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Zatoichi em Paris
Kitano Zatoichi Takeshi: entrevista com um Ronin

[fr]

Kitano
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Se alguns inconscientes ainda duvidam do reconhecimento de que goza Kitano Takeshi na Europa, particularmente em França, ser-lhes-ia suficiente ter estado em Paris, nos dias 13 e 14 de Outubro, para ficarem definitivamente convencidos. De facto, a vinda de Kitano Takeshi à capital para a promoção do seu novo filme, suscitou grande efervescência junto de fãs e jornalistas. Não é todos os dias que esta lenda viva – não tenhamos medo das palavras – se dá ao trabalho de deixar o Japão natal para se deslocar até cá. Como vocês têm dúvidas, a redacção de Fantastikasia, reforçada pelas suas acreditações, não precisou de ser convencida a aproximar-se dele em carne e osso!

Depois da projecção privada, efectuada, à tarde, na sala do restaurante Planet Hollywood, nos Champs-Elysées, e antes da antestreia pública, nessa mesma tarde no UGC Cité Ciné Bercy, foi organizada uma conferência de imprensa, às 15 horas desta segunda-feira, 13 de Outubro, no prestigioso Hotêl Bristol, na Rue du Faubourg Saint-Honoré, não muito longe da Place Vendôme. Entre o punhado de felizes privilegiados, estavam, nas primeiras filas (vantagens de chegar bem cedo!), os vossos dois enviados especiais, aplicados, conscienciosos e nada mal impressionados (não vale a pena escondê-lo), mas certamente trepidantes de impaciência de ver surgir Zatoichi em pessoa.

Vestido com um elegante fato preto (o estilo natural dos yakuza?) e com alguns minutos de atraso, Kitano Takeshi chega finalmente à sala preparada para a ocasião e instala-se frente a uma trintena de jornalistas e cameramen. Acreditem que se transmite incontestavelmente uma força, que se impõe como uma aura, a partir deste pequeno homem, de ar tão discreto. À sua esquerda, sobre o estrado (a imponente mesa coberta com um manto branco reforça a impressão de um pedestal... Como se Kitano-san ainda precisasse de tal coisa?!), encontra-se Valérie Dhiver, a intérprete do realizador. Depois de regulado o volume dos microfones, um Kitano aparentemente “zen”, sem estar ostensivamente entusiasmado (mas já viram alguma vez um japonês ostensivamente entusiasmado?), mas sem um ar particularmente impaciente ou excitado, um Kitano rodado nestas actividades, um profissional, em suma, irá poder responder durante uma breve hora a todas as questões colocadas. Câmaras, máquinas fotográficas, blocos de notas, canetas, press-book... Surai e eu estamos, por fim, prontos para não deixar passar nem uma migalha!

Valerie D'Hiver Antes de vos deixar saborear a entrevista, transcrita na sua integralidade, devo prevenir-vos que a barreira linguística, um obstáculo previsível, reduziu-nos forçosamente o prazer: o yo-yo permanente francês-japonês-francês revelou-se rapidamente particularmente frustrante. Gostaríamos muito de poder apreciar o discurso de Kitano directamente! Por ora, eis as suas respostas, tal como foram formuladas por Valérie Dhiver, a quem há que reconhecer uma tradução muito “pro”: foi notória uma amável conivência entre a intérprete e o cineasta e Valérie Dhiver, soube reproduzir fielmente a inteligência, a sensibilidade e o humor de Kitano.

Texto: Kicket (Julien Tribet)
Imagem: Suraj (Souresh Cornet)

Agradecimentos a Raphaël DiCicco (cedência da câmara e codificação mpg) e Philippe Tournier (cedência da máquina fotográfica)


No gume do assunto

Jornalista indeterminado: a figura de Zatoichi é um ícone muito recorrente e venerado no Japão, mas o filme, no final, não deixa de gozar um pouco com a personagem. Qual é a sua relação com a tradição e a mitologia da personagem?

