, muito bem organizado e de fácil consulta, com índice por filme, país e realizador. Enfim, como se faz “lá fora” (uma expressão por vezes irritante, mas que se usaria menos se, bom, se fizesse melhor por cá). É uma boa opção apontar para “sinopses” e não para “críticas” nos descritivos dos filmes, pois ninguém espera comentários negativos ou que desaconselhem o visionamento num catálogo de um festival. Houve o bom gosto de não despejar textos, com base em generalidades e na filmografia de um realizador. Sobre Aoyama Shinji, traduziu-se um texto do crítico japonês Umemoto Yoichi, que contextualiza a obra do realizador, mas, de um modo geral, o catálogo é constituído por informação pura — introduções a cada capítulo/selecção e sinopses de filmes.

Continua
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16/06/07

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