Xing (Cheung) é um realizador de cinema, desempregado há um ano, que vive com Mei (Mok), uma agente da polícia. Um dia recebe um telefonema do produtor Chung (Law), que lhe diz que conseguiu financiamento de um empresário que gostou do seu guião. Mas quando vão ambos falar com Wong (Chun), o “patrão” aborrece-se com a descrição da sinopse e insiste na inclusão de muito humor e sexo soft-core, bem como na utilização da sua “protegida” Mango (Shu), no papel principal. Xing, convencido de que iria realizar um projecto pessoal, vê-se na posição de ter de trabalhar num filme “Categoria III” (M/18).
«Viva Erotica» é um ensaio não apenas sobre a indústria do cinema erótico de Hong Kong, mas sobre a arte e a criatividade por oposição ao comércio, no âmbito da produção cinematográfica. Mesmo durante os anos de maior produção na ex-colónia britânica, o cinema de autor nunca foi popular localmente. Os realizadores mais bem cotados, como Wong Kar-wai e Stanley Kwan Kam-pang, apesar dos regulares prémios internacionais, eram tradicionalmente recebidos com pouco entusiasmo no território, forçando muitos “autores” a trabalharem alternativamente em filmes que não lhes interessavam minimamente, para poderem financiar outros projectos. Alguns, fartos destes compromissos, preferiram abandonar Hong Kong, para territórios onde encontrassem apoio à criação de projectos artísticos, como Clara Law Cheuk-yiu, que escolheu a Austrália para novo lar.
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Mango resiste...
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Em «Viva Erotica», há uma cena em que vemos um realizador frustrado que também decide fugir, apesar de não ir tão longe como Clara Law. Explorando o realismo de um trabalho nos bastidores do cinema “Cat. III”, os cineastas recorreram abundantemente a nomes reais e Lau Ching-wan, num pequeno papel, interpreta um realizador de filmes de arte e ensaio, chamado Derek Yee (em chinês, a piada é um pouco mais subtil, porque, apesar da fonética ser a mesma, o segundo caracter é diferente). O Yee ficcional sai de uma sessão do seu filme chamado «Um Eléctrico Chamado Sem Rodas», onde as três ou quatro pessoas da assistência quase morrem de tédio, enquanto cá fora, alguns “cinéfilos” irritados dizem, perante a imprensa, que o realizador de tal filme devia ser espancado ou pior ainda. Entretanto, o produtor de Xing levou-o a uma sala ao lado, para lhe tentar mostrar o que é que o povo gosta de ver: sexo voador acrobático, com Elvis Tsui Kam-kong (que, não por coincidência, é também a estrela do «Viva Erotica» que Xing roda) e Julie Lee Wa-yuet, na “clássica” comédia dramática sexploitation «A Chinese Torture Chamber Story» (1994).
Há uma bipolarização que melhor pode ilustrar os radicalmente diferentes métodos de produzir filmes em Hong Kong, explicados por Chung ao ingénuo Xing, antes de o levar à sessão da meia-noite, anteriormente referida. Ao ver os primeiros “rushes” do filme, repletos de imagens em câmara lenta e tremidas, que impedem que se veja a nudez, Chong diz-lhe que não tem que fazer um filme de arte e ensaio como Wong Kar-wai, mas um filme popular como Wong Jing, “mestre” da produção de cinema erótico, imoral e socialmente irresponsável. Wong tem um pequeno “cameo”, mas interpretado por outro Wong: Anthony Wong Chau-sang. E, no outro quadrante, em vez do autor de «Chungking Express», os cineastas preferiram pegar no semi-ficcional Yee.
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Mok e Cheung: cenas da vida conjugal no WC.
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Apesar de crítico de um sistema que não dá muitas oportunidades ao desenvolvimento de projectos diversificados, que visem enaltecer o cinema enquanto arte, «Viva Erotica» dispara em todas as direcções. Desde logo, o modo como apresenta o cinema de “arte” também não o escuda do seu olhar cáustico (imagens desfocadas e indestrinçáveis, temas abstractos que interessam a meia dúzia de pessoas, etc.) Por outro lado, ao mesmo tempo que desenvolve um comentário sobre a futilidade dos filmes “Categoria III”, «Viva Erotica» não se coíbe de apresentar uma série de quadros, eles mesmos verdadeiras peças soft-core, que poderiam ser considerados “gratuitos”, e sem os quais a história poderia perfeitamente ser contada (por isso o próprio filme foi classificado Cat. III). Os cineastas estão longe de condenar o género ou de fazer juízos morais, antes assumem de que se trata de material inconsequente, destinado a um consumo rápido e fácil pelas massas (como quando a mãe de Xing lhe diz que não há mal nenhum em trabalhar em tais filmes, e que ela até via alguns com o marido, oferecendo ainda de graça uns conselhos sobre a limpeza dos pés das actrizes.) E se «Viva Erotica» tem um olhar inteligente sobre a indústria, porque razão haveria de evitar ilustrar essa componente ou até mesmo usá-la com os mesmos objectivos? Por um outro prisma, seria difícil ilustrar as visões de Xing e a evolução do seu filme, sem apresentar algumas cenas mais “coloridas” com Wa e Mango. (É difícil perceber o critério que leva à tradução de alguns nomes, enquanto se deixam outros no original, como é o caso da personagem de Shu, chamada Mengjiao em pinyin, e cujo significado literal não tem nada a ver com fruta.)
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Equipa técnica e artística do filme-dentro-do-filme.
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A contracenar com Elvis Tsui, está a taiwanesa Shu Qi (frequentemente grafado Hsu Chi), ex-modelo de revistas eróticas e igualmente actriz de filmes soft-core. «Viva Erotica» certamente se aproveitou da sua disponibilidade em tirar as roupas, mas a cuidada direcção de actores e um guião bem construído trouxeram-lhe a oportunidade de elevar a carreira: obteve os prémios de melhor nova actriz e melhor actriz secundária nos Hong Kong Film Awards de 1996, e, a partir daí, começou a manter a roupa no corpo, em filmes mais sérios, como «Blacksheep Affair» (1998), com Chiu Man-cheuk, «Gorgeous», (1999) ao lado de Jackie Chan e Tony Leung Chiu-wai ou «Millenium Mambo» (2001), de Hou Hsiao-hsien. Se outro papel secundário merece destaque, será a interpretação de Karen Mok, como Mei, a namorada de Xing, que convence plenamente no modo como retrata a dificuldade da vida em comum com um realizador de filmes soft-core, com dificuldades em submeter-se ao sistema e sem tempo para lhe dar atenção. Os realizadores atribuem algum tempo ao desenvolvimento de pequenos momentos, que dão credibilidade à relação, como as várias cenas na casa de banho.
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