|
Numa época indefinida, algures na Coreia do Sul, depois de um longo período de conflitos entre alunos e professores, o caos continua a reinar. No liceu Vulcão, docentes e discentes dominam diversas artes marciais, bem como poderes sobrenaturais. O poder encerrado pelo "Pergaminho Sagrado", guardado pelo director do estabelecimento, é temido e cobiçado por todos os que ambicionam posições de liderança. Os estudantes organizam-se em grupos, de acordo com actividades desportivas extra-curriculares – halterofilismo, hóquei, kendo, rugby – e as altercações são frequentes. Depois de ser expulso de vários liceus, e já sem espaço na sua ficha disciplinar, Kyeong-su (Jang), chega ao Vulção, disposto a resistir a provocações, para evitar problemas. Song Hak-rim (Kwon), o “número um”, rapidamente entende que poderá ter nele um opositor à altura. Ryang (Kim Su-ro), líder dos halterofilistas, está farto de ser o número dois da escola e conspira para afastar Hak-rim. O caos e a indisciplina reinantes levarão à necessidade de recorrer a educadores especiais, dotados de grande poder.
«Whasango» é um delírio de efeitos digitais que poderá marcar uma nova fase no cinema da Coreia do Sul, fazendo por esta cinematografia o que «Stormriders» (1998) fez pela de Hong Kong. As experiências asiáticas com tecnologia digital têm sido consideravelmente diferentes das implementações no ocidente, com tendência sobretudo a destruir coisas grandes; grandes catástrofes, grandes explosões, navios, aviões, comboios, a caírem, a afundarem ou simplesmente a ir pelos ares. «Whasango» e «Stormriders» pegam no imaginário tradicional do "wuxia" (histórias clássicas de fantasia de artes marciais) e tentam dar-lhes um novo fôlego, através de uma vertente visual mais complexa e elaborada.
|
|
Chae-yi (Shin Min-ah): alunos... alunas...
|
Para a realização dos efeitos necessários para que um wuxia pian fosse minimamente credível, até meados dos anos 90 recorria-se a toda a espécie de truques ópticos (na câmara). Em certos casos, estes métodos incluíam a sobre-exposição da parte do ecrã onde estariam visíveis os fios necessários para as movimentações dos actores ou a sobreposição de um "nevoeiro" muito pouco natural. De um modo geral, usavam-se fios muito finos, dificilmente perceptíveis, o que aumentava consideravelmente a perigosidade dessas cenas. De qualquer forma, saltos, o caminhar sobre as águas, voar, etc., continuavam limitados ao mesmo tipo de planos, que ou eram da cintura para baixo (o que nem sequer constitui um truque), planos gerais, rodados a grande velocidade, ou planos mais lentos com um ecrã por detrás dos actores. A razão fundamental para estes métodos se manterem reside nos baixos orçamentos e nos prazos de produção apertados. «Stormriders» veio realmente mudar este cenário, introduzindo tecnologia CGI e remoção digital de fios, que permite agora apresentar, de modo mais convincente e com menos limitações, os mais variados tipos de proezas físicas ou libertação de energia, por parte de um guerreiro. «Crouching Tiger Hidden Dragon» (2000) apresentou um refinamento destas técnicas, mantendo um tom mais realista, sem a utilização artificial das CGI de «Stormriders».
«Volcano High» não é propriamente um wuxia convencional, mas uma mistura com um filme dos tempos modernos e lutas de grupos juvenis, contendo ainda um pouco de western (não existem armas de fogo, apenas combate físico e com energia interna, mas os cenários e alguns trechos da banda sonora também para aí remetem). Outra fusão existe ao nível do espaço e do tempo, cruzando-se o moderno com o tradicional. O cenário parece de há vários séculos atrás, mas as roupas e os uniformes dos estudantes, bem como determinados acessórios e espaços do liceu, são modernos, sugerindo-se que a acção se passa daqui a dezenas ou centenas de anos, num futuro pouco futurista ou talvez num presente alternativo. Há aqui também muito de banda desenhada/manga, mas, ao contrário de «Stormriders», «Whasango» não tem origem nesse meio (fez-se BD a posteriori, com base no filme).
|
|
À esquerda: Kyeong-su vs. Hak-rim (Kwon). À direita: Yo-seon (Kong) e a equipa de kendo preparam-se para entrar em acção. |
A história não é complexa, mas é contada de modo complexo, não ajudando nada não saber coreano – ou chinês, já que para recrear a atmosfera de uma época mais tradicional, os caracteres chineses dominam a linguagem escrita no filme (que existe não só em placards informativos ou no quadro negro, mas também em forma de comentários ou de fichas informativas ou a rodopiar em redor de dois actores, numa sequência mais abstracta do filme) e nem tudo é traduzido pela legendagem. Provavelmente a linguagem oral é também ela muito específica e as legendas, que por vezes passam a um velocidade que desafia o mais rápido dos leitores, têm alguma dificuldade em acompanhá-la. Surge muita coisa no ecrã ao mesmo tempo, principalmente texto a descrever o historial de cada personagem nova que é apresentada, requerendo muito mais atenção do que seria de esperar de um filme de acção. Por exemplo, o “número 1” da escola é apresentado como “Cegonha Elegante numa Floresta de Pinheiros – SONG Hak-rim”, com o nome em caracteres chineses e coreanos a entrarem e a saírem velozmente do ecrã, mais uma curta frase ao lado (deduz-se que equivalente ao que é traduzido), igualmente em caracteres bilingues. A melhor opção poderá ser deixar o filme fluir e não nos preocuparmos em entender todos os pormenorzinhos. Kim, citado por Darcy Paquet, no site Koreanfilm.org, afirmou ter concebido o filme a pensar na geração que cresceu ligada à web, impaciente e constantemente a saltar de link em link.
|
A duração do filme pode parecer algo excessiva para o tipo de material, mas o aspecto visual e a acção frequente não chegam a deixar que nos aborreçamos. Talvez a versão internacional, remontada para 100 minutos, tenha partido do princípio que fora da Coreia do Sul as audiências têm menos paciência. Na realidade, a acção – que dificilmente se poderia qualificar de “artes marciais” – parece nunca chegar a atingir picos de espectacularidade, preparando-se constantemente para algo que não chega a suceder. A imagem foi tratada em pós-produção, conferindo ao filme um curioso aspecto metálico, com cores claras e esbatidas, que contribuem para uma atmosfera irreal do cenário de fundo, onde a acção se desenrola, reforçando o conceito de um mundo com regras desconhecidas e onde tudo pode acontecer. A pista sonora multicanal é extremamente dinâmica – e o DVD [vd. abaixo] faz-lhe justiça –, acompanhando a acção, frequente e movimentada, ou os devaneios de filmagem ou montagem.
|