Kitano Kitano Takeshi: A tradição é algo suficientemente forte para permanecer na História, por isso eu respeito-a necessariamente. Mas eu penso também que é preciso actualizá-la, é preciso saber juntar coisas novas para que ela se possa perpetuar. É o que eu faço com a personagem de Zatoichi: você parece sugerir que eu escarneço um pouco da personagem, mas limito-me a actualizá-la.


Cosmopolitaine, emissão na France Inter: Senhor Kitano, você encarna a enésima aventura de Zatoichi, para a qual escreveu o argumento. Dota-o de cabelos louros oxigenados e depois, acima de tudo, ele é cego. Pergunto-me se Zatoichi foi sempre cego, nas suas numerosas adaptações para o cinema, televisão e mesmo na manga ou se se trataria, pelo contrário, de um toque pessoal. Se assim fosse, interpretando esta personagem, isto é, um cego, não teria querido, de algum modo – sabemos que você perdeu um olho num acidente de moto – empurrar a experiência até ao limite?

Kitano Kitano Takeshi [contornando subtilmente a questão levantada e respondendo – voluntariamente?, o seu leve riso no final da resposta, fez-me pensar que sim – ligeiramente ao lado da pergunta]: Realmente, a personagem de Zatoichi foi praticamente "fabricada" por Katsu, pois tratava-se, a início, apenas de uma personagem secundária de um romance. Existiam algumas condições sine qua non a respeitar: ele é cego, é um massagista e um mestre do sabre, possui uma bengala-espada e, por fim, vive no final do século XIX. Quando me propuseram o filme, disseram-me, portanto, que desde que eu respeitasse algumas condições, seria livre de fazer o filme que quisesse: de escolher os trajes e a cor dos cabelos que quisesse, de contar a história que quisesse, etc. Escolhi, pois, fazer um Zatoichi louro para que ele se "sobressaia", para que se distinga bem nas cenas de combate. Escolhi pintar a bengala de vermelho um pouco pelas mesmas razões e também porque me parece que o vermelho é adequado num filme de época.

Jornalista indeterminado: No Ocidente, por vezes explica-se o desaparecimento da nobreza [NDT: no sentido de "honra"] com o surgimento das armas de fogo. No seu filme, há uma pistola que surge nas mãos de uma personagem sem honra. Tendo rodado muitos filmes com gangsters, recorrendo a armas de fogo, e apresentando agora pessoas que se batem com espadas ou bastões, pensa que as armas de fogo levaram ao desaparecimento de valores tal como a honra? E do ponto de vista cinematográfico, prefere filmar combates com revólveres ou com espadas?

Kitano Kitano Takeshi: Sim, no Japão, outrora, as armas de fogo eram muito mal vistas e a utilização de uma arma de fogo entre dois guerreiros que combatiam era sinal de grande cobardia. No filme, isto reflecte o carácter particularmente mau da personagem. Quanto a diferenças entre uma cena de combate com armas de fogo ou espadas, se se comparar as duas cinematograficamente, a diferença é que com uma arma de fogo o adversário poderá estar muito longe, enquanto que com espadas está muito próximo: é quase como uma coreografia, uma espécie de dança. É, pois, mais difícil apresentar bem a acção quando se roda uma cena com armas de fogo. É por isso que me parece que cada vez mais os combates com armas de fogo recorrem a cenas com as personagens próximas umas das outras. Penso também nos filmes de Quentin Tarantino, para citar um exemplo recente.

Jornalista indeterminado: Qual a sua aproximação específica ao filme de espadas e qual a sua opinião sobre o género particular?

