3... Extremos/Saam Gang 2/Three… Extremes/Three Monster
三更2 (sān gèng 2)
쓰리 몬스터 (seuri monseuteo)
Realizado por Miike Takashi, Fruit Chan Kwoh, Park Chan-uk
Hong Kong/Coreia do Sul/Japão, 2004 Cor – 122 min.
Com: Hasegawa Kyoko, Watabe Atsuro (Box), Miriam Yeung Chin-wah, Bai Ling, Tony Leung Ka-fai (Dumplings), Lee Byeong-heon, Im Won-hi, Kang Hye-jeong (Cut)
drama horror crime
Box 盒葬 (Miike Takashi, Japão, 40 min.): Uma escritora (Hasegawa) tem sonhos recorrentes em que é envolta em plástico e enterrada viva dentro de uma caixa. Invoca memórias do seu passado — de criança contorcionista num pequeno circo —, enquanto tenta entender aquilo que a assombra no presente.

Dumplings 餃子 (Chan Kwoh, Hong Kong, 37 min.): Uma actriz (Yeung) que já passou o ponto alto da sua carreira procura a fonte da juventude. Uma emigrante do continente chinês (Bai) parece ter um tratamento eficaz, na forma de "dumplings" (pastéis de carne). Os ingredientes são, inicialmente, um mistério. Mas será que ela se importa com a dieta?

Cut 컷 (Park Chan-uk, Coreia do Sul, 45 min.): Um realizador de cinema (Lee) vê-se aprisionado, com a mulher (Kang), num cenário de um dos seus filmes, por alguém (Im) que o acusa de ser demasiado bonzinho. Ele tem de conseguir convencer o raptor que é um homem mau e vicioso, mas para o fazer terá de cometer infanticídio. Cada hesitação pode custar um dedo da mulher. Pianista. (1)

Nota: as sinopses e o comentário seguem a ordem dos segmentos na versão de Hong Kong. A cópia portuguesa começa com «Dumplings» e termina com «Box». O filme de Miike, devido ao seu ritmo mais compassado, funciona melhor, na nossa opinião, no início do tríptico.

«Three... Extremes» é um segundo volume com um trio de histórias de horror produzidas em três territórios asiáticos. O primeiro «Three» incluía uma entrada da Tailândia («The Wheel», de Nonzee Nimibutr), adicionada às de Hong Kong («Going Home», de Peter Chan Ho-sun) e da Coreia do Sul («Memories», de Kim Ji-un). Desta vez, entra o Japão, com um segmento assinado pelo prolífero e multifacetado Miike Takashi, mantendo-se entradas de Hong Kong e da Coreia do Sul. E que nomes: Fruit Chan Kwoh, célebre por uma obra arte e ensaio, inaugurada com «Made in Hong Kong» (1997), na sua primeira investida no campo do horror, e Park Chan-uk, que hoje em dia não requer apresentações, sobretudo depois do Grande Prémio do Júri em Cannes com «Oldboy» (2003), a que se seguiu a conquista de outros festivais, incluindo o Fantasporto (Grande Prémio Semana dos Realizadores, 2005).

Hasegawa
Gémeas
O subtítulo "extremos" coloca o espectador na predisposição para algo radical ou, pelo menos, com pronunciada violência gráfica, mas o filme, ou os filmes, é mais do que exercícios de estilo na linguagem do slasher. Antes de mais, o modelo para onde remetem é o do horror gótico, que assenta mais no grotesco dos acontecimentos do que na contagem de cadáveres e no sangue derramado. Depois, já conhecemos os três nomes em causa e teríamos sempre de esperar algo realmente substancial.

Miike Takashi é um realizador com uma obra diversificada e uma filmografia muito extensa, que aumenta a um ritmo alucinante — o suficiente para que quem escreve sobre o seu "último filme" dever lembrar-se sempre de fazer uma ressalva, para o caso de ser realmente o antepenúltimo. O que surpreende em Miike é a consistência na maioria das obras que visionámos, qualquer que seja o seu género e apesar de serem feitas com um orçamento por vezes miserável. O realizador funciona à base de adrenalina e da intuição; os resultados não serão sempre brilhantes, mas a média qualitativa é surpreendente. Mais facilmente lembrado pelos títulos mais "extremos", o realizador japonês tem assinado filmes mais contidos e "sérios" — aliás, queixa-se que os festivais só se interessem pelos mais coloridos e que assim fica estereotipado como realizador de filmes hiper-violentos.

