Tony Leung Chiu-Wai é um agente da Polícia Judiciária de Macau. Há pouco de positivo na descrição do seu carácter; não só está inserido na estrutura de uma tríade, como espanca e tortura violentamente pessoas que constituem presença indesejada no território. O polícia corrupto cruza-se com Lau Ching-Wan, um personagem cujas intenções são insondáveis, e que vem a preencher os requisitos anteriormente referidos. Existe grande tensão entre duas tríades rivais porque se espalhou o boato de que existe um contrato sobre a cabeça de um dos líderes. Para surpresa de Leung, depois de ser encontrado um corpo decapitado na sua residência com um número inscrito na palma da mão, começa a juntar-se uma série de peças que o apontam como o responsável por uma série de mortes, bem como o assassino contratado para eliminar o seu próprio patrão.
O guião de Szeto Kam-Yuen e Yau Lai-Hoi não está amarrado à acção e violência que muitos poderiam esperar de um filme com polícias e tríades, nem nos laços entre homens duros, características destacáveis em obras marcantes de há alguns anos atrás, com o exemplo paradigmático em «Dip Huet Seung Hung/The Killer» (1989), de John Woo. Aqui os personagens centrais surgem praticamente isolados de tudo e todos; as ligações com terceiros são convenientes e casuais ou servem um objectivo específico. Lau e Leung não desenvolvem qualquer espécie de relação carismática, nem procuram qualquer aproximação que não vise a destruição do oponente. Por outro lado, como cedo se deduz, não existe aqui "o outro lado da lei", uma expressão que costuma traçar a separação mais óbvia entre os protagonistas.
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Leung Chiu-wai e Lau Ching-wan: se pensa que um destes é o bom da fita, é porque se enganou no filme. |
A narrativa é complicada (e as legendas pequeníssimas não ajudam muito) mas, à medida que o filme progride, as peças do puzzle ajustam-se sem constrangimentos relevantes. A intricada teia em que o polícia se vê emaranhado é obra de alguém superior em poder e em inteligência a ele ou a Lau. Estes, apesar de personagens centrais, não passam de meros peões de um jogo de que têm uma compreensão demasiado localizada. A sobrevivência não poderia deixar de passar pelo abandono do território, tendo em conta a aproximação da devolução da soberania à China, um mecanismo já largamente usado em filmes passados em Hong Kong. No ano de produção, obviamente, esse território faz já parte da República Popular.
O cenário Macaense é também favorável à delineação de Leung como um polícia mau como as cobras, no meio de uma organização policial com relacionamentos ilícitos com os grandes criminosos. Em filmes produzidos em Hong Kong a polícia local não é normalmente apresentada de modo muito negativo. Pelo contrário, os cineastas têm um grande à-vontade em pintar uma Polícia Judiciária corrompida, em filmes como este ou «Ho Gong Fung Wan/Casino» (1998). Por seu lado, «Baat Sin Faan Dim Ji Yan Yuk Cha Siu Baau/The Untold Story» (1993) apresenta um conjunto de agentes Macaenses tolos, que torturam suspeitos para extrair confissões, supervisionados por um chefe sempre acompanhado por call-girls.
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Alguma da brutalidade de «The Longest Nite».
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O filme de Yau Tat-Chi não apresenta nada de remotamente bom em nenhum dos dois personagens, pelo que o espectador que necessite de "identificação" com conceitos morais bem definidos e "positivos" pode ter dificuldade em apreciá-lo. No conflito violento, próximo do culminar da história, torna-se pouco importante quem sai vencedor; eles, no fundo, são iguais. Já que na maior parte do filme seguimos o polícia, temos tendência a torcer por ele, mas somos então confrontados com as suas acções reprimíveis. Seja quando esmaga as mãos de alguém, com dezenas de pancadas de uma garrafa, ou quando tortura uma mulher. Essas vítimas não são "inocentes" (tais criaturas talvez existam no filme, mas sem linhas de diálogo); mas o polícia também não é um "herói". Inicialmente, parece-nos que Lau poderá ser o herói que esperamos (todos os filmes têm de ter um, ou não?), mas cedo verificamos que assim também não é.
«The Longest Nite» beneficia de dois actores excelentes, em particular Leung Chiu-Wai, bem conhecido de filmes de Wong Kar-Wai e de John Woo. Leung é um actor versátil e tem participado em comédias, como «Tit Gaap Mo Dik Ma Lei A/I Love Maria» (1988) também conhecido como «Roboforce» (versão dobrada em Inglês, distribuída inclusivamente por cá), ou o terceiro tomo da clássica trilogia «A Chinese Ghost Story», mas os seus desempenhos mais marcantes são na pele de homens amargurados, calmos no exterior, mas frequentemente em luta com demónios internos, como o "Poeta" do brilhante filme Franco-Vietnamita «Cyclo» (1995).
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A legendagem na película é consideravelmente desproporcionada, mas o DVD possui texto em tamanho legível. |
Sendo movido pelo texto e pelos personagens, «The Longest Nite» não deixa de ter algumas sequências de acção, como (mais) um tiroteio numa sala repleta de espelhos. Esse elemento não cumpre um papel meramente estético, mas também simbólico, preparando o caminho para o culminar da narrativa. Como o título Inglês sugere, os 90 minutos de filme passam-se durante uma noite (a fuga é ao nascer do dia). Tal não invalida, ou talvez reforce, um óptimo trabalho de fotografia, com momentos de grande beleza estética, sempre integrados na tensão dramática, com destaque para uma cena numa cela, com milhares de brilhantes partículas de pó a flutuar no ar, envolvendo os actores. De resto, a composição Panavision reforça essa componente e contribui para que o visionamento do filme - em particular num grande écran - seja um deleite para os sentidos.
Vd. Mostra de Cinema de HK, Lisboa 1999
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