Kitano Kitano Takeshi: É necessário distinguir duas coisas: por um lado, a arte da espada, no contexto do que chamamos bushido, i.e., a via do guerreiro, o código marcial dos samurai, que se reconduz à tradição das artes marciais e que é algo de muito sério; por outro lado, o chambara, que é um termo mais recente usado pelo cinema e pelo teatro, que está mais ligado ao entretenimento, sendo os combates representados como coreografias. Em «Zatoichi», quis fazer um filme que estivesse mais próximo das artes marciais do que do chambara, isto é, um filme com espadas clássico.


Um homem vindo de lado nenhum

Jornalista indeterminado: Zatoichi parece-me um homem vindo de lado nenhum, que combate sozinho contra todos, que tem poucas contingências pessoais ou familiares. Gostava de saber se não se trata de uma metáfora do artista que, para finalizar a sua obra, deve afastar-se dos que o rodeiam?

Kitano Kitano Takeshi [ao qual a questão provoca um leve esgar, mas que parece, em todo o caso, inspirado]: É verdade que desta vez não dei qualquer explicação sobre a personagem, ele permanece muito misterioso. Mas é preciso ter em conta que, no Japão, Zatoichi é uma personagem já muito conhecida. De facto, no início, não tive em conta que o filme seria igualmente apresentado no estrangeiro. Quando se faz um filme, um filme é o quê? São duas horas, mas contamos uma história com mais horas ou passam-se vários anos. Assim, temos de seleccionar os elementos que vamos usar ou não no filme. Talvez se surgir um «Zatoichi 2» ou um Zatoichi 3, se desenvolva a sua primeira aparição, a origem da personagem, e se dêem mais detalhes sobre ele [ao ouvir a tradução, apercebemo-nos que, mais uma vez, Kitano não responde verdadeiramente à questão que lhe foi colocada].

Jornalista indeterminado: O que é que motivou no filme a utilização sistemática de efeitos especiais digitais nos combates, que vantagens encontrou na sua utilização e, eventualmente, quais os inconvenientes, por comparação com uma aproximação mais tradicional, baseada unicamente na coreografia e nos efeitos de maquilhagem?

Kitano Kitano Takeshi: Penso que, ao contrário do que sugere, tentei limitar a utilização de técnicas digitais o mais possível. Recorri aos efeitos digitais sobretudo quando o sangue jorra, pois queria limitar um pouco a violência e a dor inerentes a este género de cenas. Assim quis criar um efeito semelhante aquele que vemos nos jogos de vídeo. Mas penso que não procurei usar os efeitos digitais senão para cumprir este objectivo. Poderia igualmente ter usado cabos quando Zatoichi salta, etc., esse tipo de técnicas, mas não queria fazer um filme na veia dos filmes de kung-fu de Hong Kong.

Jornalista indeterminado: Você trabalhou durante muito tempo com Hisaishi Jo, para a composição da música dos seus filmes. Desta vez, colaborou com Suzuki Keiichi [NDR: estrela rock japonesa, líder do grupo Moonriders]. Gostava de saber porquê e se pensa voltar a trabalhar em breve com Hisaishi Jo.

Kitano Kitano Takeshi: Realmente, desta vez, escolhi trabalhar com outra pessoa sobretudo por causa dos temas musicais das cenas de sapateado, por exemplo, aquelas nos campos, com os agricultores que cultivam a terra e onde utilizámos percussões. Todos estes temas estavam já escritos e era preciso que a música do filme os tivesse em conta. Hisaishi é uma pessoa que não é muito flexível e foi por isso que pensei que seria preferível trabalhar com outro compositor. Agora, se voltarei a trabalhar com ele no futuro ou não, isso é algo que não sei. [O divórcio entre os dois mastodontes terá sido consumado? Esperemos que não...]