«Box» é uma obra que, com base em apenas «Fudoh» ou «Ichi the Killer», dificilmente alguém atribuiria a Miike Takashi. Com o seu nome nos créditos de um tríptico a que está associado a palavra "extremos", o espectador estaria certamente à espera de algo diferente do primeiro segmento (2). O que aqui temos é um conto de horror clássico, assente em pesadelos e com uma linguagem próxima do surreal. A câmara é ponderada e a montagem não interfere com a atmosfera; ausentes estão histrionismos formais ou violência gráfica. A revelação final é algo que nos poderia fazer torcer o nariz numa longa-metragem, mas que assenta bem neste formato mais curto. Miike, mesmo no campo da arte e ensaio de horror, está bem e recomenda-se.

Bai
O tríptico prossegue com «Dumplings», que nos estimula inicialmente a curiosidade para ver como Chan Kwoh aborda um filme puro de género. Acabam por se destacar dois elementos: a extraordinária presença de Bai Ling, cuja nomeação para os Hong Kong Film Awards como Melhor Actriz Secundária, tornou de imediato inconcebível a atribuição do prémio a outra actriz (3), e a fotografia de Christopher Doyle, com uma predominância dos tons verdes, contrastados com o (inevitável) vermelho. A beleza visual é contrastante com a aura de sujidade plástica do apartamento onde Miriam Yeung consome os pitéuzinhos, tal como a sensualidade da personagem de Bai face a um look de descontraída devassidão.

A contribuição de Chan, cuja versão longa — para confrontar mais tarde — apresenta algumas diferenças substanciais, é a que mais merece o epíteto de "extremo". Não por força dos ingredientes usuais que levam as classificações etárias ao Maiores de 18 («Three... Extremes» é Categoria III em Hong Kong), mas devido ao que se ousa usar como fonte de juventude — um ingrediente que o leitor facilmente encontrará na maioria das sinopses e até no trailer do filme, mas que me parece merecer ser degustado sem preparação prévia.

Lee
Kang
Dificilmente se poderia fechar em tão grande estilo. O segmento de Park Chan-uk arranca com um cameo de Yeom Jeong-a, num cenário onde um filme está a ser rodado. Mas à frente veremos alguns paralelismos, com o realizador (Park, não o outro) a jogar com os conceitos de realidade e ficção cinematográfica. Este é o segmento onde há violência gráfica mais vincada, mas só a achará gratuita quem rejeitar o puro entretenimento aqui presente — quando o raptor não se contenta em abusar das suas vítimas, mas obriga-as ainda a assistir aos seus números de canção e dança. O texto é extremamente irónico, com um humor negro (RGB 0/0/0) por vezes delirante, como a performance que remete para a «Laranja Mecânica» de Kubrick.

Peça musical equilibrada, com Kang Hye-jeong ao piano (mas sem poder dar o seu melhor), «Cut» culmina num crescendo de violência intensa, por ser “gráfica”, mas sobretudo devido à libertação da tensão acumulada — algo em que Park é um verdadeiro mestre. Não é para todos os paladares, mas quem o conseguir apreciar sairá com um sorriso de satisfação nos lábios (ou sem palavras e de olhos esbugalhados).

4

(1) N.B.: A sinopse é parte integrante do texto original publicado em Abril de 2005. Esses três parágrafos, que não seguem a ordem da cópia internacional mas do DVD de Hong Kong, foram distribuídos e publicados noutros locais sem que fosse solicitada autorização e sem referência à fonte original.

(2) A ordem dos filmes pode variar consoante a origem da cópia.

(3) Bai ganhou por este papel, mas o filme a concurso era a versão longa-metragem deste segmento.

Fantasporto 2006. Estreia em Portugal (Ecofilmes/Vitória Filme) a 23 de Março de 2006. O DVD de Hong Kong recomenda-se ainda que a transferência não seja perfeita. Som Dolby EX e dts ES, imagem anamórfica. Três making-ofs — «Box»: 18'; «Dumplings»: 14'30”; «Cut» 20'40” — com legendas em inglês (há partes que não as têm, mas também não precisam) e trailers. Neste momento encontra-se também já disponível na Coreia do Sul. Há que ter em conta que um DVD nacional já não está muito distante. (13/3/06)

publicado online em 12/4/05

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