Jo-weon (Bae) é um artista e bon vivant que se dedica a conquistar mulheres e a abandoná-las. A sua prima, Lady Cho (Lee Mi-suk), um espírito congénere, sugere-lhe que contribua para a sua pequena vingança: engravidar So-ok (Lee So-yeon), a nova concubina do marido. Jo-weon, no entanto, tem outra prioridade: seduzir Lady Suk (Jeon), uma viúva, convertida ao catolicismo e famosa pela sua castidade (o marido morreu antes de consumar o casamento), desafiando a prima a apostar no seu fracasso.
O romance “Les Liaisons Dangereuses”, de Choderlos de Laclos, tem algumas adaptações conhecidas do grande público: «Dangerous Liaisons» (1988), de Stephen Frears1 e «Valmont» (1989) de Milos Forman, além de «Cruel Intentions» (1999), uma conversão para os tempos modernos, como já havia sido a primeira adaptação, de 1960, por Roger Vadim, com Jeanne Moreau. E J-yong2 decidiu tentar uma outra aproximação ao mesmo material, transpondo a história para a dinastia coreana de Joseon3, no Séc. XVIII.
Numa entrevista a Darcy Paquet4, E afirma ter tido contacto primeiro com o filme de Frears, acabando por ler o livro mais tarde. O seu desejo de fazer um filme de época foi protelado devido às dificuldades em reunir os fundos, uma vez que o seu currículo não lhe garantia ainda o financiamento. Antes de «Scandal», o realizador assinou «An Affair» (1998) — já com a actriz Lee Mi-suk, num regresso ao grande ecrã depois de uma carreira de sucesso nos anos 80 —, e «Asako in Ruby Shoes» (2000).
Na mesma peça, o realizador refere-se ao intuito de quebrar uma “maldição” nas bilheteiras, que, supostamente, impediria que dramas de época, filmes sobre desporto ou animais pudessem triunfar comercialmente. «Scandal» acabaria por ser o quarto filme coreano mais bem sucedido nas bilheteiras locais.
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Os prazeres de Lady Cho (Lee Mi-suk) e Jo-weon (Bae Yon-jun) incluem destruir a inocência de terceiros. |
Uma pergunta que o leitor poderá fazer perante a premissa deste filme é “será que eu quero ver outra adaptação das Ligações Perigosas?” Bom, se gosta da história e lhe apetece só mais uma variação, poderá certamente apreciá-lo. Se não conhece nenhuma das outras versões, poderá desfrutar melhor o enredo. Caso contrário, talvez seja difícil escapar a uma certa sensação de redundância.
No entanto, olhando para o copo meio cheio, em vez de meio vazio, concentremo-nos nos aspectos positivos. Os cenários da Coreia na Dinastia Joseon e os trajes de época são um valor acrescentado a ter em conta (ainda que o realizador admita que, por razões estéticas, respeitou o guarda-roupa tradicional, mas não as cores). O mesmo se diz do elenco, com destaque para as senhoras Lee Mi-suk e Jeon Do-yeon.
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Lady Suk (Jeon Do-yeon) resiste às investidas de Jo-weon. A ingénua So-ok (Lee So-yeon) acredita nas boas intenções dele. |
O elenco por si só não chega para que as personagens sejam plenamente credíveis. Não fiquei convencido que a actuação de Jo-weon tivesse os resultados que teve perante Lady Suk5 e muito menos com os “twists” emocionais — se é que se pode usar tal termo neste contexto — que parecem ter sido reservados para todas as personagens nos últimos momentos do filme. Parece que o argumentista se lembrou, de súbito, que tinha de pensar em algo não só melodramático, mas também moral e moralizador.
Nos momentos finais, como se não bastasse o passeio na neve de Jeon Do-yeon, que me faz perguntar se havia necessidade, ainda temos de lidar com aquela “revelação” com Lady Cho, ilustrada por uma opção cénica próxima do kitsch (quando o drama não convence, o termos surge mais facilmente).
Ainda sobra com que encher o nosso copo até meio: a direcção sóbria, a recriação de época, as cores e os tons capturados por uma bela fotografia e a competência dos actores, dedicados de corpo e alma, à que será, provavelmente, a versão filmada mais elegante e, sobretudo, sensual de “Les Liaisons Dangereuses”.
1 O site oficial britânico oferece uma comparação gráfica entre as personagens e actores de «Ligações Perigosas» e «Untold Scandal».
2 A leitura de E é em inglês, ou seja, 'i'. Este apelido é comummente grafado Lee, mas a romanização moderna (de onde se excluíram modificações no registo dos apelidos) apontaria simplesmente para um “I” capital. “J”, no entanto, corresponde ao fonema “djé” (jae) e não à leitura anglófona “jay”.
3 Última dinastia coreana (1392-1910), interrompida com a ocupação japonesa. Também romanizado como Chosun. 조선 (joseon) baseia-se nos caracteres chineses 朝鮮 (chao xian), expressão ainda hoje usada como (uma) designação do(s) país(es): Nanchaoxian 南朝鮮 (Coreia do Sul), Beichaoxian 北朝鮮 (Coreia do Norte). A expressão figura actualmente na denominação oficial da Coreia do Norte (República Popular Democrática de Joseon [da Coreia]). Algumas sinopses referem que o filme se passa “no final da Dinastia Chosun”, o que não será incorrecto se por “final” se entender “nos últimos cento e tal anos”.
4 Ver a entrevista do realizador a Darcy Paquet
5 Note que a fonética de “suk” usada no texto não é em inglês. A romanização english-friendly é “sook”. |