Jornalista indeterminado: Fala-se muito da técnica, dos combates, mas o seu filme, não é só isso. É verdade que no início ou estava muito de pé atrás, quando você começou a fazer cinema, porque havia muita violência, havia muito sangue. Mas à medida que avançava na sua filmografia, mais nos surpreendia de filme para filme. Cheguei mesmo a rever as suas primeiras obras com outro olhar. Como tal, penso que há algo de importante no seu cinema, que é a relação da violência com o meio social. É verdade que há mortes, combates, mas o essencial não é isso. E penso que a frase do final de «Zatoichi» resume bem aquilo que quis dizer. Eu digo-lhe “bravo”, porque se trata de um filme excepcional! Talvez nos traga em seguida, porque cada vez nos traz qualquer coisa de diferente, uma comédia musical, que nos encantaria. Então, gostaria que respondesse a todas estas questões se fosse possível, em pequenas partes [algum riso na assistência], porque é verdade, trata-se de cinema que quer dizer alguma coisa, não se trata simplesmente de mostrar a violência pela violência. Penso que você faz cinema para contar histórias, para falar do ser humano, com o seu sofrimento e... voilà... muito obrigado [o jornalista não parece saber já onde se encontra, e nós também não, para ser honesto! Mas, apesar de um pouco confuso, foi a primeira verdadeira homenagem da conferência dirigida a Kitano!]

Kitano Kitano Takeshi [inclinando a cabeça na direcção do jornalista]: Arigato! [toda a sala ri, depois explode de riso quando a tradutora, também divertida, assinala que não existem realmente questões. É aí que o jornalista, um pouco embaraçado, responde precisando que gostaria de saber qual a relação de Kitano com a violência e o que é para ele “fazer cinema”... Resumido deste modo, torna-se de imediato mais compreensível!]: Antes de mais, em relação à violência, é verdade que cada vez que eu faço um filme e sou entrevistado surge a palavra “violência”. Penso que a minha maneira de apresentar a violência é diferente da dos outros. Quando mostro a violência, não quero que se acredite que se trata de um jogo, quero que exista a consciência de que a violência tem resultados nefastos. Agora, já não me perguntam com frequência se gosto da violência... Penso que não é essa a questão. Quando se comparam os meus filmes com outros, como a série «Die Hard», por exemplo, onde há muitas mortes, nos meus, na verdade, há apenas algumas mortes [risos... efectivamente, tudo é relativo!]. No que toca à minha relação com o cinema, para lá do facto de ser realizador, trabalho também para a televisão, escrevo livros, pinto. Por isso, para mim, o cinema assemelha-se a tudo isso. É por esse razão que eu continuo a fazer filmes, porque o cinema me parece a forma de arte mais completa, que me permite fazer tudo.

Jornalista indeterminado: Existem algumas coisas que surgiram nos últimos anos nos manzai que lhe serviram para a rodagem de «Zatoichi», uma vez que você parece falar de paródias dos movimentos dos samurai que fazia nos palcos e nos quais se baseou para o filme? Continua a considerar-se, hoje em dia, como um ronin do cinema?

Kitano Kitano Takeshi: Sim, quando fala de manzai, chamamos-lhe também stand-up comedy. Fi-lo e também interpretei uma espécie de chambara humorísticos, que parodiavam os combates com espadas. Também fiz sapateado. Por isso, para «Zatoichi», tive realmente a impressão de ter recolhido todas essas experiências do passado. No que toca à segunda questão, digamos que ultimamente sou finalmente reconhecido como realizador, o que não quer dizer que gostem de mim enquanto tal, porque eu não ouço aquilo que me dizem [risos].

