Macau, últimos dias da administração portuguesa. Dois homens chegam a uma casa situada numa rua estreita, à procura de um indivíduo chamado Wo. A mulher que os recebe diz que não mora ali ninguém com esse nome. Os homens não se mostram convencidos e esperam. Pouco depois, juntam-se mais dois homens, com intenções diferentes. Wo é um alvo a abater por ter traído o líder da tríade a que pertencia, mas o serviço não é fácil de levar a cabo quando os assassinos cambaleiam entre a amizade que os liga ao gangster retirado e a lealdade ao líder que os mandou matá-lo. Nem quando se vêem numa sala onde todos têm uma arma na mão e uma mira apontada ao centro da testa.
«Exiled» é referido amiúde como sequela de «Cheong Feng/The Mission» (1999), um erro que poderá ter origem no próprio material promocional da Media Asia. Mesmo alguns de entre os que conhecem o filme anterior de To Kei-feung parecem sentir-se obrigados a procurar paralelismos ou a dizer que os actores interpretam papéis semelhantes. Não é bem assim. Em «The Mission», as personagens reúnem-se para um trabalho (proteger um líder criminoso) e em «Exiled» trata-se de um grupo de amigos que se conhecem há muito tempo e que se reúnem quando um deles tem um contrato sobre a sua cabeça. Este quinto elemento é interpretado por Nick Cheung, cuja primeira participação num filme de To foi em «Dai Si Gin/Breaking News» (2004).
Anthony Wong, Francis Ng, Lam Suet, Roy Cheung e Simon Yam fizeram parte do elenco de «The Mission», e todos marcaram presença noutras obras de To. Na filmografia de Yam contam-se, pelo menos, uma dezena de filmes de To, tendo sido protagonista nos mais recentes «Hak Se Wui/Election» (2005) e «Hak Se Wui Yi Wo Wai Kwai/Election 2» (2006), bem como em «PTU» (2003), juntando-se papéis secundários ou a título de “participação especial” (como é o caso em «Exiled»). Lam Suet e Hui Siu-hung — aqui, na pele do polícia que quer chegar à reforma sem se meter em chatices — são dois rostos particularmente frequentes nas galerias de personagens secundárias do cinema de Johnnie To.
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O veterano Anthony Wong Chau-sang. |
O estilo de «Exiled» é diverso do de «The Mission» apesar da óbvia ligação temática; ambos os filmes são, afinal, sobre tríades que lutam entre si, com personagens unidas por fortes laços de amizade e submetidos ao código de honra do submundo ou jianghu. «The Mission» é um filme mais sóbrio e realista, onde a composição, a espera e as poses se sobrepõem aos conflitos propriamente ditos. Por seu lado, «Exiled», é menos contemplativo e pouco se preocupa em ser verosímel; é entretenimento em estado puro, repleto de acção e tiroteios.
To já mostrou em títulos anteriores que é possível fazer um filme com personagens interessantes sem necessidade de interromper a narrativa com flashbacks ou diálogos extensos a título de caracterização. As personagens vão sendo conhecidas pelo caminho e basta-nos saber o essencial, sem necessidade de “histórias”. To e a equipa de argumentistas da Milkyway 1 sugerem a existência de um background de relações entre as personagens que não precisa de ser anunciado ou abordado directamente.
«Exiled» é uma das obras essenciais de To Kei-fung do período subsequente a «The Mission», atingindo uma excelência que o coloca ao lado de «Am Fa/The Longest Nite» (1998) ou «PTU» (2003) e, fora do registo “policial”, de duas outras produções de 2003: «Heung Joh Chow Heung Yau Chow/Turn Left, Turn Right» e «Daai Chek Liu/Running on Karma» — ambos co-realizados com Wai Ka-fai. O filme marca não só a boa forma como o actual estado de graça do realizador de Hong Kong no circuito internacional de festivais. Seria altura para perguntarmos se To pondera desistir de utilizar o seu nome para assinar comédias comercialonas, para não manchar a reputação que tem gozado nos últimos anos.
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Josie Ho Chiu-yi (filha do magnata Stanley Ho) interpreta a mulher do ex-gangster cuja morte foi encomendada. |
Por cá, tem sido o IndieLisboa a apresentar os filmes de To; um por ano, na verdade, desde a primeira edição: «Breaking News» (2004), «Lung Fung Dau/Yesterday Once More» (2005), «Election» (2006) e este «Exiled» (2007). Aparte a irrelevância total de «Yesterday Once More», os restantes títulos foram boas apostas no contexto da diversificação das selecções do festival de inspiração independente. O Fantasporto mostrou, em 1999, um dos títulos mais interessantes do período inicial da Milkyway: «Leung Goh Ji Nang Woot Yat Goh/The Odd One Dies» (1997), formalmente de Yau Tat-chi, um “discípulo” de To, que foi afastado depois de assinar três produções da Milkyway Image. 2
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1 Os créditos identificam Szeto Kam-yuen e Yip Yin-shing, mas, como é usual nos filmes de To, há uma participação do colectivo, referenciada como “Milkyway creative team”.
2 Patrick Yau Tat-chi é, em nome, o realizador de «The Odd One Dies» (1997), «Expect the Unexpected» e «The Longest Nite» (1998).
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