Na-moo encontra-se com Jun-ho, seu amigo de infância e juntos recordam os tempos que passaram juntos, quando crianças, numa pequena aldeia piscatória. Saltamos para o passado. Na-moo (Lee) vive com a mãe (Bae), a avó (Na) e o gato. A mãe começa a namorar Kyeong-min (Ahn), um pescador local, algo que não agrada nada a Na-moo; o que não é uma surpresa, pois a criança não parece simpatizar particularmente com ninguém. Na escola, a sua mente deambula por outras paragens. Na-moo e Jun-ho (Kong) passam grande parte do tempo livre junto de um velho farol. Um dia, o rapaz encontra um berlinde brilhante, com uma misteriosa figura branca no seu interior, que se revela a chave para um mundo de fantasia.
Vencedor do Grande Prémio do Festival de Animação de Annecy, «My Beautiful Girl, Mari» é uma produção de animação digital de orçamento relativamente baixo. Recorrendo a uma equipa pequena e à utilização de software de utilização banal, como o Flash, Adobe Ilustrator ou o Photoshop, Lee Seong-gang assina um filme muito simples, com um design bem vincado, com belas cores e cenários que reflectem realisticamente mudanças atmosféricas. Os bonecos não têm o aspecto normal dos filmes de animação digital, estando muito afastados do "cartoon" e não chegando bem a poderem considerar-se como "realistas". O seu aspecto visual, aliás, é bidimensional, e a característica mais invulgar que apresentam decorre de se tratarem de desenhos convencionais em formato digital com os contornos exteriores removidos. Tudo métodos de trabalho simples, mas que permitiram atribuir um invulgar aspecto gráfico a uma obra de animação produzida a custos baixos.
O low-budget, que não transpira propriamente ao longo do filme, recheado de momentos em que a bela "fotografia" chama brevemente a atenção para si, adequa-se bem com o intuito do texto, de contar de modo naturalista um história quase banal, que poderia ser uma fatia da infância de qualquer um de nós, de uma altura em que a nossa imaginação percorria os confins do universo ou outras dimensões, criando histórias mirabolantes ou amigos imaginários, sem precisarmos de recorrer a alucinogénios pesados e perigosos para a saúde. Ou será que Mari é real? A resposta a esse pergunta acaba por não ter qualquer relevo ou, sequer, utilidade para apreciar um filme que não tem muito para interpretar ou entender.
Imbuído de uma exiguidade narrativa que mistura o realismo social do o dia-a-dia de uma família e as suas actividades mais comuns, como cozinhar ou trocar uma lâmpada, a vida escolar das crianças, na sala de aula, no recreio a jogar à bola, os conflitos normais com os colegas, com elementos de fantástico, quando Na-moo mergulha no mundo de Mari, de vastas planícies, uma natureza verdejante que preenche o horizonte em redor, e habitado por pequenas criaturas voadoras ou por gigantes animais que parecem cachorros de peluche, «Mari» recorda-nos de «Tonari no Totoro», de Miyazaki Hayao. Na-moo não é uma criança muito feliz, vivendo descontente com a rotina na sua aldeia, com a família (sem o pai e com outro homem a querer ocupar o espaço dele) e quando o melhor amigo se muda para a cidade sente-se ainda mais deslocado, daí que prefira imergir-se num mundo de fantasia, guiado por Mari, uma criatura que poderia passar por uma menina da sua idade, excepto pelo facto de estar completamente coberta de pêlos brancos, talvez para não destoar com o “look” boneco-de-peluche do seu mundo.
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«Mary Yagi» transmite uma certa melancolia por um tempo passado e irrecuperável, do qual só nos chegam memórias desconexas, que nos pode sugerir querer construir uma história completa com base naquilo que ainda nos lembramos. Podemos vê-lo como o lamento de um trabalhador de escritório – digamos, um contabilista –, suspirando pelos dias da sua vida em que poderia deixar o seu espírito flutuar nas asas da imaginação, sem receio de cair de súbito à terra, com uma chamada urgente ao gabinete do patrão, irritado com as contas cheias de erros. Estaremos ainda a tempo de voltar a esses dias, poderemos ainda deixar-nos levar pelos sonhos?
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