Respect Magasine: Na nossa revista, somos frequentemente irrespeitosos, porque existem muitos clichés que dominam o mundo. No seu caso, não quero aí chegar, pelo que lhe digo “Respeito, senhor Kitano!”. Damos frequentemente a palavra a pessoas que não a têm com frequência, nomeadamente jovens dos subúrbios, mais frequentemente jovens com falta de referências. Talvez não o saiba, mas o seu filme «Brother» constitui para muitos destes jovens um filme de culto, ao mesmo nível de Scarface, por exemplo. Este não foi, possivelmente, o seu objectivo principal, pois parece-me que há mesmo uma visão crítica da violência à americana em Brother. Com «Zatoichi», penso que quis fazer um filme jovem para os jovens. Você é um cineasta internacional, com o que tal acarreta em termos de responsabilidade. Diz que o seu filme não tinha necessariamente que sair do Japão, pelo que eu gostava de saber como é que os jovens japoneses o receberam, em particular quando se sabe que existe um desejo da sua parte de ligar a tradição a uma expressão moderna desta tradição, e daí um desejo de comunicar às bases da juventude. A minha questão é, assim, a seguinte: que pensa trazer aos jovens com falta de referências, no nosso país, por exemplo?

Kitano Kitano Takeshi [respondendo de forma pertinente a uma questão, no mínimo, “embrulhada”]: O filme teve um sucesso considerável no Japão, o que me espantou a mim mesmo: já quase dois milhões de espectadores o viram, desde que estreou, entre os quais se contam jovens, mas também menos jovens, que querem vê-lo pela nostalgia, por respeito a Zatoichi, e que saem muito espantados com o filme. Pela minha parte, não sou do género de fazer distinção entre os que são jovens e os que são menos jovens. Considero que todas as pessoas são jovens durante o seu tempo de vida, é preciso fazer tudo para viver, porque a morte pode surgir a qualquer momento. Penso que o discurso, a mensagem, é a mesma qualquer que seja a sua idade: o importante é viver, a morte não poupa ninguém. Não temos nenhuma obrigação de trazer um discurso específico para os jovens, é a eles mesmos que compete encontrar alguma coisa interessante, algo que é também válido para os mais velhos.

Kitano

Kitano e as mulheres

Fantastikasia.net [apesar da voz tremida – a emoção... não se riam! – consigo articular a questão dupla que Suraj e eu nos lembrámos, por entre as numerosas que havíamos definido, e que nos pareceu a mais interessante na óptica do site]: Gostava de saber se, em toda a sua filmografia e em «Zatoichi» em particular, foi influenciado por outras cinematografias asiáticas. Encontramos no vosso filme, na confluência do chambara e do filme de espadas, uma tradição sino-japonesa; a sequência final pode remeter para as cenas coreografadas em Bollywood; a energia e a montagem das cenas de acção, enfim, podem aproximar-se dos filmes de Hong Kong. Qual é a sua opinião sobre os cinemas vizinhos? Para além disso, «Zatoichi» marca uma primeira experiência sua num filme de época, que parece ter sido muito agradável e que se revela como um grande feito artístico. Estaremos perante o início de uma nova aventura, isto é, vê-lo-emos realizar outros filmes dentro deste estilo?

Kitano Kitano Takeshi [aproveitando a tradução de Valérie Dhiver para colocar gotas no seu olho direito, antes de dar uma resposta no mínimo surpreendente]: Antes de mais, eu vi muito muito poucos filmes asiáticos. No que diz respeito às cenas de combate, são feitas verdadeiramente à japonesa, inspiram-se, por exemplo, muito mais no kendo, do que em algo que possamos ver noutros filmes asiáticos. É por isso que eu penso que não se pode dizer que existem reais semelhanças. Mas, uma vez mais, eu praticamente não vi outros filmes asiáticos. Para as cenas de sapateados, sobretudo na última cena, a referência é mais ao teatro de kabuki, no qual existe precisamente uma dança interpretada com os “Geita”, uma espécie de sapatos de sapateado tradicionais em madeira. Evidentemente, esta dança não é tão rápida, mas o ritmo é semelhante àquele que se pode ver no meu filme. Por isso não vejo propriamente uma referência aos filmes indianos. Mas, uma vez mais, não os conheço... Sou alguém muito pouco influenciado por aquilo que se faz em meu redor. Para responder a sua segunda questão, sim, tive algumas ideias, gostaria muito de fazer um file sobre o shogun, por exemplo, ou seja um filme que fale da história do Japão. Mas é um género de filmes de muito grande envergadura, com milhares de figurantes, financeiramente colossal, pelo que me parece que não será possível. Mas, se tivesse a oportunidade de o fazer um dia, isso interessar-me-ia... Em todo o caso, já tenho um argumento dentro desse espírito.

