Yosuke (Koji) está desempregado e à procura de emprego, forçado a viver temporariamente separado da mulher e do filho. Durante uma crise laboral e de meia idade, passa grande parte do tempo com um vagabundo junto ao rio. Antes de falecer, Taro (Kitamura Kazuo), conhecido como “o Filósoso”, fala a Yosuke sobre uma estatueta de Buda de ouro que deixou, décadas atrás, numa pequena cidade situada na Península Noto. Depois de mais uma entrevista de emprego que não traz resultados, Yosuke decide confirmar a história de Taro, procurando uma casa junto a uma ponte vermelha. Vem a conhecer Saeko (Shimizu), uma mulher que se dedica à doçaria regional e que parece ter como hobby a prática de pequenos furtos num supermercado.
Imamura Shohei é um realizador veterano com uma carreira que se estende até ao final dos anos 50 e que, não sendo particularmente prolífero, inclui na sua invejável filmografia duas Palmas de Ouro do Festival de Cannes: «A Balada de Narayama/Narayama Bushiko» (1982) e «A Enguia/Unagi» (1997). Depois deste último, o realizador japonês dirigiu «Dr. Fígado/Kanzo Sensei» (1998), também estreado em Portugal. Infelizmente, apesar do currículo irrepreensível, nenhum distribuidor decidiu exibir este "Água Quente sob a Ponte Vermelha", que, ao contrário dos títulos anteriores, não gerou particular entusiasmo no circuito dos festivais (esteve também em competição em Cannes) — quem sabe devido a um certo erotismo, que flutua entre o naïf e o "kinky sex".
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Yosuke visita Taro, "o filósofo", que lhe fala de uma ponte vermelha, junto a um rio. |
«Warm Water...» reúne o casal de «Unagi», com uma linha narrativa que condiciona as suas personagens e as impele por percursos similares: Yakusho Koji afasta-se da mulher (de forma mais radical no primeiro filme) e muda-se para uma pequena cidade do litoral, onde encontra Shimizu Misa. No seio da comunidade onde a acção se desenrola há um grupo de personagens peculiares, mais ou menos extravagantes, divertidas, mas sem chegarem a ser comic relieves plantados artificialmente na narrativa. Esta característica pontua os filmes mais recentes de Imamura e aqui a galeria é constituída por três pescadores que passam os dias junto ao rio, próximo da casa de Saeko, o casal que gere uma residencial barata, onde Yosuke se aloja, ou o atleta africano, que sonha triunfar na maratona, e o seu treinador.
O sexo tem um papel preponderante ao longo da obra de Imamura Shohei e esse elemento também é central em «Akai Hashi...». Não marca uma transição assinalando o início de uma relação amorosa — consumada, ratificada, pelo acto. Muito criticismo assenta sobre esta componente. Para alguns, as cenas de sexo arrastam uma obra séria para um campo próximo da sexploitation. Essa impressão estará dependente de sensibilidades pessoais e talvez também de sensibilidades culturais, uma vez que o cinema japonês é tradicionalmente muito descontraído na representação do sexo.
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Saeko vive com a mãe, Mitsu (Baisho Mitsuko), aparentemente senil e que se dedica a escrever oráculos. |
Imamura filma uma metáfora sobre a renovação da vida e do Homem, enquadrada num contexto da crise económica japonesa. O sexo tem aí um papel naturalmente importante a sua relevância no filme extravasa largamente a função de elemento provocador de espanto ou riso (ou "choque") no espectador. Aqui e em «Unagi» a personagem central abandona uma vida estabelecida, "burguesa", de salaryman, sem que haja, ab initio, uma decisão clara e directa nesse sentido. Ele é como que arrastado pelas circunstâncias, deixando-se, posteriormente, flutuar ao sabor da corrente.
O filme sugeriu também alguma discussão sobre o papel de Saeko, com opiniões opostas, que vão de uma visão de feminismo a uma mera fantasia sexual masculina sobre sexo “exótico”. A obra de Imamura está repleta de personagens femininas fortes e centrais às suas histórias, mas aqui o protagonista é um homem e é uma visão masculina que trespassa a narrativa. Não é por aí, naturalmente, que se pode rotular o filme como feminista ou exploitation — nem isso deveria ser muito importante, mas a verdade é que há quem, perante certos indicadores de (i)moralidade, se recuse automaticamente a apreciar um filme. A representação do “moralmente errado” continua a ter esse efeito em muitos dos que não renegam uma indústria cujo sustentáculo do entretenimento é o homicídio “limpo”: um herói, com razão moral (às vezes), uma arma e muitas balas.
Saeko personifica a Natureza, é um símbolo do contínuo renovar da vida, paralelo ao rio que passa sobre a ponte e, a curta distância, desagua no mar do Japão. Há toda uma simbologia relacionada com a água: o fluir do rio, da nascente à corrente, paralelo ao amadurecimento do ser humano. O arco-íris é um elemento pictórico que reflecte um sincero optimismo em relação ao futuro, contra a sua utilização (ou negação) em «Chuva Negra/Kuroi Ame» (1989), o filme que Imamura realizou sobre as consequências da bomba atómica em Hiroshima.
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