Jornalista indeterminado: Pegando numa parte do que disse o outro senhor, fiquei muito impressionado pela importância acrescida da música e da dança no seu último filme e gostaria de saber se pensa rodar uma comédia musical ou uma ópera filmada?

Kitano Kitano Takeshi: Tendo em conta que não conheço praticamente nada da ópera ou das comédias musicais, as hipóteses de isso acontecer são reduzidas. No entanto, o acaso poderá ditar que eu seja levado a realizar esse género de filmes...

Cosmopolitaine, emissão na France Inter: Parece-me que se há qualquer coisa de novo em «Zatoichi», por comparação com os seus filmes precedentes, é a posição das mulheres. Você fez filme viris, filmes de homens, onde as mulheres ocupam, em geral, papéis muito pequenos de sofrimento-dor ou de vítimas passivas. E aqui, vejamos estas duas geishas que chamam Zatoichi em seu socorro, para que as vingue. Mas elas próprias se metem ao barulho, são rainhas da sua história e do seu destino. É a primeira vez, parece-me, que você dá às mulheres – uma das quais é um travesti, mas ponhamos isso de parte – uma papel tão importante num dos seus filmes. Poderia falar-nos um pouco da sua relação com as mulheres no cinema e também na vida, porque não? [risos]

Kitano Kitano Takeshi [ao qual a pergunta faz rir muito... – enfim tudo é relativo; rir muito dentro dos parâmetros da sua descrição japonesa, entenda-se!]: De facto, paradoxalmente, é talvez por eu ser alguém que adora as mulheres que eles têm também um espaço muito reduzido nos meus filmes. Porque eu sou muito tímido. Penso que talvez os realizadores que fazem filmes sobre as mulheres ou onde elas têm um papel importante, são pessoas que não gostam das mulheres. Talvez no dia em que o meu desejo pelas mulheres seja menos forte eu possa fazer filmes sobre as mulheres [toda a sala ri com Kitano. A jornalista da France Inter acrescenta que, então, nesse dia ele deverá ser muito velho. Kitano retorque que nessa altura, lamentavelmente, não poderá deslocar-se a França!].


Kitano
O redactor Suraj recebe uma dedicatória nos seus DVDs.
Kitano
Zatoichi parte...
Traduzido do francês. Version originale en Français: http://www.fantastikasia.net

Procurou-se uma tradução o mais literal possível, mas foram tomadas algumas liberdades, nomeadamente por razões de simplificação. Os comentários finais à conferência de imprensa não foram usados porque nos pareceram demasiado específicos, mas podem, obviamente, ser lidos na versão original francesa, no site Fantastikasia. LC.

Com outra merecida salva de palmas, sobrepondo-se a estas trocas de bom humor, chega-se ao final da conferência de imprensa. Pouco depois de Kitano se levantar, a maior parte dos jornalistas aproxima-se dele para uma foto mais próxima e para pedir um autógrafo. Suraj, esse sortudo, consegue uma dedicatória nos seus dois DVDs e no press-book (obrigado por mo ter dado em seguida, você é demasiado bom, senhor!)

O realizador deixa a sala em seguida, acompanhado da sua escolta (agentes de imprensa, guarda-costas, etc.), e o local esvazia-se rapidamente. Ficam apenas cinco ou seis pessoas, incluindo Suraj e eu, trocando, entre nós, impressões sobre a conferência de imprensa. Uma conferência que não iremos esquecer tão cedo, porque os breves instantes passados na companhia do mestre foram mágicos.

Kicket

26/10/2003

cinedie asia © copyright Luis Canau.